sábado, 10 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2832: III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia (5): Novidades (J. Mexia Alves/C.Vinhal)

Imagem do Google, enviada pelo nosso camarada Álvaro Basto.

© 2008 Tele Atlas
Image © 2008 DigitalGlobe


Mapa com a localização da Quinta do Paúl, em Ortigosa, Monte Real, Concelho de Leiria.




O nosso anfitrião: Joaquim Mexia Alves

Caros Camaradas e amigos Tertulianos:

Últimas notícias do nosso III Encontro Nacional, a levar a efeito no dia 17 de Maio de 2008, no Restaurante Salon da Quinta do Paúl, em Ortigosa, Monte Real .


1. A lista dos inscritos (74) até ao momento é a seguinte:

Álvaro Basto e Fernanda (Matosinhos)
António Báia e Celeste (Lisboa)
António Batista (Matosinhos)
António Graça de Abreu (Cascais)
António José Pereira da Costa e Isabel (Mem Martins)
António Manuel Sucena Rodrigues e Rosa Maria (Oliveira do Bairro)
António Pimentel (Porto)
António Santos e Graciela (Loures)
António Silva e Albina (Matosinhos)
Artur Manuel Soares (Figueira da Foz)
Carlos Esteves Vinhal e Dina (Matosinhos)
Carlos Marques Santos e Teresa (Coimbra)
Carlos Santos (Coimbra)
Carlos Silva e Maria Germana (Lisboa)
David Guimarães e Lígia Maria (Espinho)
Delfim Rodrigues (Coimbra)
Fernando Calado (Lisboa)
Fernando Franco e Margarida (Lisboa)
Fernando Roque (Lisboa)
Francisco Varela (Lisboa)
Henrique Matos (Olhão)
Idálio Reis (Cantanhede)
Inácio Silva e Amélia (Almada)
Jaime Machado e Maria de Fátima (Matosinhos)
João Rocha (Matosinhos)
Joaquim Mexia Alves (Monte Real)
Jorge Cabral (Lisboa)
Jorge Picado (Ílhavo)
José Armando Almeida e Teresa (Albergaria-a-Velha)
José Casimiro Carvalho (Maia)
José do Nascimento Lázaro (Seia)
José Luís Vacas de Carvalho (Lisboa)
José Manuel Lopes e Luísa (Douro)
José Martins e Maria Manuela (Odivelas)
José Teixeira (Matosinhos)
José Zeferino (Loures)
Leopoldo Amado (Porto)
Luís Graça e Maria Alice (Lisboa)
Mário Beja Santos (Lisboa)
Mário Fitas e Maria Helena (Estoril)
Martins Julião (Vouzela)
Maurício Esparteiro (Almada)
Paulo Santiago e Teresa (Águeda)
Raúl Albino (Vila Nogueira de Azeitão)
Rui Alexandrino Ferreira (Viseu)
Silvério Lobo e Maria Deolinda (Matosinhos)
Vasco Ferreira e Margarida (V.N. de Gaia)
Victor Alves (Santarém)
Virgínio Briote e Maria Irene (Cascais)
Vitor Junqueira (Pombal)
Xico e Zélia Neno (V.N. de Gaia)

Já devem ter reparado que vamos ter connosco o nosso camarada António Batista. Para os menos avisados, trata-se no nosso camarada dado como morto na emboscada do Quirafo em 17 de Abril de 1972, que afinal tinha sido feito prisioneiro. Após a sua libertação pôde visitar e depositar um ramo de flores na sua própria campa.


2. Informamos a quem quiser pernoitar, que a Pensão Santa Rita está a praticar o preço especial de 42,50€ por quarto.


3. De novo apresentamos a ementa

Almoço

Entradas
Quarteto de Frutas Laminadas com Presunto
Espetadinha de Morcela e Chouriço
Pãezinhos Regionais/Manteiga
Broa/Azeitonas

Sopa

Carne
Assado de Novilho c/ puré de batatinhas, e Legumes

Sobremesas
Doces Tradicionais
Frutas Laminadas

Vinhos Regionais
Aguas/Refrigerantes

Café

Preço do almoço por pessoa 19,50€


Buffet/Lanche

Caldo verde
Bifanas no Pão
Franguinhos churrasco
Pataniscas de Bacalhau/Rissóis/Chamussas
Queijo/Fiambre/Presunto
Saladas Variadas
Doces de Colher
Frutas Naturais
Febras Churrasco
Lentriscas
Morcela Grelhada
Bebidas

Preço do lanche por pessoa 9,50€

Total final por pessoa 29,00€


4. Para os interessados, o nosso anfitrião, Joaquim Mexia Alves dá as informações necessárias para que possamos todos chegar a tempo e horas, sem nos perdermos.

Aqueles que morarem perto poderão associar-se e fazer a chamada vaquinha, ficando assim mais em conta a despesa de deslocação e ao mesmo tempo preserva-se o ambiente um pouco mais.

Itinerários para o Restaurante Salon / Quinta do Paúl
Para quem vem do Norte

Vir pela A1 e sair em Pombal;
Nessa saída apanhar o IC8 na direcção Louriçal/Figueira da Foz;
Ao fim de mais ou menos 10/12 Kms, apanhar a A17 na direcção para Leiria;
Sair na saída de Monte Real;
Na rotunda logo na saída, tem três direcções possíveis:
À direita: Monte Redondo/ Figueira da Foz
Em frente: Monte Real
À esquerda: Leiria
Tomar a direcção de Leiria, que é a EN109.
Mais ou menos a 2/3 Kms, sempre nessa estrada, entre uma curva e contra curva, aparece do lado esquerdo o Restaurante Salon/Quinta do Paul, com um grande parque de estacionamento.
É aí! Já chegaste!

Para quem vem do Sul

2 hipóteses

1 – Pela A1

Saída em Leiria e apanhar a EN109 na direcção Monte Real/Figueira da Foz. Está bem sinalizado com indicações de Monte Real e Figueira da Foz. Passados 12/13 Kms, no final da povoação da Ortigosa, entre uma curva e contra curva, aparece do lado direito o Restaurante Salon/Quinta do Paul, com um grande parque de estacionamento. É aí! Já chegaste!

2 – Pela A8

Depois de passar pela saída da Marinha Grande/Zona Industrial, e sempre na A8, aparece em continuidade a A17 direcção Figueira da Foz. Seguir pela A17 e sair na saída de Monte Real.
Na rotunda logo na saída, tem três direcções possíveis:

À direita: Monte Redondo/ Figueira da Foz
Em frente: Monte Real
À esquerda: Leiria
Tomar a direcção de Leiria, que é a EN109.

Mais ou menos a 2/3 Kms, sempre nessa estrada, entre uma curva e contra curva, aparece do lado esquerdo o Restaurante Salon/Quinta do Paul, com um grande parque de estacionamento.
É aí! Já chegaste!

Para quem vem do Centro e outras direcções

Com estes itinerários acima e respectivas referências ninguém se pode enganar. De qualquer modo o meu telemóvel é 962108509 e assim podem ligar e eu tratarei de vos encaminhar.

5. Não se esqueçam que continua activa a operação Todos em Força Para Monte Real.

6. Hoje mesmo começam a ser enviados os crachás aos participantes já inscritos.

A comissão organizadora: Joaquim Mexia Alves / Carlos Vinhal
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Nota dos editores:

Vd. último poste de 1 de Maio de 2008 Guiné 63/74 - P2805: III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia (4): Novidades (J.Mexia Alves/C.Vinhal)

Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa > Álbum fotográfico > "Indígenas da Guiné" > O régulo Mamadu Sissé fotografado por Domingos Alvão.

Mamadu Sissé era um prestigiado combatente e aliou-se ao Governador Oliveira Muzanty, em 1907 e 1908, contra Infali Soncó e Bonco Sanhá. A sua neta emprestou livros a D. Violete, a professora de Bambadinca, que me foram muito úteis. Mamadu Sissé esteve no Porto, em 1934, durante a 1ª Exposição Colonial Portuguesa, foi fotografado por um dos nossos maiores fotógrafos do tempo, Domingos Alvão.Encontrei esta preciosidade no álbum fotográfico, publicado nesse ano de 1934, nas minhas leituras na Sociedade de Geografia de Lisboa.



Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 19 e 20 de Fevereiro de 2008:

Luís, acredita que foi um pesadelo escrever este episódio. Belel ficou juncada de cadáveres e todos nós juncados de sofrimento. Um sofrimento que eu parcialmente não vivi, tu estiveste lá até ao fim, eu limitei-me a assaltar Belel e a destruí-la com grandes soldados. Por favor, pensa em ilustrações que envolvam o Geba, Missirá, Fá, Enxalé ou o Xime, não me ocorre dar-te mais nenhuma sugestão. Espero entregar-te na próxima semana os episódios n.º 32 e 33. Um abraço do Mário.

Luís, reenvio-te o texto, estava cheio de besteiras. Bem gostava de ter a tua opinião, tu estiveste lá do princípio ao fim (*). Foi a mais sangrenta de todas as nossas operações. Ao que parece, Napoleão Bonaparte gostava de generais que soubessem fazer a guerra mas que tivessem sorte. Naquele dia tivémos muita sorte, entrámos em Belel com toda a gente a fazer a sesta. Por favor, escolhe as ilustrações possíveis. Um grande abraço do Mário.


Operação Macaréu à vista - Parte II > Episódio XXXI:UM BANHO DE SANGUE NO CORREDOR DO OIO
por Beja Santos

(i) Uma conversa com o major Sampaio e uma grave distracção minha


Na manhã de 28 de Março reuniram-se no gabinete do major Sampaio os diferentes intervenientes da operação Tigre Vadio: uma companhia de Bafatá que se fazia representar por dois grupos de combate, a CCaç 12, os Pel Caç Nat 52 e 54 e duas esquadras de morteiro do Pel Mort 2106, de Bambadinca. O major Sampaio referiu os objectivos que eram, muito concretamente, os de bater a região ocidental do Cuor e procurar destruir as acampamentos de Madina e Belel.

As informações disponíveis referiam a existência no local de um bigrupo razoavelmente equipado, repartido na protecção das populações em Madina, Quebá Jilã, Belel e até em Banir, já no Oio. Toda esta área não só tinha terrenos cultivados como havia notícia de servir de ponte de passagem de material de guerra e guerrilheiros do Norte para o Sul da província. Os diferentes RVIS asseguravam a existência de vias de comunicação já mal dissimuladas pela vegetação densa. Era um importante corredor, como recentemente confirmara uma operação de pára-quedistas que incendiara um conjunto de barracas na região de Madina, onde encontraram sinais eloquentes de vida organizada, em todas as direcções. Não era só no Oio que o PAIGC estava bem armado e detentor de território.

Depois do desaire da [Op] Anda cá, em Fevereiro de 1969, propunha o comando de Bambadinca que a operação fosse constituída por dois destacamentos, partiriam ambos de Missirá, perto de Quebá Jilã dar-se-ia a bifurcação, seguindo um destacamento para Belel e outro para Madina, respectivamente apoiados por esquadras de morteiro 81, através do apoio aéreo tentar-se-ia manter os destacamentos em sintonia de modo a que, após se terem alcançado e destruído os objectivos regressassem via Enxalé, e depois Xime, apoiando-se mutuamente. Eu a tudo assistia e ouvia, contente, vendo o morteiro 81 entrar naturalmente na organização da operação. Tendo vivido todas as decepções e desaires da Anda cá, no período de perguntas e respostas perguntei se não era possível fazer-se a cambança do Geba perto de Fá, para, a partir de Gã Gémeos ou de Gã Joaquim, se chegar a Missirá sem ter a tropa exausta, e apelando para o ensinamento de que trezentos homens não deveriam, em circunstância alguma, em território batido pelo inimigo, andar num só destacamento, com todos os riscos inerentes a ser flagelado dentro da floresta galeria.

O major Sampaio garantiu que os dois destacamentos se iriam autonomizar e que os dois objectivos eram para ser cumpridos, fosse como fosse. Discutimos equipamento de transmissões, armas, munições e carregadores. E quando falo de carregadores refiro expressamente ser humanos para nos ajudar no transporte de morteiros 81 e suas munições. Esvaiu-se-me da memória, esqueci completamente de mencionar os carregadores para jerricãs de água, naquele calor infernal dois cantis de água eram manifestamente insuficientes. Mais ninguém se lembrou deste pormenor.

A factura foi apresentada em 31 de Março, depois do inferno de Belel. Cada vez que me vem à memória este episódio sinto os lábios ressequidos e vejo um helicóptero com os vidros estilhaçados, recordo uma lala com o piloto aviador a mandar-me sair com jerricãs de água que trouxéramos entretanto de Bambadinca. E vibro com sofrimento que provocámos naqueles que não puderam beber aquela água que eu acabei por levar para o Xime. Enfim, uma distracção que agravou o sofrimento daqueles trezentos homens que já levavam o corpo moído, tensos e à espera da mais imprevisível das emboscadas.

(ii) Os preparativos, de Bambadinca para Fá, daqui para Missirá

Ao princípio da tarde do dia 30 de Março, uma coluna de GMC e Unimog recolhe em Bambadinca as forças da CCaç 12, o Pel Caç Nat 52 e as esquadras de morteiro. As tropas africanas informam as famílias e as populações locais que vão para Bafatá, irão combater algures no Leste, talvez em Geba. Uma força da CCS vai para Finete, a milícia daqui parte para Missirá, ficando esta também reforçada com gente de Fá. Na estrada para Bafatá viramos na Bantajã Assá e daqui seguimos para Fá, onde já chegaram, os grupos de combate de Bafatá. Os soldados estão desorientados com a geografia da operação, ninguém se lembra que há um sintex que pode cambar abaixo de Mero e daqui para Gã Joaquim.

A cambança processa-se sem grandes percalços. Anoitece quando o último pelotão entra em Missirá. Propositadamente, somos nós. O acolhimento é ruidoso, consigo disfarçar a emoção, entro em Missirá como se estivesse em Taibatá, Samba Juli ou Madina Bonco. Mas os Soncó e os Mané são gente inconfundível, vêm açodados partir mantenha, trazem papaia e água fresca, Malã e Lânsana disputam a minha companhia. Evito falar das obras e melhoramentos, concentro-me em perguntas acerca dos ausentes e das crianças. E peço para descansar, deito-me em cima de uma manta até às dez da noite, na morança do Príncipe Samba. Levanto-me com energia redobrada, olho para o céu estrelado e para a prata fulgente da lua e é então que pressinto que vamos viver uma operação inesquecível.

Desta vez precavi-me, desde que entrei em Missirá não paro de falar com Cibo Indjai, um verdadeiro conhecedor da região, proponho que ele e Queta Baldé sigam na frente, depois os bazuqueiros Abdulai Djaló e Mamadu Djau, eu e Cherno, logo a seguir Sadjo Seidi e Tunca Sanhá, dois exímios apontadores de dilagrama. Claro está, não vamos prescindir de Quebá Soncó, o guia de Missirá, mas confio que Cibo nos indique o mais rapidamente possível o caminho mais curto para Belel. Ficara combinado, quando bifurcássemos, seria a separação do nosso destacamento com a tropa de Bafatá para Belel e a CCaç 12 seguiria com o Pel Caç Nat 54 para Madina. Na separação dos destacamentos, Cibo viria connosco e Queta Baldé e Quebá Soncó iriam na vanguarda do outro destacamento para o Sul. Mas não aconteceu nada disso.


(iii) O que se diz na sala de operações não se escreve no terreno


À hora aprazada, muito antes da meia noite excepcionalmente quente, abandonamos Missirá, temos a vida aparentemente facilitada pelo luar, está uma noite quente, Queta Baldé na dianteira leva-nos de Cancumba para Paté Gide. Aqui surgem as primeiras dificuldades, a velha tabanca foi tomada pela natureza, mesmos os trilhos que existiam para Salá desapareceram na alta e insondável vegetação. Mas não perdemos mais tempo, guiados pelo instinto os nosso picadores levaram-nos até Sancorlá e daqui os guias orientaram-se até Salá.

É uma marcha bastante silenciosa, sob um calor atabafante, é madrugada e o suor oleoso escorre pelo corpo, cola-se à farda, a coluna progride a bom ritmo, os alvores do dia surpreendem-nos já em Salá e daqui inflectimos para Quebá Jilã. Vamos prudentes, foi aqui que em 4 de Fevereiro do ano passado capturámos Aruma Sambu. Mas não há trilhos à vista, tudo parece mato virgem. É neste impasse que Cibo, imprevistamente, me manda chamar: os seus olhos sempre ágeis, indicam-me que há ali um trilho, está bem sulcado mas a natureza é acidentada à volta, impossível formar duas colunas.

Faz-se um auto, peço aos dois capitães que me dêem instruções. São coincidentes: vamos para o Sul até se perceber se entrámos, ou não, no corredor do Oio, compete ao PCV dar-nos indicações mais precisas. O calor é imenso, inabitual àquela hora, progredimos cautelosamente quando surge uma nova contrariedade: em frente a Madina arde o capim seco, é uma extensa cortina de fumo, não há possibilidade alguma de perceber onde se acantona o inimigo ou, até, se estamos referenciados. O que fora ditado na sala de operações é contraditado por aquele fogo imenso.

Nisto, recebemos ordem do avião para contornar a queimada, os destacamentos devem continuar juntos é melhor seguir na direcção Sul-Norte, os destacamentos devem progredir em direcção a Belel, há trilhos um pouco mais adiante à nossa frente, assegura com firmeza o PCV. E, de facto, apareceu um caminho largo, uma picada cheia de marcas de presença humana, até o sulco do rodado de bicicletas era perceptível. Depois, voltámos a marchar dentro de uma floresta densa, um copado frondoso que nos protegia da fornalha do sol. As horas passam. Uma força descomunal toma conta de mim, na minha cabeça posiciono o Pel Caç Nat 52 em posição de ataque. Ponho-me ao lado de Cibo e vou fazendo perguntas.
- Sim, alfero, estamos muito perto de Belel, vim aqui muitas vezes, são mais três voltas de caminho e estamos lá, na velha tabanca.

Tomo providências: o Queirós que prepare o morteiro 81, a companhia de Bafatá logo que haja fogo que disperse para a direita, onde tem visibilidade sobre o outro lado da mata, podendo ripostar fogo e desorganizar a reacção do inimigo; se detectarmos o acampamento, nada de contemplações, há que espalhar o terror com as bazucas e com o fogo dos dilagramas, a seguir entramos em Belel e começará o ataque quando o acampamento estiver destruído. Ordeno ao Cascalheira e ao Ocante que vão atrás falar com os dois capitães e com o alferes de Missirá. A CCaç 12 e o Pel Caç Nat 54 que não se precipitem a foguear, esperem que entremos em Belel. São quase duas da tarde, é como se estivéssemos numa frigideira.

(iv) O ataque e a destruição de Belel


Os moradores de Belel estavam a dormir mas um sentinela disparou o seu RPG2 a escassos dez metros da nossa entrada na clareira, sendo imediatamente abatido. Os meus bravos soldados desencadeiam um ataque fulminante, atordoador, ribombam os estoiros das bazucas e dos dilagramas, abrimos em leque e metralhamos as casas e os seus habitantes. Ouvem-se imprecações de desespero, o morteiro 81 com o hábil Queirós vomita a morte sobre uma força em fuga, tudo me parece estranho, retiram sem armas e não são propriamente população civil.

Grito até enrouquecer, Belel está a arder, continuamos a abrir e a cercar, bate-se a mata, continuo a gritar por mais fogo, não quero que o inimigo se concentre, percorro Belel com todas as suas casas de mato a arder, os cadáveres espalhados com os olhos ainda surpresos, os gritos de dor confundem-se com a gritaria da caçada humana. Mamadu Djau puxa-me pelo braço e mostra-me armas carbonizadas, é melhor não entrar nas barracas não se sabe se não há lá granadas. Alfaias agrícolas, pilões, peças de roupa, bicicletas destruídas, juncam o chão do revolto campo de batalha.

Continuo aos gritos e chamo o sargento Cascalheira e ordeno-lhe que transmita aos capitães que vamos continuar numa pequena perseguição, despejando fogo sobre a mata, aguardo instruções para a retirada. Na fumarada de Belel que se extingue, pergunto se temos feridos. Bem à vista está Sadjo Seidi com feridas no peito e um braço estilhaçado até à mão. Não me parece grave, mas há que ponderar a sua evacuação. Os dois capitães mandam informar que propõem a retirada, é temerário continuar no corredor do Oio onde ignoramos tudo. E prontamente Cibo Indjai investe num corta-mato com passo estugado, caminhamos para Oeste, flanqueamos Quebá Jilã procuramos passar ao largo de Madina.

Momentos depois, começava o nosso calvário: afinal, há mais um ferido, trata-se de um soldado da CCaç 12, depois ouvem-se gritos de gente em debandada por causa de um enxame de abelhas, comunicam-me que os carregadores largaram as munições, faz-se um auto já em atmosfera caótica, proponho que se procure ligar o rádio e pedir a evacuação dos feridos, os capitães estão de acordo.

Enquanto isto se passa vejo como a falta de água está a fazer os seus estragos, a dizimar todas as energias. Animo o Teixeira a pôr o Racal a funcionar, vamos ter imediatamente sorte, prometem-nos uma evacuação em breve. Dá tempo para avaliar o estado de ansiedade e as ameaças de desidratação daquele enorme contingente que marcha numa desorganizada coluna. E peço licença para aproveitar a vinda do helicóptero e ir buscar garrafões de água a Bambadinca, onde ficaram os feridos. Os capitães concordam de novo e peço ao Teixeira para informar Bambadinca que ponha rapidamente na pista o maior número possível de garrafões.

Chega e desce o helicóptero numa clareira onde puséramos telas , salta o Vidal Saraiva que fica em terra enquanto eu subo com os dois feridos. A máquina ganha balanço para subir quando uma rajada despedaça alguns vidros, o piloto grita que nos seguremos bem, o zunido dos motores tomam conta dos sentidos, o helicóptero parece um animal ferido que caminha de lado e pela primeira vez na minha vida vejo a mata, a extensíssima floresta que une o Cuor ao Enxalé, a escassos metros, de cima para baixo, é nesta posição que passamos ao lado do Xime, lá dentro balouçamos com a ventania quente que se infiltra, o animal ferido só se endireita para aterrarmos em Bambadinca.

(v) Desencontros do helicóptero com o Teixeira das transmissões


Os garrafões estão a chegar à pista, como está a chegar um jeep com Jovelino Corte Real. Sai colérico com esta ideia de se interromper uma operação para vir buscar água, nem cuidou de olhar para os feridos que estão a ser transportados para a enfermaria. Cedo ao cansaço e às emoções, e pela primeira e última vez elevo a voz ao comandante de Bambadinca:
-Se quer ver os resultados, suba comigo e venha até Belel. Tem lá os caminhos cheios de sangue, ninguém nos esperava, foi uma mortandade. A tropa está cheia de sede, todos nós nos esquecemos de levar jerricans de água. Não interfira nesta operação, é um momento doloroso, temos mais de dez quilómetros até chegar à estrada e pedir auxílio ao Enxalé. Não aceito nenhuma das suas críticas, se quer ver como é que estão os seus homens, venha comigo.

Dou comigo aturdido por esta estridência verbal. Felizmente, Jovelino Corte Real responde:
- Ainda bem que está a ser uma boa operação. Não se perca no caminho, felicidades para a última etapa.

O piloto explica-me que só aquele motivo de força maior justifica que ele vá com os vidros estilhaçados deixar-me algures, na mata, com os garrafões, qualquer coisa como vinte a trinta. E lá regressámos ao Cuor, num ângulo estranhíssimo, vejo tudo inclinado, os Nhabijões, o Geba lamacento, o planalto de Mato de Cão, depois a floresta galeria do Cuor, não sei se perto de Madina, se perto de Belel o piloto desce, pousa numa lala e diz-me:
- Desça e tire os garrafões, depressa!

Com o ânimo já serenado, perguntei-lhe:
-Você quer que eu fique aqui com os garrafões à espera de quem? Até agora ninguém respondeu à sua mensagem, você escolhe um sítio ao caso e não se interroga que isto não é um filme de aventuras?

Olhando-me furibundo, respondeu-me:
- Não tenho culpa do rádio avariado, vou largá-lo no Xime, aí procurem contactar a gente da operação, eu tenho que partir para Bissau para reparar o helicóptero.

E minutos depois aterrámos no Xime, puxei por vinte a trinta garrafões para o solo, angustiado por ter bebido água e ter água para trezentos homens com quem não se podia comunicar.

Conversei com o Queta Baldé há dias, antes de escrever sobre a Tigre Vadio, pedi-lhe o relato das suas impressões, sobretudo a retirada quase apocalíptica com gente que parecia em delírio, a beber água das poças, a gritar por água. Ele rememorou a coluna interminável, a descoberta completamente imprevista da picada para Belel, a sorte que tínhamos tido em termos chegado ao acampamento pelas duas da tarde, o ataque brutal dos bazuqueiros e o fogo dos morteiros, o comportamento heróico de Mamadu Camará e de Serifo Candé metralhando e afugentando os resistentes em Belel.

Erguendo as suas mãos que falam e documentam a narrativa, Queta explica-se como se tivesse transformado num livro aberto:
- Nosso alfero, tivemos sorte demais, nem nos Comandos voltei a ter tanta sorte como naquele dia em Belel, eles estavam a fazer a sesta quando nós irrompemos e destruímos tudo, em fúria, não era possível responder-nos. Naquele dia entrámos pela primeira vez no corredor do Oio como vencedores. Foi um grande sofrimento a retirada, mas foi preferível chegarmos doentes e sem mais feridos graves a ter continuado no trilho para Madina e sermos continuamente emboscados. Cibo Indjai escolheu bem o caminho da retirada. Mas esta foi muito dura, tínhamos gente picada pelas abelhas, gente que gritava e chorava a pedir água, felizmente que o Cibo agiu sem hesitação, escolheu o corta mato que desnorteou o grupo de Madina, caminhámos sempre até ao anoitecer, íamos procurando animar-nos uns aos outros, ficámos perto do Enxalé, onde só entrámos já com a luz do dia. Depois de bebermos e comermos, a gente do Enxalé levou-nos até ao Geba e daqui atravessámos até ao Xime. Pensei muito naquela operação, a canseira e os muitos mortos. Só à minha conta contei quinze. Há heróis a combater e há heróis que ajudam os combatentes. É pena que na guerra se esqueça o trabalho dos maqueiros a consolar e a tratar os feridos.

Ao amanhecer, no Xime, assisto à chegada das tropas em esgotamento físico e psicológico. É um espectáculo patético, aguento tudo a pé firme, eu também me reprovo. A todos peço desculpa por não lhes ter levado a água prometida. Foi um final duríssimo da operação, não me consolaram os resultados da Tigre Vadio, naquela noite no Xime, rodeado de vinte a trinta garrafões de água, senti profundamente o descaso de um helicóptero desnorteado e de um rádio que não funcionava. Voltava a aprender que a falta de comunicação, mesmo por milímetros, priva os homens de terem acesso à água que nos mantém vivos. Quando nos comunicam a mensagem do comandante chefe a congratular-se com os resultados da operação, ninguém levantou a cabeça, todos teriam preferido água a tempo e horas. No meio daquela balbúrdia, descorei o comportamento dos meus bravos soldados. Foram eles que destruíram Belel.

Vamos parar um dia, a seguir partimos para a ponte de Udunduma. A 9, regressaremos ao Xime para bater novamente a foz do Corubal e a Ponta do Inglês. Será a Pavão Real. De permeio, andaremos pelo Cossé e por Badora. Eu escrevo para várias latitudes a falar do meu casamento, aprazado para 16, pelas seis e meia da tarde, na Catedral de Bissau. Com os pés em chaga, leio, devoro livros, oiço Beethoven, as suas sonatas para piano interpretadas pelo genial Willhem Kempff. É uma sensação de euforia, ir rever a mulher amada. Medito no sofrimento que foi a Tigre Vadio.

Irei aprender também que a fronteira entre a paz e a guerra, a fronteira entre a acalmia e a inquietação, é difusa e também pode fazer sofrer. Como irei procurar explicar. Em Bissau irei viver as doçuras do reencontro. Mas sabia que eu estava transformado num tigre vadio, tinha os meus homens a combater, não muito longe.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 5 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2810: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (30): O Xime, sem ferro mas com fogo...


(2) Vd. postes de:

29 de Junho de 2006 >Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)

(*) Em tempos escrevi e reescrevi a minha versão, pessoalíssma, dolorosa, como a tua. Na linguagem que me é mais confortável, com aquela liberdade que é permitida aos poetas e aos aprendizes de poeta. Permite-me, Mário, pela tua parte, que, usando (e abusando) do teu tempo de antena, e à pala do tua soberba evocação da Op Tigre Vadio, venha colar, no rodadapé do teu poste, este meu tosco relim.

Vd. poste de 1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio) (Luís Graça)

1. Extractos de : História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 145-146.

Op Tigre Vadio

Iniciada em 30 [de Março de 1970], às 7h00, com a duração de 2 dias, para fazer um patrulhamento conjugado com emboscadas e batida na região do Cuor/Madina.

Tomaram parte na operação os seguintes destacamentos:

Dest A: CCAÇ 2636 a 2 Gr Com, reforçada pelo Pel Caç Nat 52

Dest B: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb

Dest C: Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106

Relim:

Op Tigre Vadio terminou 1 [de Abril], 13h00. Regresso quartéis terminado 1, 16h30. Aproximação dificultada partir 31, 8h00 queimada linear feita IN. 31, 14h00, detectado acampamento região Belel (Mambonco 7I4-97) oito moranças com colmo sete adobo.

IN reagiu PPSH e RGPG-2 cerca de 2 minutos, sofrendo 15 (quinze) mortos confirmados, vestígios sangue 10 (dez) feridos graves. Verificado após incêndio acampamento 6 PPSH queimadas.

Destruídos meios vida. NT sofreram 2 feridos ligeiros. Batida Mort 81 mata (Mambonco 8H5- 17) ouvidos muitos gritos de dor. Fuga IN direcção (Mambonco 8G6 -32).

31 [de Março], 17h00 encontrada cadeira vigia e 2 granadas RPG-2 (Bambadinca 1A8-95). Gr[upo] IN estimado 6/8 elementos emboscou NT 2 LGFog, RPG-2 e PPSH cerca de 5 minutos.

IN fugiu reacção NT impossibilitadas perseguição virtude forte ataque abelhas causou diminuição física bastantes elementos. NT tiveram 1 ferido ligeiro e 1 ferido grave, 1 doente grave esgotamento.


Transcrição MSG 1404/C Com-Chefe (Oper): COMCHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO.


2. Comentário de L.G.:



Relim não é poema

Participei nesta operação,
a Operação Tigre Vadio,
que era pressuposto durar dois dias.
Um passeio a Madina/Belel.
Um patrulhamento ofensivo,
a travessia de um rio,
uma excursão a um santuário da guerrilha,
uma visita de cortesia,
aos homens do mato,
ali tão perto,
para retribuição de outras visitas de cortesia
que eles nos faziam,
aos destacamentos de Missirá e de Finete,
e à navegação do Geba Estreito.
Em boa verdade,
só te faltou o autocarro autopulman,
com ar condicionado
e bar aberto.

Éramos só tropa-macaca,
como convinha,
sempre era mais barato:
pretos de primeira da CCAÇ 12
e do Pel Caç Nat 52,
mais alguns brancos de segunda,
os açorianos
da vinte e seis trinta e seis.
Levámos dois cantis de água por cada G-3 (...).

O que é que um gajo pensa,
aos vinte três anos,
de Missirá a Salá
e daqui a Sancorlá,
em bicha de pirilau,
de noite,
escuro como breu,
a alma tensa,
o corpo lasso,
o capim mais alto
que as searas de trigo da tua terra,
a fustigar-te as trombas ?
Um gajo não pensa nada,
não tem tesão
para pensar,
apenas para sobreviver
a mais um operação...

Era pressuposto haver um reabastecimento
no dia seguinte,
como manda o mais elementar bom senso
e a experiência operacional do passado
(vd. Op Lança Afiada
em que um cada seis foi evacuafdo).

Caminhámos toda noite.
Penosamente.
Era pressuposto a guerra parar
às dez horas da manhã.
Às dez em ponto.
Porque o clima é quem mais ordena,
e não o relógio do comandante.
Cortaram-nos as voltas.
Os tipos do PAIGC
(não me apetece dizer IN)
cercaram-nos pelo fogo.
E quanto a Deus
e às abelhas selvagens da Guiné,
a gente nunca sabia exactamente
de que lado estavam.

Temerariamente,
decidimos brincar ao gato e ao rato.
catorze horas, no píncaro do dia,
com uma temperatura brutal
e os cantis vazios...
Havia ali uma dúzia de casas
de colmo e de adobe,
mesmo a jeito ou por azar,
para a gente despejar
as nossas granadas de bazuca
e de morteiro oitenta e um.

Nós, quem ?
O major da Dornier, do PCV,
a quem as casas estragavam a vista
nos seus passeios matinais
pelo corredor do Oio.
Ainda não havia os Strellas,
a temível arma dos arsenais
do inimido,
que haveriam de pôr o homem
borrado de medo
e definitivamente em terra.

Alguém puxou dos galões
e decidiu fazer um golpe de mão.
Ou melhor: mandar fazer,
que eu nunca vi nenhum cão grande,
de capitão para cima,
andar cá em baixo,
com a tropa-macaca,
com a puta da canhota nas mãos.

A escassas semanas de acabar a comissão.
P'ra ficar bem na fotografia.
E para pôr no curriculum vitae
e impressionar o Caco...
Um senhor major qualquer
do BCAÇ 2852,
que gostava de andar de Dornier
e que queria chegar a tenenente-coronel.
Um herói de opereta.

Quem ?
Quem é que manda nesta merda,
quem comanda esta tropa-macaca ?
É uma imensa cobra
que se desloca nas terras do Infali Soncó,
espantando os bichos e os irãs,
destruindo tudo à sua passagem.
Não se lhe vê nem o rabo
nem a cabeça.

Entretanto, já alguém,
o Beja Santos,
o nosso Tigre de Missirá,
tinha ido buscar, de heli,
o reabasteciemnto de água
a Bambadinca.
Não voltou.
Alguém dos nossos (?!) terá,
intencional ou inadvertidamente,
disparado uma rajada que atingiu o heli
(soube isto agora,
pelo relato dramático do Beja Santos).
O heli foi para Bissau, para a oficina,
e o Beja Santos ficou retido no Xime.

A verdade é esta:
O PCV falhou, o heli falhou.
O cadeia de comando quebrou-se.
Ou porventura alguém quis matar
o Tigre de Missirá.
O ataque de abelhas fez o resto,
enquanto o cabrão do comandante do PCV
foi bater a sesta em Bambadinca.

No regresso ao Enxalé,
sofremos brutalmente.
Eu sofri,
que a dor não para dá
para partilhar.
Sofri brutalmente a desidratação,
o esgotamento físico.
A insolação.
O absurdo.
A desumanidade.
Tive miragens.
Bebi o próprio mijo,
esgotado o soro.
Mastiguei as ervas do orvalho,
esgotada a água.
Desesperei,
perdida a esperança.
Bebi sofregamente a água choca dos charcos.
Amparei os mais desgraçados do que eu.
Transportei os nossos feridos.
Consolei os mais desesperados.
Fiz as minhas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus.
Não deu nenhum tiro de misericórdia
porque nunca dei nenhum tiro em combate.
Mesmo cristãmente,
odiei o PCV,
Bambadinca,
as fardas, os galões,
a tropa, a guerra,
Herr Spnínola,
a Guiné.

Um homem,
mesmo o cristão que eu não sou,
tem que odiar
para sobreviver.

Amigos e camaradas,
depois de tantos anos,
releio o relim
e há qualquer coisa que mexe em mim.
O relim não é um poema.
Um poema épico ou dramático.
É sim, tão apenas,
Um esquema telegráfico
da guerra
para os senhores que estão em terra.

O relim faz economia
dos quilos de merda
que destilaste,
que destilámos.
Das miríades de abelhas kamikazes
que arrancastes do cachaço.
Dos gritos de dor
que ecoaram pelas matas de Madina/Belel.
Dos teus gritos
e dos gritos dos desgraçados elementos pop
que morreram à hora da sua sesta.
Das paredes do estômago
coladas uma à outra pela fome, a sede.
A lassidão do corpo, a tensão da alma,
sem um colchão
para te estirares,
sem um ombro amigo
para morderes de raiva.

Não, nunca mais irei esquecer Madina/Belel.
Eu e mais 250 homens combatentes
(oito grupos de combate),
fora um número indeterminado de civis, nativos,
contratados ou arrebanhados
como carregadores
(para transporte à cabeça,
como no tempo do Teixeira Pinto,
de granadas de morteiro,
de bazuca,
de jericãs de água, etc.).
E que largaram tudo,
ao primeiro ataque
do exército das abelhas do Cuor,
quiçá treinadas na China.

Ah, esqueci-me de mencionar o médico
da CCS do BCAÇ 2852,
o Alferes Miliciano Médico
Saraiva (tinha esquecido o nome),
que o Beja Santos
deve ter conseguido aliciar
à última hora,
face aos casos graves de desidratação,
insolação,
intoxicação...
O pobre do doutor
(ninguém tratava ninguém por doutor
lá no cu do mundo,
longe do Vietname)
ficou em terra,
perdeu a boleia do heli
e conheceu o inferno do Cuor.

Meus senhores,
o Relim não é um poema,
é um exercício de economia,
um tratado
de estética,
um compêndio de gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de King
na messe dos oficiais de Bambadinca.

Que nos valha, ao menos, o RDM,
o Regulamento de Disciplina Militar,
é mais grosso,
tem mais papel,
é coisa que se vê
e que em último caso serve
para limpar... o cu.

Fonte:

Extractos do Diário de um Tuga.
Abril de 1970 / Julho de 2006

Guiné 63/74 - P2830: Aqueles que nem no caixão regressaram (4): O Açoriano, da CCAÇ 1439, desintegrado por uma mina (Henrique Matos)


Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldad Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. NO regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do Fur Mil Op Esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por fa

Foto: ©
Henrique Matos (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão (1):

Caro Luís:

Respondo ao teu mail para dizer que enquanto estive com o [Pel Caç Nat] 52 não se registaram baixas e não me recordo de qualquer funeral de militares tanto no Enxalé como em Porto Gole. O mesmo não se pode dizer da CCaç 1439, companhia a que estava adstrito.

No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.

Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontraámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes (2). A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância.

E como é que isto aconteceu numa estrada (se é que àquilo se podia chamar estrada) que era sempre picada. Mato Cão era uma zona problemática porque havia ao lado da estrada uma pequena colina que era propícia a emboscadas. Por isso mesmo, e sobretudo quando não avistávamos macacos nas árvores (se houvesse macacos não havia gente), mandávamos umas morteiradas para as traseiras da colina ou avançava uma secção para fazer o reconhecimento.

Nesse dia coube à secção do Açoriano fazer o reconhecimento e este escondeu-se ao lado do pneu do Unimog que ia rodando lentamente. E foi nesse mesmo pneu que rebentou a mina que não fora detectada pelos picas.

Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão.

Mando uma fotografia da cratera que uma das minas deixou, e que não sei se terá algum interesse. As fotografias das viaturas desapareceram mas também não tinham nada de especial pois via-se apenas que tinham ido parar longe e tinham a chapa retorcida.

Grande abraço e até Monte Real
Henrique Matos

___________

Nota dos editores:

(1) Vd.postes do Henrique Matos:

14 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

6 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

11 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole

18 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé

23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2376: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Insularidade e solidariedade no Natal dos açorianos

31 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2392: Memórias dos Lugares (3): Porto Gole (Henrique Matos, Pel Caç Nat 52, 1966/68)

Vd. também poste de 22 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

(...) Em 10 de Agosto de 1966 (recordo-me por ter sido 4 dias após a inauguração da Ponte sobre o Tejo, então Salazar) embarquei para a Guiné no Rita Maria, na chamada rendição individual.
Depois Bolama, que foi o meu curto IAO, onde já me esperava o Pel Caç Nat 52, composto por pessoal metropolitano (Furriéis Milicianos Vaz, Altino e Monteiro e 1ºs Cabos Cunha, Castanheira e Pires) e o restante pessoal do recrutamento local englobando três 2ºs Cabos (um era caboverdiano, penso que se chamava Félix).



Passados alguns dias, saímos numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca (...).


(2) Vd. poste de 5 de Maio d 2008 >
Guiné 63/74 - P2811: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (3): De 1966 a 1967 (A. Marques Lopes)

Há pelo menos 4 militares da CCAÇ 1439, que morreram na Guiné e por lá ficaram enterrados (dois em Bambadinca e dois em Bissau, sendo três madeirenses e um açoriano):

(i) José Manuel Mendonça, Soldado, CCaç 1439, morto em 30.08.65, no Xime, por ferimentos em combate; era natural de Santa Maria Maior, Funchal; está sepultado o Cemitério de Bissau, Campa 1952, Guiné-Bissau;

(ii) Tolentino Gouveia, Soldado, CCaç1439, falecido em 30.08.65, em HM241, Bissau, na squência de ferimentos em combate, no Xime; era Santo António da Serra, Machico, Madeira; foi enterrado no Cemitério de Bissau, Campa 1926, Guiné-Bissau;

(iii) Juvenal Gonçalves, Soldado, CCaç 1439, morto em 28.02.66, em Bambadinca, por afogamento; era natural de São Vicente, Madeira; repousa no Cemitério de Bambadinca, Fila 1, Campa, 9, Guiné-Bissau;

(iv) Manuel Pacheco Pereira Junior, Soldado, da CCaç 1439, 06.10.66, morto na estrada Enxalé-Missirá, no sítio d Mato Cão, por ferimentos em combate; era natural de São Miguel, Açores; os restos mortais ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2829: Aqueles que nem no caixão regressaram (3): Os oito esquecidos de Guidaje (Albano Costa)

Guiné > Região do Caheu > Guidaje > CCAÇ 4150 (1973/74) > Picada Guidaje-Binta, no famigerado troço da Bolanha do Cufeu, de tão más memórias para as NT... Foi aqui que o Vitoriano, irmão da arqueóloga Conceição Maia, e os seus camaradas pára-quedistas morreram, na sequência de uma terrível emboscada do PAIGC. Mas não foi só a CCP 121/BCP 12 que conheceu o inferno da bolanha do Cufeu...

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada e amigo Albano Costa, Guifões, Matosinhos:

Caros Luís, Briote e Vinhal

Fiquei feliz comigo mesmo, por saber que finalmente foram buscar os "nossos" mortos sepultados no cemitério, improvisado, em Guidage, mas ficarei ainda mais se, para além dos três pára-quedistas, os outros cinco chegarem finalmente a casa. De facto, já que se fez a trasladação de Guidage para Bissau, porque não devolver todos os restos msortais aos respectivos familiares, se eles assim o desejarem ?

Gostaria de saber, se alguém souber responder!... Quem sabe, talvez os superiores dos militares que ficaram estes anos todos sepultados em Guidage, visto que no ano em que ocorreu as suas mortes, todas em Maio de 1973, já nessa altura, todos os militares portugueses, falecidos em campanha, eram todos devolvidos às suas famílias. Pergunto, porque não foram aqueles oito, visto que na altura foram mais os que lá morreram, uns foram entregues aos seus familiares cá em Portugal e aqueles oito não. Porquê?...

Eu, enquanto estive em Guidage, sempre ouvi falar que os nossos mortos, que lá estavam enterrados, só ficaram porque na altura do conflito havia falta de condições (urnas e transporte), para os trazer. E, como os corpos estavam a entrar em decomposição, tiveram de ser sepultados o mais rápido possível. Era pressuposto que, quando os mesmos estivessem limpos, se exumavam, e finalmente eram entregues aos seus familiares!...

Só que, passado um ano, deu-se o 25 de Abril, e aí a guerra acabou, toda a gente veio embora, e os "nossos" mortos acabaram por lá ficar esquecidos este tempo todo... Porquê ?

Será que alguém poderá informar, porque não teve este caso a atenção devida, mesmo depois do fim da guerra, para que no fim do tempo previsto os fossem lá buscar. Gostaria de saber, se alguém souber informar.

Sei que foi o Manuel Rebocho e a Conceição Maia, irmã de um dos pára-quedistas, o Vitoriano, que resolveram no assunto, para que os seus antigos superiores [ do BCP 12, Guiné, 1972/74,] e a Liga dos Combatente se pusessem a caminho, com vista a resolver este problema, diligências que ainda só vão a meio.

Albano Costa

Guiné 63/74 - P2828: Convívios (56): CCS/BCAV 2922, Piche, Buruntuma, Canquelifá (Helder Sousa)

Almoço/Convívio da CCS do BCAV 2922

Mensagem do Helder Sousa:

Caros Editor e Co-Editores

No passado dia 25 de Abril participei, pela primeira vez, num almoço/convívio da CCS do BCav 2922 que é, como já tinha referido em histórias anteriores, a "minha Unidade" de referência para os 6 meses que passei no "mato", na sede desse Batalhão, em Piche, que também tinha Companhias em Buruntuma e em Canquelifá, sendo que desta última temos, pelo menos, um representante no nosso blogue, o Francisco Palma.

Tendo passado tantos anos (mais exactamente 37) sem nunca mais ter estado com ninguém e tendo também como facto de apenas ter passado apenas 6 meses de convivência, a aproximação "visual" não foi fácil. Só com o passar do tempo se foi fazendo alguma luz na minha memória e na deles também, não deixando contudo de ter havido algumas situações caricatas.
Uma delas teve a ver com um amigo, o ex-Fur Mil Sapador José Sobreira, que se recordava de haver um "fulano" com quem tinha conversas "proibidas" e mesmo apesar de eu lhe dar todas as referências às questões que ia colocando só a muito custo é que se convenceu que "eu era eu" tendo então ficado "todo arrepiado" e apenas conseguido comentar "é pá, mas eras muito mais magro!" E quem não era?




Joaquim Andrade, ex-Furriel Mil Trms da CArt 3332



Também tive oportunidade de conversar com um ex-Fur. Mil. de Transmissões da CArt 3332, o Joaquim Andrade, que me fez relembrar uma situação que se passou por lá, relacionada com uma operação denominada "Mabecos", na qual essa CArt 3332 ficou muito debilitada. Esse acontecimento é um daqueles que ficou "obliterado" na minha memória mas que agora irá sair um dia destes.



Durante o almoço tomei conhecimento dum livro intitulado No Ocaso da Guerra cujo autor é Fernando Sousa Henriques que foi Alferes de Operações duma Companhia do BCaç que substituiu o BCav 2922 e no qual o autor faz a história da sua Unidade, passando por um conjunto de referências às Unidades que foi substituir e também ao "fim da guerra", já que a sua comissão foi a "liquidatária".


Já dei uma leitura "cruzada" pelo livro, que me parece muito interessante, escrito com muita seriedade e que merece ser lido e divulgado, sendo até uma fonte para que os nossos camaradas com mais "veia" para historiadores e com visão das acções de campanha se possam aperceber das características diferentes, pela natureza do terreno e da vegetação, que a guerra assumia naquelas paragens do leste, por contraponto com as que já foram descritas em locais de vegetação mais densa e mais "alagadiças".

No que diz respeito a este livro em breve darei mais informações mas até se passou um facto significativamente curioso, a saber.

Enviei um mail para o autor a solicitar autorização para referir o livro na comunicação que pretendia fazer para o Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné. Esperei uns dias e a resposta não vinha. Utilizei então o telemóvel do autor e fiquei a saber que ele tinha estado ausente do seu local habitual, dei-lhe verbalmente conhecimento do teor do pedido e do motivo e ele disse-me não haver problema, eventualmente até seria ele a ficar agradecido pela publicidade, e que estava naquela ocasião a ir para o Aeroporto apanhar o avião para os Açores. Não tinham passado 5 minutos telefona-me ele de volta dizendo que estava num táxi, que o condutor ouviu a conversa com a referência ao Blogue e imediatamente esclareceu que também pertencia a ele, que também tinha estado na Guiné, nos Comandos e era nem mais nem menos que o nosso camarada da 38ª, o Amílcar Mendes. E dizem que não há coincidências?!

De tudo o que vos relatei envio algumas fotos:


O ex-Alf. Mil Médico Hermano Gouveia e o ex-Alf Mil de Rec Inf Jorge Petiz;


Os ex-Alferes Petiz e Carneiro (Transmissões).


O Cmdt da CCS, Cap Moniz Barreto (hoje Coronel, salvo erro) com o "Algarvio" e a esposa do Alf Médico.



A Comissão Organizadora do encontro, Carlos Nogueira, Cândido Esteves, Normando Cardoso e Cap. Moniz Barreto.


A página do livro No Ocaso da Guerra, de Fernando Henrique, onde há breve referência à Operação Mabecos Bravios.

Como também é natural, fui falando do nosso blogue e já dei algumas indicações a alguns dos presentes no sentido de lá irem pesquisar. Aguardaremos que se decidam.

Um abraço

Hélder Sousa


__________

Adaptação do texto da responsabilidade de vb.

Guiné 63/74 - P2827: Os últimos a saírem: um estrangeiro numa nova Nação (Ten Cor Albano Mendes de Matos, contabilidade, QG/CTIG, 1972/74)




O então Tenente Albano Matos, em Bissau, nos últimos dias da presença portuguesa na Guiné. Perencia ao QG/CTIG. Era o chefe dos serviços de contabilidade.

Foto: © Albano Mendes de Matos (2008). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Ten. Coronel Albano Mendes de Matos:

Caro Camarada,

Vou enviar algumas notícias. Começo pelo último dia passado na Guiné-Bissau.

Não fui o último militar a sair da Guiné, fui também o meu próprio condutor. Emendo o escrito anterior. (*)

Foi um momento emocionante o meu último dia na Guiné-Bissau, em 13 de Outubro de 1974.

O pessoal que restava do meu serviço, Contabilidade, saiu para o aeroporto de Bissalanca, logo pela manhã, como quase todos os militares que ainda lá se encontravam. Levaram rações de combate para as refeições. Creio que com receio de algum acontecimento. Permaneci no local do meu serviço, para entregar as instalações e materiais às tropas do PAIGC, com guias de entrega e tudo, como estava combinado. Fiquei apenas com um jipe e um condutor, militar português, para me transportar do Quartel-General de Santa Luzia para Bissau e, depois, para o aeroporto.

Cerca das 11 horas, chegaram 6 negros, escoltados por uma secção das tropas do PAIGC, a pedirem os vencimentos a que tinham direito, porque tinham sido soldados portugueses. Tinham direito aos vencimentos de Abril a Dezembro de 1974, como fora acordado. Os ex-soldados portugueses tinham fugido para o Senegal após o 25 de Abril, porque tinham receio que os prendessem ou fuzilassem.

As famílias avisaram esses ex-soldados para se deslocarem a Bissau, para exigirem o pagamento. Eu tinha pedido à Emissora da Guiné para avisar todas as pessoas, militares e civis, e as empresas que tivessem a receber alguma coisa do Exército Português, que o comunicassem até, creio, ao dia 10 de Outubro [de 1974].

Interessante foi o caso de uma Casa de Instrumentos Musicais pedir o pagamento de 6 clarins que tinham sido fornecidos ao Comando Militar da Guiné... em 1940.

Disse aos ex-soldados que já não havia dinheiro e o tesoureiro já se encontrava em Portugal.  Responderam-me que eu queria era ir para Portugal gozar com o dinheiro deles. Levei-os à tesouraria e mostrei-lhes os cofres abertos, sem dinheiro.

Disse-lhes que poderia promover o envio do dinheiro, quando chegasse a Portugal, para a Embaixada na Guiné. Tomei nota dos números, nomes e da Unidade a que pertenceram. Entreguei-lhes uma declaração assinada por mim e pelo comandante da secção militar do PAIGC.

Em Novembro/Dezembro enviei o dinheiro devido ao 6 militares, não tendo conhecimento se o receberam.

Chegadas as 13 horas, sem que tivesse aparecido qualquer elemento do PAIGC, nem o meu condutor, como lhe havia dito, para me conduzir a casa de um locutor da Emissora, português que ficou na Guiné, para almoçar. Com uma pequena mala, resolvi ir, a pé, para o forte da Amura, junto ao Cais do Pindjiguiti, onde tinha a minha bagagem.

Quando, na estrada, me preparava para caminhar, surgiu um jipe com um militar do PAIGC, mulato, de meia-idade, que me disse:
- Camarada, para onde vai?

Contei-lhe o sucedido e logo se prontificou levar-me à Amura, mas que lhe ensinasse o caminho, porque só tinha ido a Bissau, durante a guerrilha, uma vez, de noite, ao cinema na UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau). Perguntando-lhe quem era, respondeu que era um comandante do Exército do PAIGC, que fora ver as instalações do Comando do Quartel-General, onde se iria instalar, ainda nesse dia.

Conduziu-me no jipe não à Amura, mas a um restaurante de um primo do meu condutor, português a quem o Governo da Guiné pediu para não sair, porque era o chefe da fábrica de descasque de arroz, situada numa ilhota, no rio Geba, em frente de Bissau.

Lá encontrei o meu condutor com uma grande bebedeira, não podendo conduzir o jipe. Disse-lhe que não se embebedasse mais, porque às 11 horas da noite tinha que estar junto do jipe, em frente do restaurante do primo, para irmos para o aeroporto.

Almocei e jantei na casa do referido locutor e andei pelas ruas e pelos bares de Bissau. Só encontrava guineenses que me cumprimentavam e desejavam boa viagem e muita sorte.

Dei por mim a olhar para as memórias portuguesas que ficavam por aquelas paragens: edifícios, estátuas, toponímia. E a recordar a história que me tinham ensinado, com navegadores, guerreiros, missionários e pacificadores.

Imaginei os primeiros portugueses a chegar àquelas terras.E eu, agora, o último a passear pelas ruas de Bissau, no fim do Império.

Estavam lá mais portugueses, o Governador e alguns militares, mas não saíam à rua. Às 23 horas, foram sob escolta para o aeroporto. Também estava um navio com um Batalhão nas proximidades do porto, para zarpar quando o último avião da Guiné estivesse no ar, para a última viagem aérea de uma parte do Império.

Um pouco depois das 11 horas da noite [, do 13 de Outubro de 1974], dirigi-me para o jipe. O condutor estava melhor da bebedeira. Com ele estava o primo. Alguns negros param a olhar para nós. Aproximaram-se. O jipe arrancou. Os guineenses ficaram a acenar, de braços levantados. Descemos pela avenida principal, subimos pelo lado do campo de futebol.

Sentia uma sensação estranha. Já na estrada do aeroporto, olhei para trás. Duas lágrimas saltaram-me dos olhos, recordando o sangue português derramado naquelas paragens. Era estrangeiro numa nova nação.

Já perto do aeroporto, o condutor perguntou-me:
- Meu tenente, onde deixo o jipe?
– Atira-o para uma barreira!

Parámos à entrada do parque do aeroporto. Desci com a pequena mala. O condutor colocou uma sacola no chão, subiu para o jipe e conduziu-o até uma pequena ladeira, ao lado da estrada, um pouco antes do aeroporto, para onde o encaminhou com um pequeno empurrão.

No aeroporto, para entrarem no último avião da Guiné, estavam o Governador, o Comandante Militar, alguns militares coadjuvantes, oficiais, sargentos e meia dúzia de soldados.

Para apresentarem cumprimentos de despedida, chegaram alguns chefes militares do Exército do PAIGC e o Presidente da Câmara Municipal de Bissau.

Era o fim da colónia ou província portuguesa da Guiné, já independente desde o mês de Agosto.

Albano Mendes de Matos
[ten cor ref]

__________

Notas:

1. Adaptação do texto da responsabilidade de  vb [Virgínio Briote]

2. Albano Mendes de Matos: Comissões de Serviço em ANGOLA (Grupo Art 157/BArt 147 de 1961/63; ANGOLA (BArt 1469/CArt 1469 de 1965/68; GUINÉ (GA 7 e QG/CTIG - Secção de Milicias e Chefe de Contabilidade, 1972/74).

3. Artigo relacionado em

6 de Abril > Guiné 63/74 - P2725: O nosso Livro de Visitas (10): Albano M. Matos, o último Militar Português a abandonar a Guiné.

Guiné 63/74 - P2826: FLING, mito ou realidade ? (2): Africanos contra africanos... (A. Marques Lopes)

1. Mensagem do A. Marques Lopes, de 8 de maio de 2008:


No passado dia 16 de Abril estive na Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto, a falar aos alunos do 12.º ano sobre "Guerra Colonial e Descolonização". Durou uma hora a minha prelecção, seguida de questões postas pelos alunos, das quais gostei (e que contrariaram um pouco o estudo divulgado pelo nosso Presidente da República em 25 de Abril...).

Ao ler o P2818 (ref. abaixo em notas de vb) colocado ontem, pensei que algumas coisas que disse àqueles jovens poderiam ter alguma utilidade. Só algumas, porque disse mais.

O nosso poder “soberano”, como quis dizer o Magalhães Ribeiro, foi, mais exactamente, um “poder colonial”.

A designação de "Colónia" encontra-se já no século XVII e XVIII e o termo "Província" entrou na linguagem do século XIX por via legislativa. É a Constituição de 1822, após a revolução liberal de 1820, que fala em "Ultramar" e "Províncias Ultramarinas", mas define o território da Nação como o Continente, as Ilhas Adjacentes,
o Reino do Brasil e as Colónias na África, Ásia e Oceania.

Mas não nos esqueçamos que 1822 foi o ano da proclamação unilateral da independência do Brasil...

A Lei nº 1005, de 7 de Agosto de 1920, decretada pelo Presidente António José de Almeida, é dirigida expressamente às colónias portuguesas, que se regem "por leis orgânicas especiais e por diplomas coloniais..." e estabelece várias medidas para o governo das colónias.
O Acto Colonial (Art.º 3.º), de 8 de Julho de 1930, (quando Salazar era Ministro das Colónias, e lembrar que Marcelo Caetano também foi Ministro das Colónias na década de 40) refere expressamente que "Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português".
Em 1938 era emitido nas oito colónias portuguesas um conjunto de selos que tinham impressas as palavras Império Colonial Português. É claro que, em 1951, o regime alterou a Constituição para designar as colónias por Províncias Ultramarinas. No entanto, os tais selos do Império Colonial Português circularam até 1957.
Mesmo assim, neste período, foi publicado em 1954 (Dec.-Lei nº 39666, de 20 de Maio) o Estatuto do Indigenato. Nele se definiam as condições requeridas aos "indígenas" para se elevarem à categoria de assimilados:
  • ter 18 anos
  • falar português
  • ter uma profissão certa

  • não ser desertor nem refractário ao serviço militar
  • aceitar o catolicismo
  • ...
    É claro que cerca de 99% da população das colónias não tinha essas condições, pelo que não eram considerados cidadãos portugueses. Este Estatuto foi abolido em 1961, e os "indígenas" foram elevados todos à categoria de "assimilados". É que a política e o domínio colonial tinham já a reprovação mundial, nomeadamente na ONU.

    Andámos mesmo metidos na "guerra colonial", as tais "guerras que decorriam em África".
    ...E a descolonização tem muitos anos de história, muito antes dos "revoltosos e a politicalhada" do 25 de Abril.

    Já muito longe, lembrar que os EUA declararam a sua independência em 4 de Julho de 1776 e o Brasil lançou o grito do Ipiranga em 7 de Setembro de 1822. Com luta. Também várias colónias da América espanhola conquistaram a sua independência política no período de 1810 a 1828, por meio de várias revoltas.

    Mas vamos para mais perto:

    O Sr. Sylvester Williams, da Trinidad, divulgou, em 1900, na cidade de Londres, pela primeira vez as ideias pan-africanas. Estas ideias medraram após a guerra de 1914-18, que foi incentivadora de sentimentos de autonomia nos territórios sob administração europeia. O presidente Wilson, ainda antes do fim da guerra, pusera como base para as negociações de paz o reconhecimento dos interesses das populações, particularmente das colónias, o que veio a ter ressonâncias na Conferência de Versalhes. E os EUA surgiram como defensores da doutrina da autodeterminação dos povos.

    Vem a seguir a Sociedade das Nações a apoiar os ainda incipientes movimentos emancipalistas. Foi também no período do após-guerra que pan-africanistas, como o americano William Du Bois, o jamaicano Marcus Garvey e o haitiano Jean Price-Mars, que, havia anos, vinham lutando pela afirmação da raça negra e por demonstrar a importância da África, se sentiram encorajados a organizar os primeiros congressos pan-africanos em Paris, no ano de 1919, Londres em 1921 e 1923 e Nova Iorque em 1927.
    Mas, já em 1912 se tinha constituído em Lisboa a Junta de Defesa dos Direitos de África. Esta tinha por fins estatutários federar todas as agremiações da África Portuguesa, lutar pela educação das colónias para poderem vir a governar-se a si mesmas, promover a revogação de leis de excepção em vigor naquelas, valorizar os estudantes africanos e insurgir-se contra as ofensas ao direito e à justiça, sem olhar a diferenças de religião, raça ou nacionalidade, através de uma intervenção de carácter essencialmente pedagógico e cultural (dados da CECA).

    A segunda Grande Guerra provoca um abrandamento neste clima reivindicativo, mas em Março de 1945, Du Bois organiza, em Manchester, o V Congresso Pan-Africano, durante o qual sobressaíram os nomes de Kwame Nkrumah, do Gana, e George Padmore, de Trinidad. O congresso aprovou uma declaração da delegação oeste-africana, segundo a qual a única solução para o problema existente residia na completa e absoluta independência para os povos da África Ocidental.
    A partir daqui, multiplicam-se as iniciativas e manifestações que dão expressão aos movimentos pan-africanos que, por sua vez, começam a apoiar-se na noção de negritude, lançada já nos anos 1933-35 por Leopold Sengohr, do Senegal, e Aimé Césaire (recentemente falecido), da Martinica.

    O conceito tido então como uma recusa pelos negros da assimilação cultural que lhes quisesse ser imposta, é ligado ao de independência que, por seu turno, era tomado como a correspondente recusa a uma assimilação política, pretendendo-se que fosse um instrumento sério de libertação e de solidariedade no mundo de então.

    Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade e Amilcar Cabral fundam em Lisboa o Centro de Estudos Africanos, em 1948. Neste mesmo ano, são presos em Lourenço Marques centenas de africanos, que são deportados para S. Tomé e Príncipe. Em 1949, é criado o núcleo dos Estudantes Secundários Africanos, por Eduardo Mondlane e outros.
    Em 1951, como já disse, o governo português altera a Constituição, passando as Colónias a designar-se Províncias Ultramarinas, e, em 1953, é promulgada a Lei Orgânica do Ultramar. Mas é também neste ano que é fundado o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola. Começam a criar-se barricadas dum lado e doutro.

    Há, em 18 de Abril de 1955, a Conferência de Bandung, na Indonésia, com o objectivo de "Fomentar a boa vontade e compreensão entre as nações da Ásia e África, estudar e favorecer os seus interesses mútuos e comuns para estabelecer e promover a amizade e relações de boa vizinhança. Examinar os problemas que interessam especialmente aos povos da Ásia, por exemplo, os problemas que afectam a soberania nacional como o racismo e o colonialismo. Apreciar a posição da Ásia e da África e dos seus povos no mundo contemporâneo, bem como a contribuição que eles podem dar ao fortalecimento da paz e cooperação internacional".

    No seu comunicado final, afirma-se explicitamente a adesão plena e inteira dos participantes à Carta das Nações Unidas e à Declaração Universal dos Direitos do Homem, e menciona-se o dever de todos os povos libertados ajudarem os povos ainda dependentes a alcançar a sua soberania.

    Começa a escalada:

    1954 - Angola – Fundação da UPNA (União das Populações do Norte de Angola) sob presidência de Holden Roberto,a 10 de Julho. Guiné - Fundação do MINGC (Movimento pala Independência Nacional da Guiné e Cabo Verde).


    1955 - Angola – Fundação do PCA (Partido Comunista Angolano), em Outubro.

    1956 - Angola – De 7 a 17 de Março, ocorrem movimentos de greve dos trabalhadores contratados no Norte de Angola. A 10 de Dezembro é fundado o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), sob presidência de Agostinho Neto, por fusão do PLUA (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola) e do MIA (Movimento pela Independência de Angola). Guiné - Fundação em Bissau, a 19 de Setembro, do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde), sucedendo ao MINGC (Movimento pala Independência Nacional da Guiné e Cabo Verde) e sob a presidência de Amilcar Cabral.

    1957 - Portugal- Implantação da PIDE nas colónias portuguesas. Criação em Paris do MAC (Movimento Anti-Colonial) que agrupa os movimentos anti-coloniais portugueses, em Dezembro.

    1958 - Angola - Fusão do MINA (Movimento pela Independência de Angola) no MPLA. A UPNA passa a designar-se UPA (União dos Povos de Angola) em Dezembro. Guiné – Criação da UNTG (União Nacional dos Trabalhadores da Guiné), movimento sindical clandestino.

    1959 - Angola – A 29 de Março, prisões em massa em Luanda, que dão lugar ao "Processo dos 50", envolvendo africanos e europeus, entre os quais um casal de médicos, a Drª. Julieta Gandra e o Dr. Cochat Osório e, também o Engº Calazange. Estabelecimento da Força Aérea Portuguesa em Angola com uma demonstração no aeroporto de Luanda, incluindo ataque ao solo, destinada a atemorizar a população africana, no dia 26 de Abril. Em Julho, acontece nova vaga de prisões em Luanda. Guiné – No dia 3 de Agosto há uma greve no porto de Pidgiguiti, em Bissau, reprimida com o morticínio dos estivadores e realiza-se o dia internacional de solidariedade com os povos da Guiné e de Cabo Verde. Fundação, em Dakar, da FLGC (Frente de Libertação da Guiné e de Cabo Verde). Moçambique – Fundação do MANU (União Nacional Africana de Moçambique).

    1960 - Em Janeiro, o MAC transfere-se para Argel e passa a denominar-se FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional). No dia 14 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração à Independência dos territórios portugueses e povos sujeitos ao domínio colonial. Angola – Em Agosto é preso Agostinho Neto. A 13 de Junho o MPLA faz uma declaração ao governo português, propondo a solução pacífica do problema colonial. No dia 25 do mesmo mês é preso em Luanda o Padre Joaquim Pinto de Andrade. A 31 de Outubro dá-se a fusão da UPA e do PDA na FCPPA (Frente Comum Popular das Populações de Angola). No dia 29 de Dezembro são fuzilados 20 angolanos presos em Luanda. Guiné – Início da doutrinação do PAIGC entre a população. Declarações do PAIGC ao governo português, reclamando a autodeterminação, por meios pacíficos, dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Moçambique – Massacre de Mueda, que provoca 500 mortos (1).

    1961 - Assembleia Constituinte da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), em Casablanca, a 18 de Abril. No dia 13 de Novembro, por 90 votos contra 3, a Comissão de Tutela da ONU condena a política colonial Portuguesa. Ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, a 18 de Dezembro. Portugal – A 14 de Abril, Salazar, ameaçado por um golpe de estado, remodela o governo e acelera a repressão em Angola. As grandes empresas portuguesas com interesse nas colónias associam-se numa campanha de propaganda colonialista no EUA. Em Setembro são abolidas as diferenças legais entre indígenas e assimilados (Dec.-Lei nº 43893, de 6 de Setembro). Na noite da passagem de ano, a 31 de Dezembro, um grupo, ligado ao general Humberto Delgado, de militares comandados pelo capitão Varela Gomes e de civis chefiados por Manuel Serra, ataca o quartel do Regimento de Infantaria nº 3, em Beja. Angola – Massacre de agricultores do algodão na Baixa do Cassanje, a 6 de Janeiro. Início da revolta armada a 4 de Fevereiro, com o ataque às prisões de Luanda por destacamentos do MPLA, seguido pelo massacre de milhares de africanos. A 15 de Março, eclosão da revolta no Norte (Uíge e Zaire) por elementos da UPA, que chacinam centenas de europeus. Começa a guerra em Angola. Guiné – Prisão de 20 elementos do PAIGC em Bissau. Carta aberta de Amilcar Cabral ao governo português, reclamando a independência da Guiné e de Cabo Verde, ao mesmo tempo que a cooperação dos respectivos povos com o governo português. Moçambique – Fundação no Malawi da UNAMI (União Africana de Moçambique Independente). A 25 de Junho do ano seguinte, UDENAMU, MANU e UNAMI, agrupam-se com o nome de FRELIMO, elegendo presidente Eduardo Mondlane.

    1963 - Na Guiné, o PAIGC ataca o quartel de Tite em 23 de Janeiro, e em 1 de Março captura os navios Mirandela e Arouca na região de Cacine. Começo da guerra na Guiné.

    1964 - 24/Set - Primeira acção da FRELIMO no Niassa, com ataque ao posto administrativo do Cobué. Começo da guerra em Moçambique.

    Aos ventos da história e a esta escalada, à realidade, como responde o Dr. Salazar? Aceita as ofertas para solucionar pacificamente o problema colonial? Respeita as resoluções das Nações Unidas? Nada disso. Consumada a "Abrilada", como ficou conhecida uma tentativa palaciana de um grupo de oficiais encabeçados pelo general Botelho Moniz, para travar o rumo dos acontecimentos, Salazar assume a pasta da Defesa Nacional. Proclama que estamos "orgulhosamente sós" e escolhe a guerra.

    A falta de flexibilidade do governo português terá sido também provocada, paradoxalmente, pelo atraso económico e pela vulnerabilidade do país – por um lado, porque o império era ainda essencial para sectores importantes da produção nacional, que necessitavam dos mercados coloniais protegidos, por outro lado, porque se tinha geralmente a convicção de que não seria possível substituir o controle político directo no ultramar por outras formas de influência, como a Grã-Bretanha fez com a Commonwealth e a França procuravam fazer.

    I. Pessoal

    Ia. Efectivos nos três T. Op.




    Numa base percentual, Portugal tinha mais homens em armas do que qualquer outro país ocidental, excepto Israel. A mobilização em Portugal teria sido equivalente aos Estados Unidos colocarem 2,5 milhões de homens no Vietname, em vez dos 500 mil que lá estiveram.

    Ao longo da guerra, a política de "africanização" de efectivos em campanha levou ao aumento progressivo de recrutamento local.

    Nem podia ser de outra forma, atendendo ao desgaste que o esforço de mobilização provocava à retaguarda. Ele eram os refractários e desertores. Ele era o número de jovens que preferiam atravessar a fronteira a salto, e partir para a aventura da emigração clandestina na Europa, do que ir defender a Pátria nas matas africanas. Para já não falar do curso de engenharia da Academia Militar que aproveitou a viagem de finalistas para pedir asilo político na Suécia.

    E ela era também uma opinião pública que não parava de questionar a guerra, incluindo sectores insuspeitos da sociedade portuguesa, tidos como aliados, ou pelo menos tradicionalmente coniventes com o regime. Do pároco de Macieira de Lixa, ao Padre Felicidade Alves, aumentavam no clero, as vozes que se interrogavam publicamente sobre a tão propalada defesa da civilização cristã ocidental. Foi também o caso da vigília na Capela do Rato, em Lisboa, onde compareceram leigos, católicos destacados, incluindo professores universitários, e outras figuras públicas e respeitadas.

    Portanto, a chamada política de africanização da guerra, não foi mais do que a resposta desenrascada, diga-se, a uma necessidade premente que era esta: nem o país suportava o esforço de mobilização, nem a pressão da opinião pública o consentia. À boa maneira portuguesa, improvisou-se. Toca a africanizar, visto que a guerra é em África.

    Mas havia, e houve, o reverso da medalha: com essa solução acabou por se pôr a combater, na mesma colónia, africanos contra africanos. E se isso contribuiu para minar os movimentos de libertação, de acordo com a velha máxima de dividir para reinar, acabou por ter um efeito perverso: o sangue derramado entre irmãos tem um preço muito alto. E nós, lembramo-nos particularmente do massacre dos comandos e outros guineenses que combateram do nosso lado. E será que já deixou de ser pago?...

    Ib. Recrutamento local dos efectivos (%)



    II. Total das despesas ordinárias com a Defesa Nacional (milhares de contos)



    A guerra colonial foi uma aventura que envolveu a generalidade dos portugueses e custou ao país cabedais avultados (40% do orçamento nacional foi aplicado na guerra).

    Além disso, os custos em vidas humanas de militares do exército português cifram-se em 8.290, segundo dados oficiais publicados pela CECA. A estes há que somar os militares da Armada e da Força Aérea que também perderam a vida. O número total dos três ramos orça os dez mil. Será difícil contabilizar ainda as chamadas tropas irregulares do recrutamento local, forças policiais e, principalmente, população civil. Quanto ao número de feridos, ultrapassou os quarenta mil. seguinte quadro comparativo:

    III. Rácio de mortes/ferimentos (comparação com outros conflitos séc. XX)



    Sobre o número de mortos e feridos guineenses, angolanos e moçambicanos – incluindo guerrilheiros e população civil – não dispõe o Exército Português de dados estatísticos. Mas terão sido, certamente, várias centenas de milhares.

    A descolonização portuguesa tem sido quase exclusivamente falada numa perspectiva de tempo curto, privilegiando o período que vai da revolução de 25 de Abril de 1974 até à data da proclamação da independência da Guiné, no fim desse ano, e de Angola, a 11 de Novembro do ano seguinte.

    Mas é bem claro que ela faz parte de um movimento mais vasto, de ordem global, iniciado sobretudo logo após a 2.ª Guerra Mundial mas, nalguns casos, com raízes mais longínquas. O nosso camarada Coronel Gertrudes da Silva apontou-nos alguns exemplos, e só em África (alguns já depois do início da nossa guerra):



    Como ele diz, "em Portugal, orgulhosamente sós, resistimos aos ventos de mudança, representando teimosamente a nossa comédia, pela Guerra Colonial transformada em tragédia".


    Não foi certamente pela cegueira política de um ditador, ou pelas ridículas teorias racistas que o exército português se transfigurou, esforçou e sacrificou durante a longa guerra colonial. Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, os militares cumpriram a parte que lhes cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a questão colonial.

    Não houve intenção política de resolução... e veio o 25 de Abril.

    E, caro Magalhães Ribeiro, quem andou treze anos aos tiros a lutar pela sua independência não queria, com certeza, que no final lhe dessem biscoitos e rebuçados. E nós por cá também não queríamos a alternativa que havia, que era a continuação da guerra, que sabemos que sucederia inevitavelmente na Guiné e também, certamente, em Angola e, mais que certo, em Moçambique.

    E uma última questão:

    Não me parece possível que a FLING alguma vez pudesse fazer qualquer boicote em Bissau, dado que desde 1965 tinha desaparecido da cena política. Além de que estava completamente desacreditada entre os países africanos, nomeadamente por os seus dirigentes terem desviado milhões de francos que a OUA e a Libéria deram à organização... para uma luta que mal se viu (aliás, uma das preocupações do seu secretário-geral está expressa numa carta que dirigiu ao Ministro do Ultramar em 4 de Abril de 1964:

    "... Tomo a liberdade de enviar a V.Exª fotocópias dos meus documentos visto que, se for a Portugal contactar V.Exª gostaria de fazer algumas cadeiras do 7.º ano que não cheguei a concluir".

    Recomendo-te que leias o livro que o nosso amigo Leopoldo Amado tem em vias de publicação (está para breve). Ele é que pode falar bem sobre esta questão.

    Abraços

    A.Marques Lopes

    Observações - Principal fonte bibliográfica consultada: Resenha histórico-militar das campanhas de África : 1961-1974 / Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África


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    Notas:

    1) Este nº não está de acordo com os registados pelo administrador de posto em recentes declarações à RTP para o programa "Guerra".

    Adaptação do texto e notas da responsabilidade de vb. Artigo relacionado em

    7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2818: FLING, mito ou realidade ? (1) (Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa)