sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3197: Os nossos regressos (16): Bendita hepatite...(Henrique Matos)


Ilustração de Joana Graça (2008), designer e filha do Luís Graça, para "Os nossos regressos". Com os nossos agradecimentos.



Um regresso... inesperado!!!


Nos finais de 1967 (isto de datas e outros pormenores varreram-se completamente da minha memória, vamos a ver se arranjo uma oportunidade para consultar o meu processo) estava colocado no Comando Chefe em Bissau, aquele edifício que ficava nas traseiras do Palácio do Governador.
Tinha como missão preparar as reuniões do então Governador Arnaldo Schultz com os comandantes dos 3 ramos, que se realizavam ao fim da tarde numa sala específica que tinha numa das paredes um grande mapa da Guiné.
O serviço, onde apenas entrava eu, um major e um coronel, consistia em receber os relatórios diários e transpôr para o mapa todos os dados (operações, mortos, feridos, capturas, acções IN, minas, bombardeamentos, etc..) de tal forma que ao fazer uma leitura do resumo no início da reunião fosse rapidamente perceptível a situação no terreno. No mesmo edifício havia ainda pelo menos outro departamento ligado à espionagem.


No jardim do Comando Chefe com um militar da Força Aérea ali colocado.


Já agora uma pequena historieta para desanuviar. Certo dia aparece-me o brigadeiro que comandava o exército com ar irritado e diz:
- Sr. Alferes, vá lá fora e ensine ao sentinela que deve apresentar armas a um oficial superior.
Fiquei admirado com a atitude até porque nem conhecia os elementos que faziam a guarda, mas havia que obedecer e lá fui. Deparei-me com um soldado com todo o aspecto de periquito acabado de desembarcar, tolhido de medo, pois tinha levado um raspanete do brigadeiro, que percebia pouco de manejo de armas e ainda menos de galões, sobretudo quando se tratatava da marinha. Lá lhe ensinei uns rudimentos, mas, como vi que cada vez se atrapalhava mais, disse-lhe:
- O melhor é apresentar armas a toda a gente porque aqui quase tudo é de coronel para cima.
Quando um dia de manhã me apresento, como era habitual, no gabinete do coronel, este fixa-se nos meus olhos e diz:
- Você está com uma bruta icterícia, vá mas é já para o hospital.
Assim mais uma vez entrei no célebre HM 241 e, após a consulta , fiquei logo internado no pavilhão de isolamento onde só havia hepatites. Passados poucos dias vem a notícia que ia ser transferido para Lisboa.


DC6 no aeroporto de Bissalanca. Foto retirada, com a devida vénia, do site Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, criada pelo nosso camarada Victor Barata, a quem mandamos um abraço de parabéns pelo sucesso do seu blogue.


Levaram-me então para o aeroporto de Bissalanca onde já estava um DC6 da Força Aérea a carregar militares, quase tudo feridos graves, vários em macas. Dentro do avião respirava-se um ar pesado, cheirava muito a desinfectantes e lembro-me que quando levantou reparei que um dos motores da asa do meu lado deixava cair óleo e pensei:
- Será que esta traquitana chega mesmo a Lisboa?

E chegou, mas às tantas da noite, indo estacionar no Figo Maduro, longe de olhares. Ao fundo da escada de desembarque já havia ambulâncias e outras viaturas militares onde fomos metidos e conduzidos aos hospitais, a maioria para o da Estrela e no meu caso para o HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas). O internamento foi longo mas eficaz, chegando ao mês de Abril do ano seguinte [1968]. Então, como as análises apresentavam valores normais e já perfazia cerca de 20 meses de comissão, carimbaram um papel e mandaram-me à vida.

Henrique Matos
Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68).

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1 comentário:

Anónimo disse...

Olha lá, ó Henrique, não me digas que apanhaste a hepatite a comer bananas e a beber cerveja em jejum...eheheh

Houve um gajo lá do Batalhão que tentou essa estupidez e a única coisa que agarrou foi uma bruta dor de estômago....

Grande abraço para o meu amigo e meu comandante
Joaquim Mexia Alves