segunda-feira, 3 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2606: Estórias de Juvenal Amado (5): Uma estória de amor



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74



1. Mensagem de Juvenal Amado de 22 de Fevereiro de 2008

Caros camaradas
Esta é uma pequena estória passada numa das minhas permanências no destacamento do Saltinho.
Penso estar recordado do mais importante. Em todo o caso os camaradas do Saltinho que se lembrem deste episódio, peço, enviem-me o parecer.

Um abraço
Juvenal Amado



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte e do aquartelamento do Saltinho

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados


2. O Homem Grande, a Bajuda e o Fuzileiro
Uma estória de amor

O Saltinho ficava isolado na época das chuvas, chegando a haver rotura nos mantimentos alimentares.

Quando se chegava à situação de nem haver arroz, era grave.
Esta, era uma dessas ocasiões e a única solução era a Aldeia Formosa nos dispensar alguns géneros.
Assim, deslocámo-nos alguns quilómetros para uma zona onde o Rio Corubal podia ser atravessado por canoas.

Chegámos à beira do rio, montou-se segurança e aguardámos que a travessia se concretizasse.

Lá vinham os barcos com a nossa bianda, mas também vinham a bordo várias mulheres.

A travessia não estava a ser pacífica. Entre as mulheres notava-se alguma agitação. Com o aproximar dos barcos, também vozes e choro se começou a tornar audível.
As canoas encostaram à margem, descarregou-se os sacos de bianda ao som de choro de uma jovem, talvez com quinze ou dezasseis anos. As mulheres mais velhas, talvez umas quatro, ralhavam e seguravam a bajuda, que de forma alguma queria desembarcar e muito menos subir para a minha Berliet.

Nós, os soldados, assistíamos sem podermos intervir, pois aquele caso era quase assunto de Estado.
A bajuda vinha para casar, com o Homem Grande da Tabanca de Campala. Homem muito importante das relações (quando tinha que ser) do General Spínola.

Quando os soldados souberam o que se passava, logo ficaram do lado da jovem - O filho da p. do velho!

Chegados ao destacamento, logo a jovem foi empurrada para a tabanca e para o seu destino, em que se tornaria a décima mulher do Homem Grande.
Tinha deixado o grande amor da vida dela, um jovem fuzileiro nativo, em Aldeia Formosa. Estava inconsolável.

A noite chega rápido naquelas paragens.
Ao amanhecer, com a chegada de helicóptero que foi directo à aldeia, viemos a saber do sucedido.
O noivo, na noite de núpcias, entendeu mesmo contra vontade da noiva, exercer os seus direitos de macho. A noiva após ter esgotado por todas as formas, evitar que ele lhe tocasse, resolveu o assunto, pegando no pau do pilão e partindo uma perna ao marido.

O desditoso foi evacuado mais rápido, do que se fosse um soldado ferido em combate.
A acção psicológica assim mandava.

A jovem foi presa debaixo de uma árvore, com as mãos e pernas presas. Ia ser vergastada e ficaria presa mais de trinta dias.

Logo começou uma romaria de soldados que lhe levavam toda a espécie de guloseimas. Fantas, latas de conserva, doce e pão.
Enfim, gerou-se uma onda de solidariedade, que levou a que a pena não fosse cumprida.

Os pais da noiva terão devolvido o dote que o Homem Grande tinha pago por ela.

Ela voltou para Aldeia Formosa, com o coração a sair-lhe do peito. Lá estava um certo fuzileiro, que de certo não esperaria um final tão feliz.

Não fosse a coragem dela...

Juvenal Amado
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Nota dos editores

(1) Vd. último post da série de 23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2575: Estórias do Juvenal Amado (4): A pequena e adorável Mariama que eu conheci no reordenamento de Bengacia (Juvenal Amado)

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