quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor Art José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)

Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, que pertenceu, como 1.º Cabo, ao Grupo de Artilharia n.º 7, de Bissau e, como Furriel do QP, ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné 1970/72)


1. Mensagem com data de 10 de Novembro de 2008, do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego

Caros companheiros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Assunto: O Bom Humor em Tempos de Guerra

Em primeiro lugar as minhas felicitações pela criação do blogue colectivo, o qual permite comunicarmos as nossas histórias passadas, há muitos anos, mas que se encontram bem arquivadas e conservadas nas nossas memórias.

Após a Recruta básica no Batalhão de Caçadores n.º 6 em Castelo Branco (Julho-Setembro de 1968), quis o destino que a minha Especialidade fosse Artilheiro de Campanha 10,5 e não Atirador de Infantaria, ou seja, estive na Guiné entre Julho de 1970 e Outubro de 1972, tendo lá chegado a bordo do paquete Alfredo da Silva, como 1.º Cabo Apontador de Campanha 10,5 (obus de Artilharia) e, graças a Deus, a minha actividade operacional não foi muito arriscada, quer nas colunas que tive de realizar, quer nos poucos ataques que sofri nos aquartelamentos onde estive colocado. Para tudo é preciso sorte!

A minha unidade era o Grupo de Artilharia n.º 7, de Guarnição Normal, estacionado em Bissau (Santa Luzia), perto do QG/CTIG e do Batalhão de Intendência. O Gr Art n.º 7, em 1970, tinha vinte e tal pelotões de obuses 10.5, 11.4 e 14 disseminados pelo TO da Guiné, actuando sobre as linhas de infiltração do IN e de reacção rápida aos ataques sobre os nossos aquartelamentos.

Após a minha promoção a Furriel do QP de Artilharia (Janeiro de 1972), marchei para o Sector do BCAV 3864 (1971/73) (Pirada) com destino ao 9.º PELART (Bajocunda), ficando adido à CCAV 3462 do referido Batalhão.

Foi lá que conheci o meu amigo João José Coelho Teixeira Lopes, Fur Mil, Comandante de uma Secção do 9.º PELART, sendo hoje um distinto médico.

Em Bajocunda tenho uma história engraçada, que passo a descrever.

Soldado Herodes

Quando me apresentei no Pelotão, verifiquei que fazia parte do efectivo um cão chamado Herodes criado pelos soldados, presumo, amarelo e branco. Não se sabendo bem porquê, o bicho ausentou-se durante três ou quatro dias e quando regressou à base, vinha todo sujo, num estado lastimável. Como era considerado soldado havia que proceder ao levantamento do respectivo processo disciplinar por ausência ilegítima. Vai daí, peguei numa folha de trinta e cinco linhas e na qualidade de graduado mais antigo redigi a punição que foram, salvo erro, cinco dias de prisão, tendo em conta o bom comportamento anterior.

Como o referido soldado não sabia ler nem escrever, colocou a pata sobre o papel, depois de molhada, através de uma almofada de carimbo azul que pedi emprestada na Secretaria da Companhia. Como a punição era mesmo para cumprir o Herodes ficou preso junto ao nosso abrigo.

Ao segundo dia de privação da liberdade o aquartelamento foi atacado e, como não houve tempo de o soltar, o desgraçado gania de medo com o barulho dos rebentamentos. No fim das hostilidades, foi libertado, porque tivemos compaixão dele. O Herodes, assim que se apanhou solto, fugiu para debaixo das camas e esteve lá uns dois dias que nem comer queria! Coitado, não merecia tanto castigo, teve azar!...

Ainda dentro do Sector do BCAV 3864, o 9.º PELART foi transferido para Paunca, em Abril ou Maio de 1972, onde se encontrava a CÇAC 11, constituída por elementos africanos, à excepção dos graduados e das praças especialistas que eram todos europeus.

O meu companheiro de pelotão e de tabanca era o já aludido, anteriormente, Fur Mil Teixeira Lopes que me dizia:
- Ainda te hei-de ver em primeiro-ministro - isto pelo facto de eu estudar muito nas horas vagas, o que muito ajudava a passar o tempo, aliás, posso dizer que comecei os meus estudos na Guiné, já que até aí não tinha tido possibilidades na vida.

“Enquanto se Luta, Constrói-se” era uma das máximas do general António de Spínola.

Nesta localidade, passaram-se duas histórias que o meu companheiro, Teixeira Lopes, pode confirmar.

Primeira História ou Galináceo, espécie em perigo de extinção

Existiam muitas galinhas, embora de pequeno porte, e como a nossa alimentação não era muito famosa, resolvi apanhar umas aves, com a cumplicidade do Teixeira Lopes, que consistia no seguinte: deitava um carreirinho de arroz em frente à porta da tabanca que se prolongava para o interior da mesma; o animal na boa fé entrava e depois era só encostar a porta pelo interior e a presa não tinha salvação.

Como o efectivo das galinhas começou a diminuir fomos avisados pelo nosso Comandante de Pelotão, Alferes Mendes, que já havia queixas da população e o melhor era deixarmos as galinhas em paz, assim fizemos em nome do bom senso e da boa vizinhança e também porque já andávamos com imensa azia de tanto churrasco, preparado por um soldado do Posto Rádio!

Segunda História ou Era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha

Numa bela noite de Abril ou Maio de 72, dois burros da população resolveram lutar e, já de madrugada, o burro perdedor aflito com os ataques do seu adversário fugia num galope acelerado até que encontrou um buraco para se esconder e esse buraco, vejam só, foi a nossa tabanca, cuja porta estava aberta por causa do calor. Depois foi o bom e o bonito para tirar o burro que mais profundamente penetrou na tabanca.

De marcha-atrás era impossível, porque o outro burro mordia-lhe; sair de frente também era difícil, devido à exiguidade do espaço da tabanca para fazer a manobra. Por fim, ao cabo de uma ou duas horas, lá conseguimos resolver a situação. Nessa noite não chateou o IN, mas chatearam os burros!

Finalmente, de 19 de Agosto a 21 de Setembro de 1972, ainda fiz uma perninha na CART 3417, pertencente ao COP 7, onde se encontrava o 29.º PELART em Ganjuará (Península de Gampará) na confluência dos rios Geba e Corubal a norte de Fulacunda, felizmente sem problemas.

Companheiros, presentemente sou Tenente-Coronel do SGE, presto serviço no Ministério da Defesa Nacional e tenciono passar à reserva em 16-11-2008.

Junto duas fotos: 1.º Cabo (Gr Art N.º 7 – Guiné); Ten Cor (actual)

Despeço-me com muita amizade e elevada consideração com abraços a todos os ex-combatentes: Portugueses e Africanos.

Lisboa, 10 de Novembro de 2008
José Francisco Robalo Borrego

2. Resposta enviada ao nosso novo camarada em 12 de Outubro de 2008

Caro camarada:

Na qualidade de relações públicas da Tabanca Grande, estou a responder-te em nome dos editores do Blogue.

É um prazer receber na nossa Tabanca mais um Oficial Superior do Exército, onde contamos já com a colaboração do Cor Ref António Marques Lopes, Ten Cor Rui Alexandrino Ferreira, Cor Ref Hugo Guerra, Cor Pereira da Costa e Cor Ref Coutinho e Lima. Contamos ainda entre os nossos amigos o Cor Cmd Ref Carlos Matos Gomes. Espero não ter cometido a falta grave de esquecer alguém.

Estamos curiosos pelo conteúdo das tuas histórias pois tiveste um percurso militar digno de registo. Na mesma comissão chegaste como 1.º Cabo e saíste como Furriel do QP. Fizeste mais alguma comissão de serviço ou foste salvo pelo 25 de Abril?

Com respeito às nossas normas de conduta, podes consultá-las no lado esquerdo da nossa página assim como aquilo que nós (não) somos

Consideramo-nos camaradas em toda a acepção da palavra e não levamos em conta os postos militares e a posição na sociedade civil. O respeito é a nossa divisa, tanto na discussão das ideias, como na diferença das convicções religiosas, políticas e outras. Assim o tratamento por tu é normal dentro da nossa Caserna.

Caro Robalo Borrego, entra, instala-te e começa a conhecer as pessoas e os cantos da casa.

Agora um apontamento de ordem mais pessoal. A dada altura do teu mail, dizes que fizeste uma perninha na CART 3417. Esta Companhia é-me particularmente familiar, porque foi a minha Companhia (CART 2732) que a acompanhou no IAO, em Mansabá. Por outro lado, há um acontecimento trágico registado no dia 28 de Agosto de 1971, dia em que o CMDT da 3417 que tinha saído sozinha, pisou uma mina AP na zona de Manhau. Foi o meu Pelotão que o foi evacuar ao mato, vindo na minha viatura no regresso ao Quartel sempre assistido pelos enfermeiros. Como a meio da tarde ainda não tinha sido evacuado para o MH 241 por meio aéreo, fizemos uma directa em coluna auto até Bissau, onde o deixámos para tratamento. Nunca mais soube nada desse, na altura, jovem capitão.

Caro camarada, recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores em particular.

Carlos Vinhal

OBS:-Como brevemente vais passar à situação de Reserva, se mudares de endereço, não te esqueças de nos informar da alteração.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390: Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

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