quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3480: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (2): IAO, Bolama, Outubro de 1970

1. Mensagem do nosso camarada Luis Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, datada de 9 de Novembro de 2008, com a segunda viagem às suas memórias (*).

Caros Luís e Vinhal
Em anexo segue mais um capítulo da Viagem...
Um abraço e parabéns extensivo a toda a Equipa
Bem hajam
Luis S Faria




BOLAMA - IAO (Instrução Aperfeiçoamento Operacional)

Ao largo, no Pijiguiti, após 12 dias de viagem no luxuoso Paquete inclinado - em que o passatempo era mergulhar na piscina imaginária, jogar ao atira garrafas bebidas borda fora, mentalização à soldadagem, umas leituras e recordações – dou uma escapada a Bissau. Os Praças não tiveram essa sorte. Umas voltitas, umas cervejolas (à altura ainda não sabia que eram bazucas) acompanhadas com uns tremoços que, coisa esquisita, mais me pareceram camarões! Gasto o chamado patacão e tomado o contacto com a nova realidade, há que regressar ao Paquete… para pernoitar, pois o tempo esgotou-se e não estava ali para férias.

Na manhã seguinte, a minha CCaç 2791 (FORÇA) rumaria à ilha de Bolama a bordo de uma LDG, para início do IAO.

Após a confusão ordenada de embarque na dita LDG e depois de uns tiros da sua arma pesada - se foi para porem os periquitos à rasca, conseguiram-no - chegamos à que se dizia sossegada ilha de Bolama.

Instalado e ao fazer os primeiros reconhecimentos à zona de comes e bebes e outros… tive oportunidade de sentir a que teria sido uma agradável estância de férias, - com a sua boa piscina, com aquelas praias, aquele mar, a vegetação com aqueles palmares, aquela fauna (a macacada, as aves do paraíso, as iguanas…) - e os primeiros contactos com a população local, olhando com alguma desconfiança os homens que, sabia lá (?!), podiam ser turras, e com olhos de ver, lindas Bajudas com as suas mamitas (?) ao léu e que não seriam turras com certeza (!!)

Enfim…

Mas a guerra estava lá, dura e impiedos, e eu queria que o 4.º Grupo, que comandava, coadjuvado pelo J. Fontinha (Op Esp) e o M. Chaves (açoriano), estivesse à altura de a enfrentar sem baixas, ou com as menos possível. Não queria que famílias chorassem por esse motivo.

Para isso era preciso trabalhar a sério com a rapaziada (Jericada como dizia/diz com ternura o meu grande amigo Fur Op Esp Castro, do 2.º Gr) nas técnicas de combate, assalto, progressão, observação e outras.

Ordem unida? Nessa matéria (detestada) necessária à disciplina, autocontrolo, unidade de grupo e mais… a rapaziada fez dela uma bandeira para mostrar ao resto da Companhia que o 4.º Grupo, o mais recente, mais pequeno (salvo erro, 20 elementos) e comandado por Furriéis tinha uma garra do caraças, e não ficava atrás dos outros, antes pelo contrário! (Eh Pessoal… e na parada de apresentação ao Gen Spínola? O General até se passou com aqueles Ombro-arma e batimentos recordam? Isto para não falar no nosso Cap Mil Mamede de Sousa. Foi demais! Quase que rachávamos a parada (!!!)

Com esta passagem não quero dizer que houvesse rivalidades ou equiparados na 2791. Pelo contrário, era uma Companhia muitíssimo unida. Para isso contribuíram os seus Quadros operacionais iniciais, que se davam muito bem e interagiam muito com o pessoal.

Como dizia, havia que trabalhar no duro e mentalizar a rapaziada de que o esforço dispendido podia fazer a diferença entre viver e …!

Atendendo a que o Fontinha e eu tínhamos treino especial e o Chaves nos acompanhava, o IAO foi realmente puxado, especialmente em Treino de combate, progressão, observação e auscultação do meio envolvente e outras. Tudo foi treinado até atingirmos a autoconfiança individual e de grupo. E a morfologia da ilha prestava-se bastante a esse treino.

Durante este período e para nos lembrar que havia guerra, que nem em Bolama se estava 100% seguro e não se podia facilitar, fomos brindados com um míssil numa hora de refeição, que nos fez abrigar por baixo das mesas e onde possível. Caiu perto e felizmente sem consequências.

Claro que também houve muitos momentos de descontracção. Convívios, cerveja, uísque, vinho, camarão e outros manjares, como provam as fotos. E esses eram momentos em que libertávamos o nosso Eu numa sã camaradagem e amizade, com conversas afiadas em que as estórias e as réplicas levavam por norma à gargalhada. Aquela do Alf Quintas, Op Esp do 1.º Grupo, conduzir um Unimog carregado de guineenses a toda a velocidade pela picada, ter chegado ao destino e ficar espantado por não estar mais ninguém na viatura (tinham saltado ou caído, felizmente sem problemas), ainda por vezes hoje é recordada.

E havia também os momentos em que se desabafava com os mais chegados, dos amores e desamores, das saudades, de situações vividas, dos anseios, dos medos e receios, normal na Juventude, que nos estava a fugir muito depressa.

E assim se foi esgotando o tempo na paradisíaca ilha e, a 30 de Outubro de 1970, embarcámos de novo numa LDG com destino a Bissau, de onde partimos em coluna auto para Bula.

Um abraço a todos
Luís S Faria


Bolama > Outubro de 1970 > Luís Faria

Bolama > Luís Faria na marginal

Furrielada com Oficiais e Sargentos > Ao fundo com cigarro Faria; ao lado e por ordem decrescente, de alturas Fontinha; Urbano (enfermeiro); Alf Quintas; Sarg Guerreiro; Mesquita; Ferreira. À minha frente, sentado, o Cap Mamede, à esqerda o Castro, Lourenço (TRMS), Alf Barros (?); Mealha (?) (Mecânico) e Belchiorinho (Vaguemestre)

Furrielada > Da esquerda: Madaleno, Belchiorinho; Mealha; Ferreira; Lourenço Fontinha; eu; Urbano; ? ; Marques; 1.º Cabo Trms Ribeiro
______________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau

4 comentários:

Anónimo disse...

Foi uma feliz ideia, incutir-te o bichinho das mémórias do nosso tempo militar.Tens muito mais jeito do que eu.Não vou todavia dar-te a exclusividade e prepara-te, par a resposta ao desafio.Felizmente tenho comigo todas essas fotografias e muito mais.Também as irei por a nú...As nossas lembranças comuns são tão ricas e saborosas que jamais as esquecerei.Havemos de falar da casa que alugamos em Teixeira Pinto, do forno de Mato Dingal e quem sabe, mais o que?...

UM FORTE ABRAÇO E PARBENS PELA MEMÓRIA.

JORGE FONTINHA

Luís Graça disse...

Luís: Obrigado por esse esforço de regresso ao passado... Bolama, que eu não conheço a não ser por estes relatos que tenho tido o privilégio de ler aqui, foi muito importante como "placa giratória", "porto de abrigo" e "estufa de aclimatação" da malta que chegava à Guiné, a Bissau, com a natural ansiedade e curiosidade em relação à terra, às paisagens, às gentes, à guerra... Todos sabíamos que não íamos para ali fazer turismo...mas um mês, ainda a brincar às guerras, sabia que nem ginjas...

EWm contrapartida, conheci Contuboel, a nordeste de Bafatá, em Junho e Julho de 1969. Também ali funcionava um centro de instrução para tropas africanas do chão fula... Foi lá que dei/demos a instrução de especialidade e a IAO aos nossos soldados africanos (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Tenho o mesmo sentimento que tu em relação a Bolama: foi seguramente o melhor mês (e meio, no meu caso)do meu tempo de Guiné... Não havia guerra, andávamos em farda nº 3, ou à civil, nadavámos e andávamos de canoa no Geba, as aldeias fulas e mandingas eram um oásis de paz, harmonia e beleza...

Jorge: A tabanca é tua, entra, apresenta-te, traz as tuas fotos, conta as tuas histórias... O nosso blogue é uma excelente sítio para as poderes partilhar com as pessoas de quem gostas, a começar pelos teus amigos e camaradas da Guiné.

Um Alfa Bravo aos dois. Luís

Anónimo disse...

As cousas que tu sabes :-))) Luís Miguel de Carvalho Sampaio Faria :-))))

..a nossa companhia ficou com o mapa da Guiné gravado debaixo da pele..

abraço

urbano silva

Anónimo disse...

Fiquei verdadeiramente ansioso por conhecer as futuras h(e)istórias e fotografias que se seguirão, muito especialmente de T.Pinto, uma vez que fomos de certeza contemporâneos durante certo período. Cruzámo-nos? Falámo-nos? Algum me assegurou protecção? Sei lá. Só sei que nada sei (como dizia o cientista) ou muito pouco, dessa minha estadia no Chão Manjaco.
Abraços
Jorge Picado