sábado, 7 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3992: Nuvens negras sobre Bissau (18): Um povo afável e generoso que ainda nos recebe com um sorriso... (Torcato Mendonça)

1. Mensagem do Torcato Mendonça, com data de 4 de Março:

Caros Editores: Ia começar a ler o blogue, são as 22H00 e parei.Como fiz um comentário, na manhã de hoje aos Postes do Carlos Scharz e do Luís Graça que virou, pela quantidade de palavras a escrito para arquivo. Acrescentei um cabeçalho agora e segue. Ainda hesito, mas...

Hoje de tarde fiquei bem melhor informado sobre a Guiné e o que se tem passado. Lastimo. Sejamos optimistas e acreditemos nos homens.

Abraços para vocês do Torcato

[Aqui, na foto, no Fundão, em 2 de Junho de 2007]

2. Guiné, Hoje (*)
por Torcato Mendonça

Escrever sobre determinados assuntos tem, de um modo geral, como destino o arquivo. Vão depois desaparecendo, nem todos é certo e, de quando em vez, encontro um ou outro. Verifico como pensava na altura do escrito.

O espaço do comentário é curto, embora indo além das sessenta palavras. Tentei fazê-lo hoje. O poder de síntese e o espaço iam ser limitativos. Por isso fui escrevendo. Se resolver enviar lá irá…

Li, caro Luís Graça, o que Carlos Schwarz escreveu em resposta a um mail teu. É a sua visão dos acontecimentos, a sua análise frontal e desassombrada, uma mais valia, para quem se preocupa ou gosta de ter conhecimento dos últimos acontecimentos ocorridos na Guiné. É um homem natural de lá, creio eu, e, mesmo que o não fosse, sempre esteve àquela terra ligado. Li e reli com interesse.

Mas, meu Caro Luís Graça, apesar da opinião valiosa - subjectiva como todas e até passível de melindres, o ser valiosa é adjectivação minha – e desassombrada, pois vem de homem que pensa livre.

A situação naquele País é bem mais complexa. Sempre foi. Mesmo durante a guerra colonial e com Amílcar Cabral vivo; depois de sua morte e das purgas e ajustes de contas ocorridos; pós-independência, não a de 73, claro que foi mera propaganda para servir a causa, mas o pós-independência com a saída de Portugal; no consulado (presidência) de um outro Cabral; as perturbações, os fuzilamentos de tantos que serviram o nosso País e não só; o golpe de João Bernardo Vieira e as perturbações posteriores. Não nos podemos intrometer. Melhor eu não posso, não devo e não me quero intrometer.

A História da Guiné terá que ser feita por Guineenses. Há, de minha parte e em muitos de nós que por lá passámos, não um saudosismo mas, isso sim, uma afectividade sentida por aquele Povo.

Curiosamente ou talvez não, um povo esquecido, um povo onde, no seu seio vivem, ex-combatentes, da chamada luta de libertação, vitimas do ostracismo imposto pelas elites saídas dessa tal luta. Vivem em harmonia com outros ex-combatentes que connosco estiveram, no meio do povo que connosco co-habitou.

É esse povo, afável e generoso, que recebe os antigos combatentes com um sorriso e um carinho enorme. Dizes, meu caro amigo… ”eles são, todos eles, os melhores filhos da Guiné”. Faltam muitos, muitos. Falta esse povo que vive nas tabancas, nas “cidades” em degradação ou, porque não na periferia de Bissau. Não posso escrever assim. Não posso ir além de. Posso, isso sim estar, concordante ou discordante com o que Carlos Schwarz descreve, como ele sabe e bem, o que é lógico, sobre a situação agora vivida e, muito levemente, levanta o véu de um ou outro porquê.

Posso ainda dizer que escreves um belo poema; que as canções do Anastácio me sensibilizam; que a música do korá do Braima Galissa me enternecem e sinto a nostalgia, pela poesia, prosa, canto e música de um passado, de uma parte do meu passado. E mais te digo amigo, espero só saltar um pequeno escolho e, agora sim, tenciono voltar á Guiné. Sem turismo, sem nada mais que não seja recordar, sentar-me na base de um poilão, debaixo da sombra de uma mangueira, ouvir o som dos pilões, o riso das crianças, as vozes das mulheres e, fechando os olhos sonhar. Ainda encontrar quem quero.

Agora fico expectante, desejando o bom senso, a determinação, a sabedoria dos “homens grandes” para ultrapassar a morte do General Tagma Na Waié, e estas mortes de não sei quantos guineenses, incluindo o seu Presidente.

O futuro é já hoje, meu caro amigo, o futuro está atrasado... recordas as carências sanitárias? Recordas as carências de tudo? Não sei se viste o documentário “Dar a Vida Sem Morrer” [, de Catarina Furtado, na RTP1,] e disso, das questões de saúde, sabes muito mais que eu. Só estamos próximo no sofrimento que vimos.

O futuro tem que ser feito com determinação e ser propiciador de um desenvolvimento abrangente. Isso será o Povo e os dirigentes que dele emanam, a construir. Sem nunca esquecer que de África sabem os africanos. E, se nós, europeus, pudermos ajudar que o façamos em igualdade. No fundo, bem lá no fundo, apelando, de quando em vez, à memória e tentando compreender como foi possível certo passado.

Isto foi um sentir, um pensar em voz alta, um leve comentário a uma situação que nós queremos ver rapidamente ultrapassada.

Procuro não comentar, nem ao de leve, o que chamo os 3 G – Guileje, Gadamael e Guidage. Comentei é certo mas pouco. Aqui parei.

Quanto a um jornalista e à revista onde escreve, para mim está quase tudo dito. “As Duas Faces da Guerra” da Diana Andringa/Flora Gomes, penso à minha maneira. Fiz um simples comentário e ponto.

Isto é um espaço de pluralidade opinativa e sempre em respeito pela opinião de todos. Nisso é que está a riqueza do pensamento…

Pode pensar-se que estou a falar de democracia. Não. A democracia pratica-se e hoje faz parte do nosso viver. È desnecessário. Não é?

Por vezes, em certas zonas deste nosso Mundo parece diferente…também a paisagem, os cheiros, o clima… variam!

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caríssimos:

Não podia deixar de comentar um texto do meu "Camarada" e muito mais "Amigo".

Ainda hoje, em Macedo de Cavaleiros, onde estive num baptizado de um filho de um amigo meu,comentava a situação da Guiné.

Tudo o que fôr dito por estranhos à "nossa acção e vivência e acção" é pura ficção.
Verdade é a vivência dos actores.
Eu tive umas realidades.
Outros tiveram outras.

Há, hoje, ainda, PORTUGUESES que dizem que a GUERRA não existiu.
Andámos todos de UNIMOG e tivemos acidents.
Eu tive, mas porque a ponte (???) caíu.

Não me calarei...

Quem fez e viveu a GUERRA, ambiciona a PAZ.

CMSantos
Mansambo 68/69