sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2571: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (3): A Lusofonia e... a Arqueologia de Uma Guerra (Luís Graça / Pepito)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Restos do monumento mandado erigir, em 1972, pela CCAÇ 3477 , os Gringos de Guileje (Nov 1971/Dez 72), em honra da Nossa Senhora de Fátima e do Senhor Santo Cristo.

Foto do Xico Allen, tirada na sua viagem de 2005. Ele é o mais andarilho de todos nós, e na Guiné movimenta-se como peixe dentro de água. Desde que lá voltou em 1998, tem lá ido com frequência. Partiu de novo, ontem, numa caravana automóvel com mais duas dezenas e meia de camaradas e amigos da Guiné, do Porto e de Coimbra. A segunda vez, só este ano.

Na foto pode ler-se a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos".

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Restos de granadas de artilharia que foram andonadas pelas NT em 22 de Maio de 1973, aquando da saíde de Guileje...

Foto: © Xico Allen (2005). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > O brasão da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje), restaurado como se fosse novinho em folha... Foi a última unidade de quadrícula de Guileje, tendo abandonado esta posição em 22 de Maio de 1973, na sequência da ofensiva do PAIGC (Operação Amílcar Cabral, 18-22 de Maio de 1973).

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > "Laranjada Convento / Mafra / Marca registada"... Restos arqueológicos de uma guerra... e que hoje figuram no Museu de Guiledje. Na iamgem pode lers-se: "Composição: Sumo - Popa e óleo de laranja - Açúcar granulado - Água esterelizada / Corado artificialmente / Fabricado por Francisco Alves & Filho Lda / Venda do Pinheiro"... Houve muita gente, na Metrópole, a ganhar dinheiro com a guerra, a começar pelos industriais do sector agroalimentar... Ainda conheci o Sr. Francisco Alves e um dos seus filhos, quando trabalhei na administração fiscal em Mafra, em 1973... Constava que o seu sucesso, nos negócios, tinha começado no tempo da guerra de Espanha (1936-1939)...

Na Guiné (como de treso nos outros Teatros Operacionais), o "ventre da guerra" obrigava, por seu teu turno, a uma tremenda logística... Quantos camaradas nossos não terão morrido ou sofrido para que esta garrafa de laranjada Convento chegasse a Guileje ?

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2006 > O que resta do orgulhoso aquartelamento de Guileje, que tinha a fama de ter os melhores abrigos da Guiné, feitos pela Engenharia Militar...

Fotos: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2006). Direitos reservados (Editadas por L.G.).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Foi a nossa foto de Natal de 2005 (1) > "Apropriações"... Escreveu o fotógrafo, o Pepito: "Depois de vir ontem de Guiledje, onde tirei esta fotografia, posso-te falar de apropriação pela natureza: uma carcaça de camião com mais de 30 anos, envolvida por uma árvore que entretanto por lá nasceu. Nem que se queira, não se pode tirar o esqueleto de lá"...

Em resposta, o editor do blogue escrevia isto: "Amigos & Camaradas: É simplesmente fabuloso!... Vejam só!... Já agradeci, mais uma vez, ao Pepito (ou Carlos Schwarz, da AD, do Projecto Guiledje)… Mas ele também está à espera de contributos nossos: quanto mais não seja irmos lá inaugurar o ecoturismo de Guiledje/Cantanhez daqui a dois anos (?). Vamos fazer um concurso para a melhor legenda para esta foto. O Pepito já deu o mote: Apropriações… Eu acrescentei outra: A Mãe Natureza não perdoa nem desperdiça… Mas também podia ser: O abraço da paz"...

Logo outros camaradas nossos, da nossa tertúlia, apareceram a mostrar a sua veia poética e artística, e legendaram a foto com o seguinte:

"Uma árvore vingou-nos do absurdo ao rir-se da guerra feita ferrugem"( João Tunes);
"Íntima Cooperação Portugal/Guiné-Bissau"( Humberto Reis);
"Naturalmente fez-se História" (António Levezinho )...

Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2005). Direitos reservados (Editada por L.G.).


1. Texto do editor do blogue, L.G.:

Há tempos, há dois anos atrás, o nosso amigo Pepito fez-nos um pedido um algo insólito: precisava de um obus 14, para pôr no seu quartel de Guiledje, agora objecto de escavações, limpeza e reabilitação (2)...

Na altura eu até achava que a bizarria do nosso amigo Pepito se justificava: afinal, Guileje teria sido o único quartel das NT bombardeado pelas... NT. Constava, dizia o Pepito, que o Spínola terá mandado arrasar tudo, posteriormente à retirada da CCAV 8350. Ora esta versão não é correcta... Não sei.

O mais interessante, do ponto de vista da arqueologia da guerra , é que nas limpezas e escavações que o Pepito e a sua equipa do projecto Guiledje, estavam a fazer, em 2006, ia-se encontrando objectos do quotidiano dos tugas, alguns curiosos como garrafas de cerveja com o rótulo de papel intacto (!) ou garrafas de laranjada, como que reproduzimos acima, de um conhecido fabricante de refrigerantes de então, com sede em Venda do Pinheiro, Mafra... São de facto duas curiosas imagens de uma garrafa com inscrições pirogravadas (que hoje já não se usam)... Em suma, Guileje (ou Guiledje) é também, hoje, um estação de arqueologia militar...

Divertidas, para o Pepito, eram então as manifestações de humor (e de carinho) dos fulas para com os seus antigos aliados, os tugas... Há, de resto, gravações áudio e vídeos em que os antigas combatentes fulas, que estiveram do lado das NT, imitam descaradamente os tugas, quando estes estavam debaixo de pressão (na época ainda não se usava o termo stresse...):
- Seus c...! Seus f... da p...!

O Pepito prometeu-me depois mandar alguns excertos dessas gravações audio, reveladoras do superior sentido de humor fula... Ora quem diria! ... Eu, pessoalmente, sempre os achei inteligentes e com grande capacidade para negociar e estabelecer alianças estratégicas. O Pepito também corrobora este ponto de vista: os fulas são orientados para o poder, aliaram-se ao Spínola contra o Amílcar Cabral; e depois ao Luís Cabral, a seguir à independência, contra os balantas... Como diria o Príncipe de Salinas, protagonista do filme O Leopardo (Visconti, 1963), eles eram os leopardos, os leões, enquanto os novos vencedores - que se aliaram ao PAIGC - não passavam de chacais e hienas...

Mesmo assim, os fulas e os seus dirigentes têm a consciência de que, presas e predadores no passado, terão de coexistir hoje, pacificamente naquela terra, que é a sua terra... E a Guiné-Bissau ainda vai ser uma grande terra, graças à contribuição de todos os grupos étnicos-linguísticos, alguns outrora inimigos, como os balantas e os fulas... Entretanto, é importante preservar a memória do passado, dos tempos de paz e de guerra... É também para isso que servem os museus (3)...

E ainda mais importante é o reforço dos laços - linguísticos, afectivos, culturais e económicos... - entre os nossos dois povos... É que numa coisa estamos de acordo, muitos de nós, portugueses e guineenses: o mais importante que deixámos na Guiné não foram os restos calcianados das máquinas de guerra, mas um instrumento de paz, de desenvolvimento, de cultura e de ciência, que é a língua, e que é a língua portuguesa... É em Português que nos entendemos, é em Português que aprendem as nossas crianças, fulas, balantas, açorianas, madeirenses, alentejanas, minhotas, de Lisboa ou de Bissau, de Bragança ou de Bafatá...

2. E a propósito de apropriações/desapropriações, e de uma pequena querela linguística (sobre a grafia do topónimo Guiledje em vez de Guileje e que envolveu o prestigiado Ciberdúvidas da Língua Portuguesa), tenho que voltar a transcrever, na íntegra, o magnífico texto, intelectualmente provocador, desassombrado, descomplexado, que o Pepito me mandou na altura (e que eu publiquei, e que está de novo na altura de reler, agora que se fala em mais uma revisão do Acordo Ortográfico entre os países lusófonos).
Seria ocioso recordar aqui que o Carlos Silva Schwarz, Pepito, é engenheiro-agrónomo de formação, licenciado, tal como o Amílcar Cabral, pelo nosso Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa.

Escrevia então o Pepito (4) (itálico e bold meus):
Prometi que voltaria ao assunto de “Guiledje ou Guileje?”, e aqui estou a dar a minha opinião, não como linguista que não sou, mas como simples utilizador da língua portuguesa.

Gosto por igual, e muito, do português quando o leio nas penas do Eça de Queiroz (Portugal), Pepetela (Angola), Jorge Amado (Brasil), Mia Couto (Moçambique) e Abdulai Silá (Guiné-Bissau). E sei que não é só um português.

São vários, com um tronco comum é certo, mas mesmo assim variado na forma de escrever e falar. Amilcar Cabral dizia que a melhor coisa que Portugal nos deixou foi a língua.

Para o bem e para o mal o português deixou de pertencer só a Portugal. É também a língua de outros povos, que dela se apropriaram e a utilizam diariamente.

Só que o processo de apropriação de algo que não é inicialmente nosso, implica a incorporação daquilo que é nosso. Senão, não há apropriação e continua a ser eternamente estrangeiro. Quando falamos e escrevemos em português, não estamos a fazer nenhum favor a Portugal. Estamos a utilizar algo que também agora é nosso.

Quem não aprecia os fabulosos vocábulos inventados pelo Mia Couto ou a irreverência do Pepetela que começa um dos seus livros com a palavra “Portanto” (forma literariamente criticada alguns anos antes por um seu professor da Faculdade de Letras de Lisboa)?

Para mim, a lusofonia não é uma questão de se falar “bom português”, mas é um processo de exigências e concessões recíprocas na procura de caminhos solidários e cúmplices de aproximação e de desenvolvimento.

A dinâmica de incorporação de novos vocábulos é imparável. No nosso caso, na Guiné-Bissau, o grupo consonântico “dj” é utilizado por dá cá aquela palha. Dizer que se vai a Jufunco ou a Djufunco é o mesmo que ir a duas localidades diferentes. A realidade incontornável é esta.

O bico de obra, não é nosso. É dos especialistas que têm de regulamentar uma língua que, por ser viva, vai ter que aceitar o desafio de pertencer a um numero cada vez maior de pessoas.

Abraços

pepito
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVI: A Nossa Foto de Natal 2005 (Luís Graça / Pepito)

(2) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXIX: Projecto Guileje (9): obus 14, precisa-se! (Luís Graça)
(2) Vd. postes de:

16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho

17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2547: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (2): O aerograma em que o Casimiro Carvalho prêve o ataque ... (Manuel Rebocho)

(3) Vd. poste de 6 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXL: O melhor que Portugal nos deixou foi a língua (Pepito)

(4) Vd. poste de 6 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXV: Em bom português (1): Guileje e não Guiledje (Luís Graça / Ciberdúvidas)

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