segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)

1. Mensagem de Mário Fitas(*), com data de 6 de Fevereiro de 2009:

Caros Luís, Carlos e Virgínio.

Satisfazendo o pedido do José Brás(**), repasso o seu e-mail com uma poesia profunda.

Vocês já repararam que a poesia na Tabanca Grande é Obra?

Já pensaram - ideia louca - de falar com esta malta toda da poesia, e editar “A Guerra na Guiné em Poesia?

Não sei!... deixem é loucura minha!


2. Mensagem de José Brás para Mário Fitas:

Mário
Não dá para acreditar!
Que se lixe!
Não é por isso que te envio este abraço em forma de e-mail.
É para te dizer que venhas.
Vem quando quiseres e... se quiseres ficar, há camas disponíveis e um espaço lindo.

Outra coisa.
Claro que me lembro do Branquinho. Voei com ele muitas vezes. Gosto (pelo que li) do que diz (escreve) e como diz.
Gostaria de entrar em contacto com ele
Se tiveres o seu contacto e achares que mo podes dar…

Um abraço... e um texto feito no Quebo para ti. Pertence a um maior escrito em Aldeia Formosa e que tem sido projecto aos baldões de afazeres e vontade, que teria um título ligado, de algum modo, à ideia de “missa agnóstica”.


Em Cutima
tabanca fula
no sul da Guiné
a vida simulava
o ritmo velho

o comerciante Fuad
comprava a mancarra
das lavras da aldeia
fazia o caminho de Bafatá
e vendi-a
no agente da CUF

no tempo vazio
vigiava a mulher
-libanesa ostensiva
de formas redondas
e mel nos olhos-

porém
a espingarda pendente
na parede da casa
do comerciante Fuad
não matava
nos olhos da libanesa Zuaida
nem a fundura da noite
nem a febre da esperança


Carlos Alberto
chefe-de-posto
continuava o registo
de pessoas
e bens
controlava os “gilas
de língua francesa
que vinham
da terra de Sekou Touré
contrabandear
rádios de pilhas
e informações do PAIGC

Carlos Alberto
sabia de mais
cobrava os impostos
encharcava de uisque
a febre e o medo
e quando
no calor do meio-dia
punha mais um filho
no ventre mulato
da mulata Mi-Zé
era mais uma mina
na estrada de Buba
mais uma rajada
de PPSH

na noite agitada
de batuque e luar
em Cutima-Fula
a “bajuda” Bina
contava as semanas
do prazo previsto
p’ra trocar o “cabaço
p´las vacas
do velho Adulai

porém…
no rufar do tambor
no ritmo da dança
o corpo bem feito
as coxas robustas
o peito empinado
os olhos
da “bajuda” Bina
sugeriam o sonho
de um destino diferente
trocada por vacas
entregar o cabaço
ao velho Adulai
não cabia no sonho
da bajuda Bina

nas redes suspensas
às portas das casas
e da árvore grande
no largo da aldeia
ou simplesmente
deitados na esteira
os homens grandes
mascavam a cola
de olhos fechados
teciam a rede da vida da terra
em palavras curtas
monossilábicas
contabilizavam
a “mancarra” colhida
em metros de pano
em sal
em petróleo
em sandálias novas
num “ronco” qualquer
que desse nas vistas
e lhes mantivesse
o prestígio
de velhos senhores de
cavalaria
o lucro certo
do comerciante Fuad

as máquinas
singer
dos alfaiates
na casa maior à entrada da aldeia
continuavam
o velho costume
de juntar o tecido ao destino da linha
mas nem tudo
o que dava
o labor das mãos-pretas
e o matraquear das máquinas
singer
era produto acabado
de linha e de pano

daquelas varandas
das mãos e dos olhos
das entranhas mais fundas
por estranhos caminhos
seguia o abraço
o grito de dor
a certeza
da vitória final

__________

Notas de CV:

(*) Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCaç 763, Cufar, 1965/66, autor das obras, "Pami Na Dondo a Guerrilheira" e "Putos, Gandulos e Guerra".

(**) José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do livro "Vindimas no Capim", que lhe valeu o Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

Vd.último poste da série de 31 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3688: Blogpoesia (29): Este ano não mandei cartões de boas festas a ninguém (Luís Graça)

4 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Mário;
Agora que já somos quatro, com passagem pela Guiné e pela EMPRESA, podemos fazer todas as apresentações.
A minha ligação ao Zé Brás foi muito reduzida, mas as "Vindimas no capim", a vereação em Loures, embora em tempos diferentes, e a Guiné (Aldeia Formosa), ligam-nos, o suficiente.
O Mário e o Alberto Branquinho, sim, fomos condóminos profissionais dezenas de anos.

Um grande abraço para todos.

(Manuel) Jesus Amaro.

Anónimo disse...

Caro
Manuel (JESUS AMARO)
Sejas bem vindo descamuflado!
Eu já andava desconfiado, mas como eram dois e só Manuel.Como se diz lá na Planicie "estou esperando p´ra ver". E o coelho saiu.
É verdade cá nos juntamos novamente, relembrando os velhos tempos (dificeis) daquela linda terra da Guiné.
Bem lá na EMPRESA eram aos "molhos".
Se malta da FAP aparece por aí, vais ter a Manutenção e o PN quase em peso, pois a maioria como nós, passaram por lá.
Então até poderiamos formar uma mini Tabanca, como a Malta de Matosinhos.
Mais que agradável é muito importante estar aqui fazendo História.

Até breve e um abraço do tamanho do Cumbijã

Mário Fitas

Anónimo disse...

Um abraço para todos.
O ex-condómino do Edifício 25
Alberto Branquinho
(que,apesar de não ser brasileiro, continua a ser "aviário" noutra casa)

Anónimo disse...

Alberto,
Fizeste-me dar uma grande gargalhada!
Só tu te poderias lembrar (não sendo brasileiro)dessa de "aviário".
Mas os condónimos do "25" até que faziam um condimínio interessante.
Vamos fazer uma forcinha e trazer mais malta para a Tabanca.

Do tamanho do mítico que também navegaste "Cumbijã" um abraço

Mário Fitas