terça-feira, 18 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2660: Notas de leitura (10): Jorge Félix, o nosso piloto aviador, fala do livro do Beja Santos e evoca o Alf Mil Brandão (CCAÇ 2403)

1. Mensagem do Jorge Félix, o primeiro piloto aviador a aterrar na nossa Tabanca Grande (1)... Vive em Vila Nova de Gaia, foi Pil Av Al III, entre 1968/70 (2). Bateu todos os ceús da Guiné, incluindo os do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole...

Caro Luís,

Junto o e-mail que enviei ao Beja Santos, não como crítica, mas mais para esclarecer. Não vejo inconveniente algum que o leias e dele o que de bom tiver seja aproveitado para nosso Blogue


2. Mensagem enviada ao Beja Santos:

Senhor Beja Santos,

Bem-haja. As suas recordações fazem-nos bem. Os estilhaços da memória falam de muita gente com quem também convivi.m O Pimbas, o Hélio Felgas, o Caco Baldé (Brigadeiro Spínola), O Capitão Bruno.

Que satisfação ter recordado a figura do Zé Paz, julgo que o encontrei em todos os casinos da Guiné.

Claro que foi o mundo de Bambadinca. Estão para escrever os de Aldeia Formosa, Buba, Tite, Teixeira Pinto, ... como escreveu o Patrão, na altura Ten Pil Av:

Bissau, Olossato, Cuntima, Bedanda,
Farim , Catió, Mansabá, Mansoa,
Terras de um todo que irei voando à toa,
Irmãs de muitas outras em infernal sarabanda,
De ódios, de paixões, de luta e morte.
De mal que te fiz eu? …


Do seu livro Diário da Guiné 1968/1969, e é esta a razão do e-mail, há dois nomes que vou destacar se me permite. O do Alferes Brandão e o do furriel Casanova. Ambos voaram comigo.

Espero que este Casanova seja o Furriel que mais tarde, nos anos oitenta, veio a ser Presidente da Câmara de Barcelos, cidade de onde é natural. Como não tenho a certeza falo só de uma boleia que dei de Bissau para o quartel onde na altura prestava serviço. Julgo que vive em Luanda. (o Casa tinha umas manchas nas mãos, despigmentação).

(i) O meu amigo António Luís de Freitas Brandão, cujo cadáver transportei para Bissau

Sobre o Brandão, natural de Braga, Sportinguista e bom camarada, gostava de contar um pouco mais, por ele e por todos os que como ele nos fugiram.Fui colega de escola e liceu, Sá de Miranda de Braga, onde terminamos o sétimo ano. Fui como voluntário para a FAP e o Brandão foi para o exército.

Encontrei o Luís na Madeira, quando lá fui na passagem de ano de 67. Eu de férias e ele no exército a terminar o tempo de tropa. Já não contava ir par o Ultramar. Em Setembro de 68 aterro em Bissalanca e um dia (?) em Bambadinca, encontro o Brandão. Tinha sido apanhado.

Pouco depois de termos posto a roupa suja em dia , disse-me:
- Eu não vou sair daqui!

Era um dito que muitas vezes tive que contornar com os habituais:
- Estás doido, não penses nisso, oh pá , vamos mas é beber um copo...

O Brandão tinha razão.Um dia, na sala de operações da BA 12 cai um pedido para evacuar um oficial cadáver. Era um voo para as seis da manhã. Algo me dizia que era o Brandão. Ofereci-me para este TGER.

Enquanto tratavam de o colocar no heli que eu pilotava, contaram-me como tinha sido. Numa emboscada, o Brandão e demais camaradas apanharam algum armamento ao IN. No regresso ao aquartelamento voltaram a ter contacto com o IN. Um elemento que transportava algum do armamento capturado, enquanto rastejava para se defender, não reparou que o gatinho de uma das armas apreendida se prendeu algures e disparou a bala que se alojou na cabeça do Brandão, matando-o (3).

Transportei o Brandão para o hospital de BS [Bissau]. Bebi um copo pelas suas brincadeiras, outro pelas suas certezas.Nunca mais falei deste acontecimento, até ter perguntado à uns dias ao Luís Graça se tinha ouvido falar de um Brandão em Bambadinca.

Bem-haja por ter recordado o Brandão (4). Só por isto valeu a pena o livro.

Enquanto o lia, imaginei as milhentas histórias que há por contar. Sabe que no dia em que houve o acidente no Saltinho, morreram muitos Madeirenses na ZOPS de Teixeira Pinto, e perto de Bissau vários militares foram estilhaçados por várias granadas que explodiram no transporte em que se seguiam?

Isto sei eu pelos meus registos, que constará nos outros meus camaradas? Não se terá evitado contar a guerra para não ferir as glórias e feitos de cada um?

(ii) O meu heli também voava de noite
Obrigado por ter posto um Heli na sua capa. Gostaria de esclarecer que os pilotos portugueses, e na Guiné, faziam voo nocturno.Na pg 136 fica-se com a ideia que "helicópteros portugueses nunca circulam de noite". Eu fiz, tenho isso registado, 21horas 20 minutos de voo nocturno em Operações.

No dia 19 de Maio de 69 fiz uma evacuação (TVES) do Xime para BS tendo a última meia hora ter sido feita de noite. Falo de Xime porque é uma terra por onde também andou. (Aconteceu ter ido com um heli, passar a noite a um acampamento (?) onde já teriam visto helis do IN a fazer evoluções de noite. Fomos atacados, não atingiram o nosso Heli , não vi nenhum Heli IN).

A história do saco de farinha lançado de 15 metros de altura, pg 59, é caricata. Era mais fácil fazer estacionário a 3 metros de altura, havia menos perigo, mas mesmo com o heli no chão, sem cuidado o saco podia rebentar. Tentemos colocar-nos no lugar dos aviadores e sentir o gozo que terão hoje a recordar esse acontecimento.

Na pg 123, se havia algum rancor (!), com a frase "Havia que sair daquela floresta e chamar um helicóptero bendito», ele voou.

Finalmente, e foi assim que eu li o seu livro, gostei de ler (Pg 204). «Nisto, uma trovoada de rotores anuncia uma série de chegadas aflitivas: o helicóptero desce, saem homens que gritam,...o heli parte e logo aterra outro, o espectáculo repete-se...Parece um filme, aliás foi assim que sempre vi a guerra da Guiné".


(iii) O Cândido Lima, alferes, que no mato tocava Bach e Chopin num piano vertical

Não me leve a mal falar-lhe da sua selecção musical. Foi um privilegiado, como pode imaginar, mas ao pedir-lhe desculpa é por ir falar de um outro megalómano que tem direito ao meu espanto. Um Alferes miliciano levou para o mato um piano vertical onde diariamente tocava Chopin, Bach,... o seu nome Cândido Lima. Outra história para ser contada.

Parabéns pelos livros que conseguiu ler.

A carta final é um bom fecho da elipse cinematográfica que pretendeu dar ao seu livro.

Bem-haja, só não gostei de ver o Casanova acabar muito doente, melhor, não se sabe o que lhe aconteceu.

Nós por cá todos bem.

Jorge Félix
ex Alf Pil Av
Guiné 68-69-70

Vila Nova de Gaia, 10 de Março 2008.

3. Nota final do Jorge Félix:

Depois deste e-mail Beja Santos informou-me que poderia conversar comigo depois de Abril pois anda muito ocupado a escrever o segundo livro de memórias. Sossegou-me com o Casanova, e eu descobri pela memória que estava equivocado, há um outro Casanova e recordo-me agora era Alferes.

Vou ler as histórias do nosso blogue , um outro livro, cheio de amor, de saudade e amizade.

Jorge Félix

_________

Notas dos editores:

(1) Substítulos da responsabilidade dos editores.Aguardamos as duas fotos da praxe, para pôr na nossa fotogaleria.

(2) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

(3) António Luís de Freitas Brandão, Alf Mil Exército, morto na Guiné, por acidente, em 18 de Setembro de 1969. Era natural de Braga, freguesia de Real. Pertencia à CCAÇ 2403 / BCAÇ 2851 (1968/70).

Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos do Ultramar Moçambique - Guerra do Ultramar

(4) Vd. poste de 29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma

(...) "Em Bambadinca, a 30 de Agosto [de 1968], de um regresso a uma vigilância em Mato de Cão, tinha um maço de fotografias reveladas à minha espera. Muitas delas ajudam-me agora a reconstituir os estilhaços da memória. Eu no Uige, sozinho e acompanhado. Numa delas estou ao lado do Brandão. Despedimo-nos a 31 de Julho, ele seguia para Bula, eu parti para outra oblíqua, em direcção ao Geba. Ver-nos-emos mais tarde, na Op Anda Cá, em Fevereiro [de 1969][, pela última vez. Brandão, tu eras zombeteiro e caçoavas permanentemente dos acasos da fortuna. Eras um verdadeiro minhoto. Nesta fotografia tu sorris. Na minha recordação, tu levas duas granadas lança-foguete ao ombro quando, a escassos metros dos teus pés, rebenta um fornilho. Com o rebentamento, revolteias numa nunvem de salitre e clamas:- Meu Deus, estou morto!

Não ganhaste para o susto. Numa cratera ali ao teu lado um dos teus soldados deixou os ossos triturados e Fodé Dahaba chora mansinho. Mais tarde, por aerograma, um amigo avisa-me:- O Brandão finou-se.

Foi um acidente estúpido, um soldado seguia à frente dele com a G3 no ombro, o cano virado para ele. Foi um acidente estúpido, um arbusto destravou o gatilho, a bala entrou-lhe pela fronte. Mais estúpido de tudo é que no caixão, sossegado, parecia dormir serenamente" (...).

3 comentários:

Anónimo disse...

Este interessante Post do Jorge Félix veio trazer-me duas recordações. Conheci o Cândido Lima em Bolama onde tinha o seu piano e sentei-me várias vezes ao seu lado para o ouvir e vêr compôr. A outra recordação é do então tenente Bettencourt (meu conterrâneo e também Piloto de Helicóptero) que esteve na Guiné em 67/68 e provavelmente o Jorge Félix conheceu, e que viria a ter um fim trágico em 5/7/1978 no acidente com um Aviocar da BA4 na Serra de Santa Bárbara na ilha Terceira. Tenho uma fotografia com ele numa evacuação do Enxalé que um dia irá para o Blog.
Henrique Matos

Anónimo disse...

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