sábado, 11 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Vista aérea de Mansabá, onde a CART 2732 permaneceu entre 21ABR70 e 23FEV72
Foto de Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732, Mansabá, 1970/72.


Caros camaradas, considero para mim ter tido dois baptismos de fogo na Guiné.

O primeiro que conto hoje, foi no dia da chegada a Mansabá e, um outro passados pouco mais de cinco meses, quando tive a primeira intervenção na neutralização de duas minas antipessoais, alguns minutos após ter morrido o meu oficial de Minas e Armadilhas.


O meu baptismo de fogo,
por Carlos Vinhal

Depois de desembarcar em Bissau em 17 de Abril de 1970, ida da Ilha da Madeira a bordo do Ana Mafalda, a CART 2732 permaneceu em Bissau até ao dia 21. Pela manhã saímos devidamente escoltados por uma força do BCAÇ 2885, sediado em Mansoa, com destino a Mansabá. Breve paragem em Mansoa e prosseguimos viagem, agora acompanhados por forças da CCAÇ 2403, Companhia que íamos render.

Muitos cuidados neste trajecto particularmente difícil, onde iriam perder a vida, mais tarde, dois camaradas nossos.

A recepção em Mansabá decorreu dentro da normalidade, com alguns cartazes que nos faziam lembrar a nossa condição miserável de periquitos e o quanto estávamos afastados de Lisboa e da família.

Como chegámos perto da hora de almoço, fomos avisados de que não precisávamos de recorrer às nossas Rações de Combate, pois tínhamos almoço de faca e garfo, oferecido pelos nossos anfitriões. Bom prato de batatas fritas com fiambre, salsichas e ovos estrelados, sopa e sobremesa, cerveja fresquinha a acompanhar e tudo isto à borla. O dia prometia.

Acabado o repasto, fomos dar um passeio de reconhecimento pela tabanca, ao longo da avenida principal, onde pudemos ver as montras, as garinas com as mamocas à mostra (ainda um pouco perturbador), etc. O conjunto era um pouco desolador e um tanto estranho para nós que há apenas 4 dias tínhamos chegado à Guiné. Crianças com barrigas enormes, sinal de má nutrição, pessoas e animais esqueléticos, produto da falta de condições básicas, mau grado o esforço da tropa e do governo de Bissau para tentar suprimir essas necessidades.

Regressámos ao conforto e segurança do arame farpado. A tarde foi passando, ouvindo as histórias dos velhinhos, mais ou menos inventadas para impressionar periquito, primeiros contactos com o whisky, a Fanta, a Coca-cola, o Gin tónico, a mesa de pingue-pongue, cartas e tudo o mais que ajudava a matar o tempo naquela desolação.

Por volta das 17 horas ouvimos uns sons, ainda estranhos para nós, mas que ficámos a saber se chamavam saídas, algures vindo de fora do aquartelamento. Passados segundos, começaram a cair morteiradas por todo o lado e ouviam-se distintamente os tiros de armas ligeiras com uma cadência muito superior às nossas G3, eram as famosas costureirinhas, disseram-nos. Os velhinhos mandaram-nos para os abrigos e que ficássemos lá quietinhos até a guerra acabar.

Quando as armas se calaram, fez-se o balanço dos estragos, tendo-se concluído que tinha sido a população a pagar a factura mais cara da chegada de nova carne para canhão a Mansabá. Tínhamos sido praxados com a dura realidade.

A esta distância, a recordação que me ficou foi de estupefacção, pois não imaginava que a guerra começasse sem nos ambientarmos primeiro. Que diabo, o IN podia ter mais compreensão, tínhamos chegado há pouco mais de 4 horas e já embrulhávamos!!!

Da HU da CART 2732 consta:

21 ABR [1970]- Chegou a Mansabá a CART 2732 destinada a render a CCAÇ 2403.

21 ABR [1970] - O IN flagelou Mansabá, durante 5 minutos, com Mort 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.


Pergunta lógica: quem dormiu descansado naquela primeira noite em Mansabá? Eu não.

1 comentário:

Anónimo disse...

Amigo Vinhal... não dormiste descansado nessa noite de 21 de Abril de 1970... dizes tu...
E eu tambem não, claro!
Mal chegamos.... nem nos deram tempo para respirar um pouco...
Mas o pior estava para vir... longos 23 meses... esses que passamos juntos.
Fernando Nunes
Ex-furriel miliciano ... do nosso 3º pelotão.
Tantas histórias para contar!!! Verdadeiras histórias de um passado longínquo... mas tambem tão próximo!