sábado, 20 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3655: Estórias do Zé Teixeira (33): Histórias de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, datada de 19 de Dezembro de 2008, com quatro pequenas histórias de Natal e não Natal, nas suas sentidas palavras:

Carlos
Junto o texto sobre o Natal.
José Teixeira




HISTÓRIAS DE NATAL, OU... TALVEZ NÃO

1. Reencontro com a Djuvae

No Natal de 1968 a Djuvae de Mampatá Foreá, prestou-se para ser postal de mensagem de Natal. Não era propriamente uma beleza em termos físicos. Era sim, uma rapariga, perdão, uma bajuda muito alegre e comunicativa. Tenho gravados na memória bons momentos passados juntos, sobretudo ao principio da noite, quando nos juntávamos, eu, ela, a Fátma Ió, a Auá e a Mariema à porta da sua morança. Desde contarmos histórias, cantarem para mim lindas canções fulas e outras brincadeiras, até que surgia o Hamadú, o Sargento do Pelotão de Milícias, o zelador pela segurança da população que acumulava com a função de marabu na pequena Mesquita local. Obrigava-nos a seguir cada um para sua casa ou abrigo sem ruído, estragando assim a festa.

Quando voltei a Mampatá em Março de 2008, esqueci-me de a procurar e não a reconheci, quando se abeirou de mim. Para me obrigar a ir ao caixote mais fundo da minha memória, dirigiu-se-me e com o seu sorriso característico, recordou-me a maneira como eu a cumprimentava naquele tempo da nossa juventude:

- Tissera, bó ka na lembra ! Mama garandi, mama piquena, apalpando os seus próprios seios.

Creio que basta aos camaradas que tiverem a coragem de lerem estes apontamentos, apreciarem a foto junta, para tirarem conclusões.

- Tu és a Djuvae ?

- É mesmo! - Enquanto se pendurava no meu pescoço num fraterno e demorado abraço.

Nesse dia, àquela hora foi Natal para mim.

A Djuvae, em 2008 quis tirar uma fotografia comigo, sentada na minha perna, tal como antigamente


2. Desencontro de Hamadú

O Hamadú, acabada a guerra foi viver para Buba. Procurei-o em 2005, mas não o consegui ver. Estive com uma das filhas e com uma neta. Ele, como sempre, estava na Mesquita a exercer a sua missão de Marabu.

Em 2008 tinha como objectivo, voltar a procurá-lo. Logo em Guiledge, soube que tinha falecido em Dezembro.

Nesse momento não houve Natal.


3. Reencontro com Ádama

Quando voltei a Mampatá, veio ao meu encontro a Ádama, a mãe da nha mindjer, a bebé que me foi apresentada com 42 graus de temperatura e desenganada pelo doctor de Bissau.

Ia morrer, com paludismo agudo, mas eu salvei-a administrando-lhe um anti-palúdico num acto médico que hoje me levaria à prisão. Como prémio foi-me oferecida pela mãe, para nha mindjer.

A menina, hoje mulher, não vive em Mampatá, logo não a pude ver, mas a mãe, essa ajudou-me a recordar alguns dos momentos que mais me marcaram: a sua vinda todas as manhãs com a bebé ao colo, parte mantenhas a Fermero e trazer uma cantara de água fresca que ia buscar à fonte de Ieroel (o local de onde o IN nos atacava ao cair da noite) ou então o pequeno cacho de bananas – tua mindjer parte agua para tu na bibe,ou, parte banana.

Se à noite ao passar pela morança onde viviam não ia dar um beijinho à bebé, logo a mãe me chamava: - Fermero vem parte mantenhas a mindjer di bó . E, quando vindo da Chamarra com destino a Buba, passei por Mampatá, aquela mãe, veio a correr depositar-me nos braços a bebé: - Toma, leva minina, mindjer di bó.

Tão belos momentos, quer no antigamente, quer em Março de 2008 foram Natal para mim.

A Ádama e a Djuvae no dia em que sendo Março, foi Natal para mim


4. O encontro com o filho de Binta Bobo

Também a Binta Bobo, irmã mais nova da Ádama, ainda uma criança, foi mensageira da paz naquele Natal de 1968. Às costas levava nha mindjer, a bebé, filha de sua irmã mais velha a Ádama,

A Binta Bobo (a mais alta)com a bebé. A seu lado, a companheira de brincadeiras, filha mais novas do Hamadú com a maninha às costas

A Binta Bobo, cresceu, fez-se mulher. Em 1974, devia estar uma garota linda! Creio que ainda não tinha casado, mas já estava destinada, ou prometida, ou negociada desde pequenina.

Da relação com um militar português engravidou e teve um filho. Foi repudiada e a sua vida a partir de então não foi nada fácil, até que a morte a veio buscar prematuramente.

Seu filho, procurou-me em 2005 no Saltinho. Queria conhecer o pai. Pensava ele que eu o conhecia, mas não. Quando deixei Mampatá a Binta era uma criança.

O filho da Binta Bobo quer conhecer o pai

Afinal a vida é feita assim de retalhos. Uns são de alegria, afecto, paz e amor. Tudo somado dá origem ao Natal, que se quer todos os dias. Outros, pela sua crueza provocam sofrimento e dor. Então não há Natal.

Que cada um de nós, tenha, nesta quadra em especial, a coragem de construir o Natal e se possível o faça em todos os dias da sua vida, pois Natal é sempre que o HOMEM QUER.

Zé Teixeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (32): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

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