segunda-feira, 9 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4001: Nuvens negras sobre Bissau (19): 'Nino' Vieira (1939-2009): tão bom combatente como mau político (Virgínio Briote)


Guiné-Bissau > Bissau > Presidência da República > 6 de Março de 2008 > 'Nino' em pose de Estado... Fotos extraídos de vídeos feitos durante a audiência que o Presidente João Bernardo Vieira 'Nino' (1939-2009) deu a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Com a devida vénia, fomos ao blogue do Gil Duarte (pseudónimo literário do nosso co-editor Virgínio Briote), Guiné, Ir e Voltar, Tantas Vidas, e repescámos esta nota biográfica sobre o 'Nino' Vieira, cujos restos mortais vão a sepultar, na próxima 3ª feira, em enterro de Estado... Recorde-se que no sábado passado foi enterrado no Cemitério Municipal de Bissau o general Tagmé Na Waie, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, outro histórico da guerrilha, no sul.

O nosso querido co-editor, VB, tem andado um pouco mais arredado do nosso blogue, por razões de saúde... A publicação, à revelia dele, destas notas, é também uma pequena homenagem ao um amigo e um camarada que, tanto quanto eu sei, já desistiu diversas vezes da tentação de fechar, definitivamente, o dossiê Guiné (1963/74). É que houve um ir e voltar, mas há sempre um ir e voltar, haverá sempre uma eterno retorno... A Guiné é uma espécie de segunda pele que ficou colada ao nosso corpo...

O VB tem vindo a fazer, no seu blogue, a recolha e a divulgação de pequenas mas preciosas notas biográficas dos principais protagonistas do PAIGC... Como é sabido, faltam-nos biografias (sérias) destes homens e mulheres que nos combateram, ou melhor, combateram um sistema e um regime, e que são os pais-fundadores e as mães-fundadores da República da Guiné-Bissau. (LG)


Nino Vieira (1939/2009) passa à história como o símbolo da guerrilha na luta pela independência da Guiné-Bissau.

João Bernardo Vieira, 'Nino' Vieira, 'Nino' ou 'Kabi Nafantchammma', como também era chamado, foi uma personalidade que nos acompanhou ao longo dos anos que durou a guerra. Uns só ouviram falar dele, outros, principalmente os que estiveram no sul do território, sentiram na pele as acções em que directa ou indirectamente esteve envolvido.

Nino nasceu em Bissau, em 27 de Abril de 1939. Em Janeiro de 1961 partiu para a China, integrado num grupo de dez camaradas (Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi, Vitorino Costa, Constantino Teixeira, Hilário Gomes, Pedro Ramos, Manuel Saturnino da Costa e Chico Mendes) escolhidos por Amílcar Cabral, a fim de receber treino militar. Foram esses os primeiros comandantes da guerrilha.

Com 25 anos apenas, Nino já era o Comandante Militar da zona sul, que abrangia a região de Catió até à fronteira com a Guiné-Conacri. Aliás, foi quase sempre no Sul que actuou durante a luta, transformando esta zona, que abrangia o Cantanhez e o Quitafine, num dos mais duros, senão o mais duro, de todos os teatros de operações em que as forças portuguesas estiveram empenhadas e do qual ainda restam nomes míticos como Guileje, que ele veio a ocupar em 25 de Maio de 1973, Gadamael, Gandembel, Cacine, Catió, Cufar, Cadique, Bedanda e tantos outros.

Embora se tenha dedicado principalmente à actividade operacional, como comandante de unidades de guerrilheiros, Nino Vieira ocupou os mais altos cargos na estrutura do PAIGC, sendo membro eleito do bureau político do seu Comité Central desde 1964, vice-presidente do Conselho de Guerra presidido por Amílcar Cabral em 1965, acumulando com o comando da Frente Sul, e ainda comandante militar de todo o território a partir de 1970.

Foi eleito deputado em 1973 e, posteriormente, Presidente da Assembleia Nacional Popular, que proclamou no Boé a República da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973.

Após a Independência foi Comissário do Estado para as Forças Armadas. Em 1980, Nino após o golpe que levou à destituição do Presidente da República, Luís Cabral, assumiu os cargos de secretário-geral do PAIGC e a Presidência da República.

As consequências do golpe levaram ao fim do projecto de Amílcar Cabral, a união dos povos guineense e cabo-verdiano. Em 1984 foi aprovada uma nova Constituição e só em 1991 terminou a proibição dos partidos políticos.

Com o novo regime, as primeiras eleições tiveram lugar em 1994. Nino Vieira, concorrendo contra Kumba Yalá, foi eleito Presidente da República à 2ª volta, tomando posse em 29 de Setembro de 1994. Quatro anos depois, ainda conseguiu suster um golpe que visava a sua destituição. Mas não por muito tempo.

A propósito de um nunca esclarecido fornecimento de armas para a guerrilha de Casamansa, em Junho de 1998 travou-se uma violenta guerra civil entre partidários de Ansumane Mané e forças fiéis a Nino. Mané destituiu-o em 7 de Maio de 1999, substituíu-o por Malan Bacai Sanhá, e Nino Vieira foi obrigado a refugiar-se na Embaixada Portuguesa em Bissau, de onde só saiu em Junho para Portugal.

Fazendo jus à sua antiga imagem de combatente, Nino regressou a Bissau em 2005 para anunciar a candidatura às presidenciais de Junho de 2005, que venceu à 2.ª volta contra Malan Sanhá. Mas a sorte, que tantas vezes o protegeu, estava prestes a abandoná-lo.

Há guineenses que dizem que, depois do regresso de Portugal, Nino nunca mais conseguiu recuperar os poderes políticos e militares que antes detivera. Que o poder militar se mantinha nas mãos dos que o tinham exilado e que, apesar das várias tentativas para fazer e compor alianças, o poder político se manteve longe dele. Outros afirmam que Nino foi tão bom combatente como mau político.

Certo é que, nos últimos trinta anos, Nino sempre esteve no centro das muitas crises que têm afectado a vida da ainda jovem República. E na sequência de mais um grave conflito político-militar, Nino Vieira morreu, em 2 de Março de 2009, às mãos de alguns militares das Forças Armadas de que foi um dos principais criadores.

Ironias do destino: os corpos de 'Nino' Vieira e o do general Tagme Na Waié, também vítima de uma explosão violenta no seu gabinete, ambos companheiros na luta pela independência, repousaram juntos, bem perto um do outro, na morgue do Hospital Simão Mendes, em Bissau, antes de serem sepultados.

[Título do poste e bold, a cor, são da responsabilidade do editor L.G.]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. 7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3992: Nuvens negras sobre Bissau (18): Um povo afável e generoso que ainda nos recebe com um sorriso... (Torcato Mendonça)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Mensagem de hoje, do Virgínio Briote, e que tomamos a liberdade de inserir aqui no cantinho dos comentários, porque nos apraz constatar que temos de novo o nosso co-editor VB, em boa forma:

Caros Luís e Carlos

Não foi partida nenhuma, é um gosto para mim.

Tenho estado entretido com o diário da guerra do Amadu Djaló (1962/74). Estou em 1965. Relata muitas ops militares, vistas pelo olhar e as reflexões de um africano. Muito crioulo e algum fula, misturado com algumas palavras em português...Esta semana vou encontrar-me com ele na AssCmds para esclarecer muitos pontos e amanhã também conto estar presente no Museu Militar, ás 18h00, na apresentação de mais um tomo da Resenha das Campanhas de África.
Depois dou-vos notícias.
Um abraço,

vb