quarta-feira, 18 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos.

A guerra estava militarmente perdida?

1. Mensagem de Juvenal Amado de 12 de Junho:

Caros camaradas da Tabanca Grande.

Com a polémica a chegar ao fim, (ou não) não posso deixar de tornar os meus pensamentos transparentes e dizer também o que penso.
O medo dos Migs era real, pois foram distribuídos cartazes com fotos identificativos dos referidos aparelhos, em variados destacamentos.

É verdade:

Que nós não tínhamos meios de autodefesa contra esse tipo de ataque.
Que a nossa Força Aérea, já dificilmente cumpria a sua missão de apoio às tropas debaixo de fogo.
Que os helis e Dorniers voavam rente ao chão e de preferência, por cima das estradas e rios (mesmo assim levavam rajadas de automáticas).
Que os batalhões cumpriam 26, 27 meses, por não haver homens para formar novos batalhões e assim serem rendidos.
Que havia movimentos, para que os soldados se negassem a embarcar.
Que se não temesse o efeito dominó a Guiné já teria sido abandonada.
Que os destacamentos junto à fronteira, estavam a ponto de terem que ser evacuados.
Que as nossas armas mais emblemáticas (Chaimites, Fiats) se tornaram obsoletas, graças aos mísseis e novos RPGs (emboscada entre Bafatá e N. Lamego, onde a Chaimite foi varada por munição anticarro).
Que estávamos a um passo de ver os ex-Alferes, que já tinham cumprido comissões serem chamados a cursos de capitães, e serem obrigados a combater novamente, em novas comissões. A vez dos outros (furriéis, cabos e soldados) também chegaria a seu tempo.
Que na (Metrópole) a resistência ao regime, desencadeava cada vez mais acções de sabotagem (caso dos helis, centrais eléctricas e navio de transporte de tropas Cúnene dinamitados pela ARA).

Que os Portugueses estavam fartos.

Quanto se utiliza o relato de actos de bravura dos nossos soldados, para se negar o que era inegável.
A derrota militar era uma realidade.
As derrotas militares são normalmente precedidas do sofrimento das populações civis. O Povo Português estava casado de sofrer.
Se não se tem promovido etnias em desfavor de outras. Se não se tem promovido a cavaleiros do Império, soldados oriundos das populações indígena, que fizeram em muitos casos o trabalho “sujo”, a guerra teria durado ainda menos.
Quando li as opiniões de alguns nossos camaradas sobre a questão, fiquei perplexo.
Parece que falam de outra realidade.
Na opinião deles, este país que vivia num atraso tal que competia com as próprias colónias, tinha condições para se manter como a última potência colonial. Contra tudo e contra todos.
Na minha opinião há de facto falta de realismo nesta visão e 34 anos após a revolta dos que lá combatiam alguns ainda mantêm o sonho inexplicável do Império Colonial.

Juvenal Amado
__________

2. Mensagem do Mário Beja Santos de 12 de Junho:

Luís, Graça Abreu, estimados tertulianos,

Regresso à polémica com os Strella e a falta de contrapartida e à delicada questão da "Guiné defensável", introduzida no texto do Graça Abreu.

Primeiro, foi a dupla Nixon/Kissinger que decidiu a perda de supremacia militar. Circunstâncias? Tudo quanto se passou depois de 6 de Outubro de 1973 foi decisivo para o colapso militar na Guiné. A diplomacia norte-americana sentia sérias dificuldades em continuar a apoiar-nos no Conselho de Segurança, começava a abster-se nas votações decisivas.

Com a Guerra dos 6 Dias, a Base das Lajes tornou-se vital para apoiar Israel. Convido todos os interessados a lerem "Nixon e Caetano – Promessas e abandono", por José Freire Antunes, Difusão Cultural, 1992. Está lá tudo contado, a partir da página 263.
A 12 de Outubro, Kissinger solicita ao Governo português autorização para a cedência da base dos Açores. Caetano está ausente, Rui Patrício procura Tomás em Belém, este recusa a cedência.
A Europa retraíra-se perante o risco do embargo petrolífero, Espanha, Turquia, França, Reino Unido e Alemanha interditaram as suas bases para o trânsito de aviões norte-americanos. A mensagem de Kissinger às primeiras horas de 13 para o Ministério dos Negócios Estrangeiros é ameaçadora: fala das reacções do Congresso, na necessidade de uma paz estável no Médio Oriente, aguarda imediatamente uma resposta. Patrício responde referindo a neutralidade no conflito israelo-árabe, invoca as possíveis retaliações, pede garantias a Washington e uma atitude de condenação à proclamação da independência da Guiné.
E escreve explicitamente: "O Governo português formulou ontem um pedido específico a que atribui a maior importância e urgência. Estamos defrontando neste momento perspectivas de séria ameaça de escalada da agressão nas nossas províncias ultramarinas, e muito especialmente na Guiné (...) que pode ter possibilidades de concretização, nomeadamente na utilização de meios aéreos de bombardeamento naquela província. Para lhe fazer face, necessitaremos com a maior urgência de dispor de meios defensivos que nos permitam neutralizar a superioridade de armamento dos nossos adversários".

Freire Antunes recorda uma outra nota do embaixador Hall Themido para Kissinger:

"Relativamente ao fornecimento de materiais defensivos que temos em vista... se trata designadamente de mísseis terra-terra para a hipótese de enfrentarmos ataques blindados e mísseis terra-ar para eventual defesa contra aviões. Sabemos que os EUA produzem um míssil Red Eye... atribuímos primeira prioridade à satisfação do nosso pedido de entrega imediata de mísseis terra-ar, que poderá mesmo efectuar-se nos Açores".

Ao fim da tarde do dia 13, no momento crítico da batalha do Sinai, quando ainda havia o risco de um desaire israelita, Nixon envia um ultimato a Caetano onde se diz explicitamente:
"Devo dizer-lhe com toda a franqueza que a sua recusa em ajudar neste momento crítico, forçar-nos-á a adoptar medidas que não deixarão de prejudicar as nossas relações".
Como é sabido o Red Eye nunca veio, a soberania na Guiné foi reconhecida por mais de oitenta Estados. O desequilíbrio militar passara a existir.

Segundo, a questão da Guiné defensável, que o Graça Abreu brande, usando uma expressão de Caetano. Pego em "Marechal Costa Gomes, no centro da tempestade", pelo historiador Luís Nuno Rodrigues (A Esfera dos Livros, 2008), a partir da página 101.
Depois de tudo quanto se passou em Guidaje, Guileje e Gadamael, Spínola escreve a Costa Gomes solicitando um reforço de tropas e meios disponíveis. Costa Gomes visita o território. Spínola escrevera a Costa Gomes o seguinte: "O PAIGC passara a ter novos meios que lhe davam a possibilidade de isolar povoações de fronteiras e sobre elas desencadear potentes e prolongadas acções de fogo, em manifesta situação de superioridade sobre as nossas guarnições, dotadas de armamento obsoleto".
É nessa data que Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: "Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar". Já não havia dinheiro para meios adicionais, os nossos diplomatas, como aqui se dirá mais tarde, andavam desesperados a pedir armamento aos nossos aliados.

Tudo nos foi negado. Costa Gomes propõe uma modificação do dispositivo defensivo da Guiné, sobretudo a retirada de todas as forças nas fronteiras para uma zona em que não fossem atingidos pelos morteiros 120.
É nessa altura que Costa Gomes comunica a Marcello Caetano que a Guiné é defensável caso o dispositivo fosse modificado, retirando para o interior as guarnições militares que estavam a defender as povoações localizadas junto à fronteira. Mas havia uma ressalva: o PAIGC podia vir a utilizar os MIGs e se estes bombardeassem Bissau "nós perderíamos imediatamente a guerra".

Não vale a pena desdenhar deste argumento do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Vem nos jornais que em Outubro de 1974 os MIGs da nova República da Guiné-Bissau aterraram em Bissalanca pilotados por guineenses que tinham estado a preparar-se com o apoio da URSS. Espero que não seja necessário ir à Hemeroteca para citar a chegada dos MIGs a Bissau.

Voltando ao essencial, Spínola pretextando não estar disposto a abandonar as populações, demitiu-se. Em Setembro, tomou posse o general Bettencourt Rodrigues que não contestou este dispositivo, não teve tempo de o aplicar.

Parece-me útil pormos um conjunto de protagonistas a falar sobre a evolução da Guiné de 1973 para 1974, é o que procuraremos fazer no próximo texto com base nos dois volumes da Guerra de África que José Freire Antunes publicou no Círculo de Leitores, em 1995.

Confio que esta argumentação clarifique porque é que escrevi e mantenho que a guerra na Guiné estava militarmente perdida.

Aproveito para recordar ao Joaquim Mexia Alves que a generalidade dos nossos camaradas da Guiné desconheciam o que se estava a passar quanto ao armamento e à procura de soluções para se repor o equilíbrio. Por favor, não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso.

Um abraço para todos do

Mário Beja Santos
__________

Notas:

1. Adapatação do texto da responsabilidade de vb.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio >
Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 >
Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

1 comentário:

Anónimo disse...

Interminável...mas gostei da "rajada" do J.Amado. Pois! O M. B. Santos bate na "burra" e ela a fugir. Mas é meu caro Mário. Agora admite diferente forma de pensar. Quando foste não sabias? Não me desiludas...eu estive no mato contigo e sei como combatias. Porquê? Pensa nisso querido amigo! Não entro em pormenores que só a nós dizem algo. Depois ainda aparece alguém a dizer...lá estão aqueles...isso...e é interminável. Dá um bonito dossier.
Abraços do Torcato
Não comento o post abaixo deste... vou juntando e se um dia me apetecer mando uma rajada á " Juvenal Amado"...