segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3470: Os nossos regressos (18): Desenraizados, nas esplanadas das Lisboas deste País...(Alberto Branquinho)

Os "difíceis regressos

uma normalidade a que já não estavam habituados ou como escreve o Alberto Branquinho

De como era difícil estar e falar com "outros" quando regressámos




Que memórias de “nomadizações” nocturnas fizeram saltar o POST 3380 de 30 de OUT do Jorge Félix!
O ambiente que descreve sobre o bar “Tosco” parece retirado de um filme do Fellini. Impressionante e comovente.

Estive no "Tosco" uma ou duas vezes quando estava a fazer o meu “estágio nocturno” em Lisboa depois do regresso em Abril de 1969 e depois de um curto período em Coimbra.

Mas não me lembro de ter visto o ambiente que ele descreve. Devia ter dias ou épocas assim. Acho que se chamava “O Tosco" e as letras que o anunciavam eram, também, toscamente desenhadas.

Mas do que venho falar é das recordações que esse Post me trouxe. Das dezenas de regressados da Guiné que abundavam (a partir da tarde…) pelas esplanadas e cafés da Avenida da Liberdade e do Rossio (“Gelo” incluído). Assim “estagiavam”, tentando voltar a uma vida “normal”, vivendo em quartos alugados ou em pensões rascas, com o pretexto de que estavam a tentar encontrar trabalho ou a estudar. Só em grupo e a falar a mesma linguagem se sentiam bem. Lembro-me de um, que rapidamente conseguiu emprego trabalhando no balcão de um banco, na própria Avenida. Sempre que podia saia e ia ter com a “malta”. Um dia o gerente interpelou-o:
- Onde é que você vai?
- Beber um café
- Se for, não volta mais.
Pois ele saiu e não voltou.

Respondíamos aos anúncios do Diário de Notícias. As mais das vezes era para vender enciclopédias de porta em porta ou para actividades sem sentido, mas os anúncios não as referiam. No endereço indicado eram feitas apresentações enfatuadas por “directores comerciais” engravatados e bem falantes. Abandonávamos a sala arrastando cadeiras e batendo com a porta.
Uns saíam do grupo no final da tarde. Outros ficavam até que a noite acabasse. Nem sempre eram os mesmos. Havia quem estivesse “em estágio” há mais que um ano, mas, ao cabo de mais ou menos meio ano, iam desaparecendo. Entravam novas camadas, que alimentavam os grupos. Não sei como sabiam dos locais ou se, pura e simplesmente, tropeçavam em caras conhecidas ao passar na Avenida.
As tardes passavam-se à volta das “imperiais” com tremoços, nas esplanadas e cafés, no “Pirata” dos Restauradores ou na “Ginjinha” do Rossio, deambulando sempre pelos mesmos espaços, até à chegada da noite. O jantar era numa das muitas tascas das transversais da Avenida ou entre o Rossio e o Terreiro do Paço.

Que noites

As noites seguiam-se arrastadas mais ou menos pelas mesmas zonas, Bairro Alto incluído. (O Bairro Alto actual nada tem a ver com o Bairro Alto desses tempos).
Aqui recordo-me do “Gingão”, mas havia mais e outros próximos da Avenida – p. ex. o “Príncipe Negro”, o “Ritz”e “O Cantinho dos Artistas”, à entrada do Parque Mayer. Já conhecia alguns dos tempos anteriores à Guiné.
Por vezes incluía a zona do Conde de Redondo, que era, então, o principal “trottoir” de Lisboa. Íamos por vezes aos fados, na “Márcia Condessa”.

Um regressado de Catió, protector de mulheres

Discutiam-se as coisas da guerra (não sabíamos falar de outra coisa, excepto, alguns, de futebol), aguentavam-se bebedeiras, havia a compreensão nocturna das mulheres, deambulava-se pelas vielas, por vezes à procura de zaragata. Faziam-se amizades com os guardas-nocturnos.
Pontificava um ex-alferes miliciano, homem de poucas falas, mais antigo na Guiné que todos nós. Tinha comandado um Pelotão de Nativos num quartel a norte de Catió, onde o conheci. Era chamado pelo nome próprio, ao qual juntávamos, como se fosse o apelido, o nome desse quartel. De tão gasto e envelhecido, parecia muito mais velho. Era muito conhecido e, por razões óbvias, não o identifico.

Nos primeiros meses de 1970 voltei a esses espaços. As caras eram já outras e ele lá andava ainda. Percebi, então, que tinha umas raparigas “por conta”, a quem dava protecção e conselho, gerindo o “negócio” à sua maneira.

Era grande a vontade de encontrar almas com a mesma necessidade de falar das coisas da guerra que “os outros” não entendiam ou não tinham paciência para ouvir ou, passado algum tempo, ficavam saturados de ouvir. Mas um homem também se cansa. Nunca mais voltei.

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Notas:

1. Alberto Branquinho foi Alf mil da CArt 1689, 1967/69

2. Títulos e sublinhados da inspiração do editor.

3. Artigos da série em


4. E do Autor em

1 comentário:

Anónimo disse...

Ver coment´rio ao P3472 do "homem de Estocolmo".
Fico por aqui...por agora. Mas senti e recordei a adaptação...e, ainda hoje...logo digo mais!!!
Abraços Torcato