quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3415: Histórias engraçadas (António Matos) (2): Bifes, ratos, Irish Coffee e até o IN em dia de anos (António Matos)

Aquele aniversário > 10 de Novembro 1970


Faltam 4 dias... para comemorar o meu 60º aniversário.



Mas naquele dia alguns camaradas de armas que comigo partilhavam aquele SPA em Augusto Barros, recordarão também outras peripécias dignas de uma taça de champagne bem levantada numa verdadeira exortação à vida!

As histórias da guerra não podem nem devem ser só com referências a um qualquer Requiem ainda que a memória dos que já partiram deva ser respeitada e recordada para efeitos de memória futura.

A história passa por todos nós e este blogue, quero crer, terá uma divulgação cada vez maior, e extravasará as fronteiras da comunidade dos ex-combatentes da Guiné e tornar-se-à um documento vivo e na 1ª pessoa para um dia poder pertencer ao acervo, quiçá, duma Torre do Tombo...

Mas voltemos a recuar 38 anos...

A manhã despertara com um céu azul e, às primeiras horas, um grupo de indígenas da tabanca dirigiram-se ao destacamento para oferecer ao alferes uma peça de carne digna de referência.


Augusto Barros, com Bula a Norte. Depois de passar João Landim, era sempre a andar até Bissau e à civilização, electricidade, o frango assado no Solar dos 10, o ar condicionado, enfim outras guerras...

O desenrolar do dia viria a demonstrar, porém, que a amabilidade escondia uma acção muito pouco prazenteira e que um menisco ainda hoje a incomodar, é o sinal mais evidente.

A rotina e contra-rotina diária a que eu me obrigava por motivos de segurança, não deixou de ser seguida nesse dia mas, entretanto, ia-se preparando a festa. O jantar não seria arroz com arroz mas sim bifes! Suculentos!

Uma terrina cheia foi alocada ao buraco cognominado de messe onde havia uma mesa rectangular com bancos corridos e onde a terra lateral funcionava de guarda-louça.

À noite era reconvertido em casino e lugar de tertúlia onde as entradas, não sendo reservadas, eram, contudo seleccionadas dia-a-dia.

Naquela noite, entre outros, o Asdrúbal era visita da messe.

Ao fim da tarde esperava-se a chegada do capitão que se deslocara a Bissau afim de trazer vitualhas a condizer com o dia. Chegou, enfim, e logo deu a sua lição de homem sabedor destas coisas.Comprou natas e 1/2 dúzia de copos de cristal e café de 1ª categoria....

Entretanto os bifes começaram a cheirar e a tal terrina foi posta no tal guarda-louça...

Um visitante inesperado, ou nem tanto

Por verdadeiro acaso, tive necessidade de entrar na messe e eis senão quando deparo com um cenário horrendo. Um rato de dimensões absolutamente assustadoras passeava-se na borda da terrina e ia lambericando a bifalhada.... C'os diabos! Que fazer?

Tive alguma contenção premeditada limitando-me a enxutar o paquiderme... A ideia era não fazer alarido do que vira sob pena de estragar o jantar a toda a malta.

Pela minha parte, restava-me contentar com o arroz na esperança de que esse não tivesse sido detectado por tamanho terrorista!

Como verdadeiro jantar estival numa esplêndida varanda dum qualquer hotel 5 estrelas, os convidados começaram a chegar...

Recordo o Asdrúbal num sumptuoso traje de calção curto e botas de lona sem atacadores, camisa aberta e com grandes manchas de suor debaixo dos braços, fralda meio saída, mas com uma extraordinária boa disposição e uma alma cheia de bom homem. Depois chega o capitão...

Entrámos no salão...Dei uma olhadela de soslaio à terrina dos bifes e nada fazia supor o espectáculo de há uns momentos atrás.

O manjar foi digno de reis e até fiquei na dúvida se uma bela lambuzadela de rato não delicia ainda mais um bom e suculento bife...

Passámos aos finalmente. O whisky, como todos nos recordámos, existia em quantidades suficientes e a preços de LIDL, naquelas paragens. E o capitão explicou...Íamos beber Irish Coffee!

Claro que Irish Coffee, à semelhança de champagne, não podia ser bebido em taças de alumínio! A mistura em partes iguais de café e bom whisky era fundamental.

A bebida tinha que ser coada pelas natas que aderiam às bordas do copo de cristal. O protocolo naquele ambiente não primava pela cerimónia, razão pela qual o Asdrúbal (e não só) bebeu o 2º Irish Coffee imediatamente a seguir ao 1º, altura em que o capitão informa que aquilo era uma bomba de efeito retardado.

O efeito Irish Coffee

Só o confirmámos mais tarde quando, acabada a sessão de lerpa que se seguia ao repasto, os convidados se começavam a levantar.

Foi assustador pois as pernas não obedeciam ao normal esquerdo-direito-op-2 e vai daí, registou-se o coma alcoólico do Asdrúbal que duraria 48 horas! A pedrada foi tal que passou várias horas debaixo do chuveiro de campanha (bidão com água e com furos no fundo) durante as quais aconteceu um ataque [do PAIGC] ao qual respondemos com galhardia, evitando baixas mas ouvindo alguns ai-ais do lado de lá a entusiasmarem-nos por estarmos a acertar no objectivo!

Eu completara 22 anos e aquilo não era maneira de comemorar tão fantástica idade, bolas!

Se eles me estiverem a ouvir, daqui vai um abraço ao Sucena, ao Cardoso, ao Barros Leite, ao Benigno Abreu, ao Asdrúbal, ao Salvador, ao Reis, ao Guedes Vaz, ao Alves Matos e não sei se caberia mais alguém no buraco...

António Matos

ex-Alf Mil
CCAÇ 2790
Bula 1970/72

__________

Notas de vb:



1. Negritos e títulos da responsabilidade do editor.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ant Matos, parabéns. Vou tb beber um copo. Com esta idade já não é a mesma coisa , mas sabe melhor , para quem pode beber.
Jorge Félix

António Matos disse...

Obrigado Jorge Félix !
Um abraço,
António