sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3883: Fauna & flora (18): Um macaquinho principiante na arte do furto (José Brás)

1. Mensagem de José Augusto Santos Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Caros amigos

Para o que for... porque vale o que vale!

Uma pequena contribuição para o tema “macaco cão”.

Na estrada Buba – Aldeia Formosa, quer pela via directa, quer por Nhala, macaco cão era o que mais havia.

A mim dava-me gosto ver-lhes o destemor, a provocação, a dignidade com que nos arreganhavam o dente, a quase sensação de um ataque iminente, não apenas aos espaçados “picadores” que adiantavam as “carroças” (unimogues e gmc’s) mas mesmo a estas.

Por vezes, em trechos já picados, instalavam-se na frente das viaturas, indiferentes, num passo próprio e descuidado, como se a coisa não fosse com eles.

Em 95 (ou lá perto) estive de férias na Guiné, fiz o caminho de Mansoa, Bambadinca, Quebo, Buba, Catió e volta. Um pouco abaixo do cruzamento de Buba encontrei-me com um enorme grupo desse babuínos, armei de herói, pedi que parassem a viatura, andei 100 metros de câmara na mão, tentando convencê-los da nossa amizade antiga. Não “peguei” um único, apenas um susto valente (que não ficou na foto) porque “senti” que as coisas poderiam dar para o torto.

Uma vez… emboscados numa zona abaixo da Chamarra, dormindo e acordando à vez, como vocês sabem, a tropa esperava apenas que clareasse para voltar à Aldeia Formosa com a missão cumprida, cantando por dentro, vivinhos da silva, mais uma sem problemas.

Eu dormia e acordava em intermitência, julgando que o Sol se esquecera de subir.

A dada altura, o escuro da noite dera já num lusco-fusco que anunciava o astro, deitado na orla, dei as costas à zona de morte a inspeccionar o espaço meio-aberto atrás de nós.

Um macaquinho parara muito perto dos primos, hesitante, apalpando o terreno a ver no que davam os avanços curtos, pouco a pouco se chegando aos humanos distraídos, apenas eu, acho, a tentar adivinhar-lhe os objectivos.

Escolheu o vulto do Sargento X que jazia sob o poncho camuflado, vencido pelo sono de uma noite de alerta.

No lugar onde estaria a cabeça do Sargento, parou de novo, olhou, remirou o vulto ali à mão, e à volta sobre os outros vultos.

Quieto, eu, e maravilhado, seguro de que aquele macaco, pela idade pouca, ainda não tinha sido recrutado pelo PAIGC, esperava.

De repente decidiu-se. Vi-lhe nos olhos (ou imaginei que vi) o exacto momento da decisão. Rápido com um corisco, deitou a mão à dobra do poncho, tentando roubá-lo ao Sargento.

Em vão.

Primeiro… porque o poncho era mais pesado do pensara(?);

Segundo, porque Sargento assustado não é para macacadas, saltou, berrou, alertou a mata em redor, quebrando a quietude e o silêncio do sítio e da conveniência, ali, a bem dizer nas barbas do corredor.

E eu ria. Ria baixinho, quase para dentro, apenas. Queria parar e não podia, incapaz de atar a boca e a tensão que se desatava ali, na guerra do macaco e do Sargento.

Entretanto, junto uma (má) fotografia de um gatinho que cresceu nas matas de Mejo e que o caçador da foto agarrou na armadilha e “amansou” no mesmo dia.

A título de informação, informo que poucos dias depois foi o caçador caçado, literalmente cravejado de estilhaços (até na gaita, parafraseando o último texto do Branquinho) numa das flagelações ao lugar.

Não morreu e pouco tempo depois estava de novo em Mejo.

Abraços para todos


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3807: Fauna & flora (17): O macaco das Transmissões do Xime (Sousa de Castro)

2 comentários:

Luígi disse...

Bela estória, esta do macaco e o Sargento.E apreciei a prosa.
Abraço.

Anónimo disse...

Caro Zé Brás,
Desses gatinhos não vi! O macaco cão, pela parte da nossa C.CAÇ.
763, até nos foram uteis em algumas situações. Numa operação que fizemos com a 4ª. C.C. de Bedanda, na 763 ia incluida malta da 1484 do Benito Neves. Fomos fazer uma emboscada na estrada de Salancaur para Mejo junto ao cruzamento, foram verificadas pegadas cuja forma se identificavam com as patas de elefantes. Seria? Os nativos disseram que sim. Mas eu não percebia nada disso. Mas é questão que um dia ainda levantarei, para saber algo sobre o assunto.
Do tamanho não da tua Tabanca em Cumbijã mas do rio com o mesmo nome,

o velho abraço,

Mário Fitas