segunda-feira, 2 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

Missirá, um resort de luxo


Jorge Cabral com cara de mau, disfarçado de militar, no seu resort de luxo.

Comentário? Estória? Se calhar Blogoterapia.

Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais.

Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando.

Mas o meu dia chegou. No cais, a minha Mãe e toda a família rejubilaram. Deve ter sido para eles, o dia mais feliz das suas vidas...O paquete era o Alfredo, um verdadeiro Barco do Amor. Enorme, faustoso, pleno de diversões. E lá cheguei a Bissau.

De clima tépido, uma brisa suave encheu-me o peito de calma e de bem-estar...nem militares, nem polícias, só Paz e floridos jardins. No dia seguinte dirigi-me ao Gabinete do Coordenador-Geral do Turismo, a fim de escolher a unidade hoteleira que iria ocupar.

Na parede uma velha carta militar, havia sido adaptada, assinalando as centenas de empreendimentos de lazer.

E havia de tudo... Resorts de luxo, hotéis cinco estrelas, pousadas, pensões, residenciais e turismo rural, todos com oferta variada, desde o montanhismo aos desportos náuticos...Porém, as vagas eram poucas. Mesmo assim, tive sorte, calhou-me a estância de Missirá.

Não tinha piscina, mas ficava perto da praia do Mato Cão, possuía Casino, e contava com óptimo pessoal. Teixeirinha – o cozinheiro francês, Mamadú – o mordomo inglês e o Nanque – croupier italiano, além de três fogosas acompanhantes suecas, já muito bronzeadas!...

Lá chegado, constatei a excelente organização das actividades. À quinta-feira tínhamos Massacre. O difícil era escolher, pois todas as aldeias queriam ser massacradas. Terça-feira era o dia das violações. O fim-de-semana era passado na praia, com surf no Macaréu.

E ainda existiam torneios de morteirobol e as deliciosas gincanas inter-minas, e muito, muito fogo de artifício. Que férias! Que saudades! Nunca mais encontrei nenhuma Organização Turística que me proporcionasse férias tão formidáveis...Caramba, nem a oportunidade para um massacrezito...

Jorge Cabral
_______________


Notas de vb:

Último poste da série > 27 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

Artigos relacionados em

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

1 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P3956: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (9): João Melo e Carlos Machado, Tigres do Cumbijã

10 comentários:

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Camarada Jorge Cabral:
O seu post é extraordinário, muito bem escrito até parece que leu o artigo do Luis Madeira Martins eu se fosse o meu amigo enviá este artogo ao dito jornalista e à outra senhora que fez "Uma face da Guerra".
Felicito-o pela maneira como conseguiu fazer de uma situação dolorosa para uma situação divinal.
Permita-me que o cumprimente com a admiração que sempre nutri pelos camaradas que passaram férias na Guiné, foram cá uns sortudos!
Só eu tive o azar de ir para Angola de 67/69.
Um abraço do
Júlio Pinto ex-turista em Angola

Anónimo disse...

Ó júlio Pinto, não sejas invejoso pá!
Se o Cabral conseguiu aquelas parasidíacas férias na Guiné, que ele tão maravilhosamente descreveu, vocês em Angola estiveram no Hawai, "gandas malukos".

Magalhães Ribeiro
O pira de Mansoa

Anónimo disse...

Camaradas, Camarigos e Outros que tais!
Só o Jorge Cabral me faz, realmente, sentir um "sortudo" por ter tido a mesma sorte que ele.
ATé à Ericeira, a toque de caixa, capacete do tempo da II Guerra Mundial, molhar os pés no mar, porque estavam cheios de bolhas...
Depois o "meu" cargueiro do amor, o ANA MAFALDA. Vómitos de 5 dias, com paragem na paradísiaca Ilha do Sal.
Chegada à terra vermelha (que saudades)!!!!
Tantas noites de Mato Cão, ouvindo e vendo o macaréu e os "barcos" a subir e a descer. Uísque e mais uísque à partida e à chegada.
Bendita experiência de vida.
E ai9nda dizem que não houve guerra "olhos nos olhos" e só acidentes de viação ?????
Esqueçam.
Isto é surreal.
Bravo, mais uma vez ao Jorge Cabral.
Um admirador.
CMSantos Mansambo 68/ 69

Anónimo disse...

Coloco aqui o comentário que fiz a este comentário do Jorge Cabral.

Chissa que já é muito comentário!!!



Meu caro camarigo Jorge Cabral

Brilhante, homem, brilhante!

Tem graça que um anito mais tarde auferi das mesmas benesses que tu!!!

Isso é que foi gozar, pá!!!

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Boa!!!
jt

Luís Graça disse...

A ironia... um superior traço de inteligência. Teu incondicional admirador, desde 1969... Conhecemo-nos nas melhores estâncias turísticas da província portyguesa da Guiné: Fá Mandinga, Bambadinca, Mato Cão, Finete, Missirá, Xime, Udunduma, Ponta do Inglês, Poindon, Mansambo, Xitole, Rio Geba, Rio Corubal, Rio Udunduma...

Um chicoração

Santos Oliveira disse...

Jorge Cabral e demais turistas.

Eu afirmo que vinha no transporte onde se fazia o meu regresso e olhava para trás com incredibilidade de se ter acabado tanto gozo.
As saudades dumas escassas férias de 24 meses eram tantas...
Saudades dos petiscos, passeios surpresa, divertimentos multi variados, que nos concediam a cada momento, festas com fogo de artifício e o ribombar de foguetes...
Que saudades... que saudades...
Só quem teve tais privilégios o pode sentir.
Ao contar todo aquele gozo, que tive, ninguém acredita.
Abraços
Santos Oliveira

Anónimo disse...

Que maravilha....! Quem escreve assim não é gago...!
Tenho inveja de não ter a mesma arte, mas não tenho inveja das férias em África, porque como soldado ainda tive melhores privilégios, tal como "orquestras" e "petiscos", de formigas, abelhas e percevejos, e uma Suite de luxo no Timor de onde só saí quando cheguei a Bissau.
Como sugestão gostava de ver novamente um jornal de caserna onde pudessemos divulgar algumas cenas cómicas porque todos passámos,algumas já disperas pelo blogue.
Um abraço
Artur Conceição
Cart 730 Jumbembem

Anónimo disse...

Meu caro Jorge
Que maravilha o teu texto!
No meio de tanta desgraça, sabermos rir de nós próprios, sabermos ir buscar a inteligência da superior ironia, reconcilia-nos, reeconforta-nos, faz-nos melhores.
Obrigado, camarada Jorge Cabral.
António Graça de Abreu

Hélder Valério disse...

Jorge Cabral, muito obrigado por teres colocado as coisas nos seus devidos lugares. Foi assim mesmo! Além disso já andava a ficar um bocado "apanhado" com "guerras ganhas e guerras perdidas", com novos esforços para o reescrever a História, agora também já pensava quanto distraído andava para perder todas essas coisas boas que diziam acontecer. Fico muito mais descansado.
Um abraço
Hélder S.