quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2560: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (10) - Parte IX: A prisioneira é violada...

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Fotos: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
Autor: Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112

Advertência: Trata-se de uma obra de ficção, embora inspirada em factos reais, em especial na actuação da CCAÇ 726 que esteve em Cufar, no sul da Guiné, nos anos de 1965 e 1966.

Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726, Cufar, 1965/66). Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Parte IX > A Professora é violada pelo Furriel Gonçaves na véspera de este ser morto em combate (pp. 80-94)


(i) Cenas picarescas de Cufar



Os militares retiraram-se, e Pami ficou analisando os problemas da guerra, até lhe aparecer Meta, perguntando-lhe se teria visto por ali o soldado nativo Mamadu Baldé. Deu informação negativa, e a rapariga desapareceu, procurando problemas com o seu velho marido, concerteza. Sorriu, ao recordar duas cenas que Míriam lhe tinha contado: Uma tinha sido Rafael a saltar sobre o velho marido de Meta, para lhe retirar a G3 com que ele queria matar o soldado Baldé, e a outra que a mesma lhe relatou, da noite em que a Mariana, bajuda Fula, sem um olho, se foi meter na cama do alferes Telmo, para este lhe tirar o cabaço, e que pelo mesmo, foi corrida de sua cama com um pau.

Gente tonta, estas três Fulas. Ao anoitecer, quando Indrissa lhe trouxe a refeição - milícia Fula encarregado deste fim-, apareceu a lavadeira que informou estar muito triste porque ninguém lhe dizia nada do furriel, e que tinha de o levar no Homem Grande, para bala não entrar no corpo dele.

Pami confirmou que Míriam nada sabia sobre a vinda do mesmo. Mas deu-lhe uma esperança, fundamentada na conversa que ouvira entre o capitão e o médico.
-Meu cabeça diz que ele chega manhã!
- Verdade Sanhá?
- É, eu acredita!
- Se furiel bem, Mim faz festa, e mata galinha para ele! E tu, Sanhá? Ajuda nesse trabalho? Se tu fala verdade, a mim pede a furiel, para falar com capitão, para tu ires no teu tabanca.

Apercebeu-se a prisioneira , com esta conversa, de que Míriam lhe poderia ser bastante útil. Teria de fazer trabalho específico, para continuar a captar e consolidar a sua simpatia e amizade.



(ii) Pami passa informações sobre Cufar e os Lassas a um nova prisioneira, sua conhecida



No dia seguinte, Pami teve de repartir a sua palhota prisão, com mais quatro companheiras. Tinham vindo de Cabolol a Mato Farroba a um Choro, e os Lassas, sempre em cima do acontecimento, convidaram-nas para voluntariamente (obrigadas...) a uma sessão de perguntas e respostas no aquartelamento. Tudo o que se passava a Sul de Cufar até ao Cumbijã, estava controlado.

Neste grupo, vinha uma velha conhecida, da família de Pami, que ficou bastante surpreendida pela permanência da professora neste local. Mesmo com guarda da milícia, as duas mulheres conseguiram transmitir entre elas. Depois de dois dias de inquirições. Utilizando as regras de trabalho psicológico sobre a população, foram as mulheres mandadas embora. A professora não dormiu, conseguiu transmitir um bom rol de informações, sobre os Lassas e a sua vida fora e dentro do Aquartelamento, à mulher conhecida.

Na tarde da chegada das mulheres, a avioneta que trouxe o correio, deixou uma bela encomenda. Nada menos nada mais, que Rafael, o furriel tão desagradável mas tão esperado por Míriam. Pami viu-o entrar no Comando, e quase não o reconheceu. Muito magro, pálido e sem barbas, parecia antes adolescente chegando da Metrópole. A lavadeira, desapareceu durante dois dias.



(iii) Excitação de Miriam ao saber do regresso de Rafael



Só depois das mulheres de Cabolol se terem ido embora, a vida de Pami voltou à rotina. Apareceu-lhe Míriam, toda bem vestida e arranjada com uma alegria esfuziante, de miúda adolescente. A prisioneira, provocou a lavadeira do furriel, de forma que esta se sentisse lisonjeadae confiante nela. A lavadeira ficou embaraçada, e pediu desculpa à prisioneira, mas tinha muito que fazer, pois o furriel tinha trazido muita roupa para lavar, e vinha muito fraquinho.
- Mas naquele conversa giro?
- Vinha forte demais!

Pami tentou saber mais sobre Rafael, mas Miriam, não adiantou muito, prometendo só: Falar na questão da liberdade da prisioneira, e um dia que ele fosse no mato, ela a levaria novamente ao quarto dele, para ver fotografias.

A vida dentro do arame farpado continuava na mesma. Pami fazia praticamente já parte da comunidade Fula. Ajudava Míriam na preparação da roupa, e até chegou a cozinhar galinha, para o furriel Rafael. Ia ouvindo as conversas dos militares. Nestas conferências, após a sua chegada, Rafael também foi activo, mas falava de assuntos que Pami não sabia, ou não tinha conhecimento. Falava dos heróis do papel, que em Bissau – muito bem informados - contavam todas as aventuras por terras da Guiné sem terem ouvido, e nem saberem o que era um tiro.

Mas, entre das muitas outras intervenções que tivera, falara da primeira depuração dentro do PAIGC e que ele intitulou de “saneamento étnico Balanta”, efectuado em 1964. Isto deixou a prisioneira bastante preocupada, principalmente pelo desconhecimento total sobre o assunto. Falou também dos bailes na casa da cabo-verdiana loira e ainda da professora que andava no descapotável, e da bronca da Rádio Bissau. Difícil para chegar lá. Estava atenta às operações que se desenrolavam no Sul da Guiné, pois Cufar, derivado da sua bela pista, começou a ser o centro de comando de operações dos colonialistas, em todo o Sul. Viu marinheiros, fuzileiros, muito pessoal da aviação, e ainda mulheres enfermeiras, pára-quedistas conforme lhe confirmaram.

Cufar tinha um movimento extraordinário. Vinham companhias novas aprender com os Lassas, a quem estes davam instrução operacional no terreno.

Pami embora continuasse mentalmente a registar tudo, já se encontrava saturada, e começou a arquitectar uma maneira de se evadir, embora fosse bastante difícil. Estava numa tarde quente de Fevereiro [de 1966], a conjecturar a forma da evasão, quando lhe apareceu Míriam com um balaio de roupa, e lhe atirou:
- Tu quer ver casa de furiel outra vez?
-Sim, quero! - respondeu, sentindo dentro de si uma curiosidade inquietação anormal, realidade até ali não sentida.
- Gosse! A nós bai! Pessoal foi fazer segurança, a barco que passa na rio, e furiel já tá bom pa ir no mato, diz dotor.

(iv) Pami lê uma carta da mãe do Furriel Rafael...e lembra-se da sua, com saudade



Pami ergueu-se rapidamente, e com Miriam dirigiram-se para o quarto de adobos, dos furriéis, Taveira, Gama e Rafael. A messe de sargentos estava vazia, apenas o soldado Lopes, limpava o Bar. Quando viu entrar Miriam com a prisioneira, o soldado gritou gaguejando:
- É Mi...mi...ri...am! Que...Que...! meeerda éé... esta? Aa até aa...pri...prisioneira entra aqui? Vou... vou... fa... fa ... lar com furriel.
- Chi minino Lópi bó hoje tá mau! Furiel cá importa!

Foram entrando, mas Pami agora tremia toda, com medo das consequências. Míriam sossegou-a, e já no quarto, disse para a prisioneira:
- Gora vê torgafia e pode senta aí no cama de furiel eu arranja roupa primero!

Pami viu uma série de fotografias novas, e pegou numa carta, que estava fora do subscrito, e começou a ler, enquanto a lavadeira apenas tinha atenção para o esmero com que arrumava a roupa do furriel. Pami continuou.

........../Janeiro de 1966.

"Querido filho,

Faço votos que te encontres bem, e que nada de mau te tenha acontecido. Por favor, é esta a terceira carta que te escrevemos, sem termos qualquer contacto teu. Conta-nos tudo o que se está a passar para os nossos corações ficarem descansados. Graças a Deus, julgamos que o pior não terá acontecido, quando não já tínhamos tido alguma má noticia. Mas por favor escreve-nos, pois a última notícia que temos sobre ti, foi pelo Jorge, que escreveu às tias, e disse, que te tinha encontrado em Bissau, mas não disse mais nada. Ele foi para o Norte comandar uma companhia.

Filho, por favor escreve, o teu pai anda muito preocupado, e quase sempre calado. Pouco fala, e quando o faz, é só para dizer: "Se aquilo for como eu vi em Badajoz (2), é uma coisa muito triste; A guerra é a pior coisa que o homem inventou." Por vezes dá a impressão de querer dizer mais qualquer coisa, mas volta logo com os avisos, para termos cuidado com o que escrevemos, não te abram as cartas e sejas prejudicado.

O avô velhote, cá vai andando, é claro já são noventa anos. Mas todas as noites ao deitar, se lembra de todos, e reza sempre à Senhora da Conceição por ti, e acaba sempre as orações, perguntando: Por onde andará aquela alminha, o meu doce companheiro?

Tive notícias das tuas irmãs. Vão passando bem e teus cunhados também. O teu afilhado Pedrinho é que está um pouco constipado.

Este ano o Natal foi muito triste com a tua falta.

Filho, mais uma vez te peço, escreve sem demora, descansa os nossos corações. Não é preciso muito, basta o que escreves sempre, "Por aqui tudo bem”.

Termino, pedindo ao Senhor da Piedade e a Nossa Senhora da Conceição, que te protejam, e que te tragam são e salvo.

Muitos, beijos do teu pai, do avô velhote e da tua madrinha Inha. Desta tua mãe, recebe muitos beijinhos e um grande e saudoso abraço. Escreve!

Maria das Candeias "


A confusão entrou na cabeça de Pami de tal forma, que ficou estática, petrificada com a carta na mão, olhando o vazio.

Na sua azáfama, a lavadeira não dava por nada. Terminando, olhou para Pami, e viu-a como estátua com a carta na mão, e ralhou:
- Sanhá, qué qui bó faz? Vê só torgafia! Cá tira papel! Se furiel sabe, ele mata a mim!

Acordou! Colocou a carta de onde a tinha retirado, e levantou-se da cama onde se sentara. Prontamente Míriam ajeitou a cama do furriel. Regressaram, a lavadeira numa tagarelice infernal sobre o furriel, não sonhando sequer que a prisioneira tinha tido acesso à vida íntima de Rafael.

Pami em silêncio, entrou na sua casa prisão, e estendeu-se sobre a esteira que agora lhe servia de leito. Regrediu. Sua falecida mãe veio-lhe à mente, e vagueou em sonhos íntimos maternais. O guerrilheiro Pan Na Ufna, seu pai, apareceu-lhe de camuflado, arma aperrada, em lendária imagem de anjos e diabos guerreando. O padre Francelino, apareceu-lhe em imagem venerando, a transmitir-lhe uma mensagem:
-Acabaram-se os valores e a família Pami! O Homem está-se destruindo a ele próprio!

Mais uma vez a sua sensibilidade, fez-lhe sentir nos lábios o sabor a mar solto em pérolas de seus olhos. Pami teve pena da mãe do furriel Rafael. Mas... dele? Não!... não teria! Ele estava ali e fazia a guerra! Ele era dos que tinham queimado o seu dicionário, relicário do padre Francelino! Ele estava destruindo-se a ele próprio. O vento soprou, Pami estremeceu e sentiu um arrepio de frio. Seria que ele estava ali de vontade? Ou pertenceria também aos milhares de voluntários à força, que faziam a guerra, mas dela não eram senhores mandantes? Novamente a fragilidade voltou à sua cabeça. Deu pela chegada dos militares que tinham saído. Apesar da insistência de Meta, não quis jantar. A noite foi de sonhos pesadelos.

Passaram os dias, e a professora ia-se distraindo, com o movimento dos militares. Deixou de se aproximar da escola, porque isso a deprimia. E as conversas com Meta e Miriam foram alargadas a outro pessoal nativo, familiares dos milícias.

Tinha chegado um elemento novo ao aquartelamento. Um capitão gordinho, de óculos com ar assustado, tinha vindo para substituir o Leão - conforme conversa ouvida aos militares nas escutas da varanda- que iria para Bissau para outra missão. Naquele dia vinte e quatro de Fevereiro [de 1966], todos os alferes e sargentos foram chamados ao Comando. Como habitualmente saíram todos em silêncio. Pami junto de Meta, observara tudo, mas nada dissera. Os Lassas, mais uma vez, iriam sair. Já ao fim da tarde, Míriam veio da messe de sargentos e sentou-se junto de Pami e começou a chorar, desabafando:
-Eu não pode dizer a ti. Mas furriel não quer cume, está a beber aquele bebida visque. Tu não fala nada desse cumbersa! Mas ele vai na mato! Certeza!



(v) O Furriel Gonçalo força Pami a ter relações sexuais no seu quarto, na véspera de sair para o mato



Estava Míriam neste desabafo, quando vindo do lado da messe, apareceu o furriel Gonçalo. Passou na direcção do seu abrigo, e nada disse. Dez metros à frente, voltou atrás, e falou para Míriam:
- É, Míriam, diz a essa gaja aí - referindo-se à prisioneira- se ela quer partir catota?
- Chi furiel! Furiel quer mesmo?
- Sim! Ela que venha comigo para fazer conversa giro.

Pami estremeceu, e ficou em pânico. Que fazer? Começou a pensar numa forma de fugir a esta situação. Mas Míriam atacou traduzindo:
- Manga de ronco. Jube, furiel Gonçalo quer leva tu no cama dele.

Pami fez negação com a cabeça, mas Míriam voltou ao ataque:
- Tu tem d'ir! Com soldado não que tu és pisoneira, mas furiel manda!

Agora sentiu-se novamente prisioneira, e incapaz de resistir a quem manda. Informou Míriam para dizer ao furriel que tinha medo. A ideia que tinha tido nos interrogatórios, deitava por terra, toda a defesa possível no momento. Num último rasgo de inteligência, ainda pediu a Míriam para informar o furriel de que poderia ter doença. O furriel não ligou muito às desculpas, e começando a dirigir-se para o seu abrigo, disse:
- Traz esse saco de carvão ao meu abrigo!

Míriam tentou dar coragem a Pami, mas esta - embora o adultério, não fosse coisa significativa, entre a raça balanta - sentiu-se completamente destroçada. Um branco, e ainda por cima militar. Pami relembrou Malan Cassamá, e começou a doer-lhe muito o acto a que obrigatoriamente teria de se submeter. Míriam levantou-se e puxou pela prisioneira, dizendo:
- Cum soldado não! Mas cum furiel é coisa boa para tu! A mim toda gente tem inveja quando a mim vai pra cama de furiel Rafael.

Pami levantou-se, tremendo, sem forças nas pernas, foi andando e seguindo a jovem fula em direcção ao abrigo do furriel. Ao chegarem à porta do abrigo, Míriam moralizou a prisioneira:
- Entra, a mim fica aqui no porta! Bó cá tem medo! Furiel Gonçalo é bom home!

Entrou, e num relance verificou o abrigo todo. Era um abrigo em redondo, com vigias em toda a volta. Virada para a mata de Cufar Nalu, encontrava-se uma metralhadora pesada. O abrigo tinha três camas, duas em beliche por cima uma da outra, e a um canto mais espaçoso, estava uma cama com mosquiteiro. Junto, uma caixa de madeira, fazia de mesa. Sobre ela, estavam duas fotografias, uma de uma jovem a outra de mulher de meia-idade. O furriel, começou a despir-se e por gestos indicou à prisioneira para fazer o mesmo. Pami ficou parada. O militar puxou o mosquiteiro para cima, virou as fotografias para a parede do abrigo, e continuou despindo-se, até ficar completamente nu.

Pami, em plena confusão verificou que o corpo do furriel era todo coberto de pêlos negros, e pensou? Se aquilo seria homem ou macaco? A medo começou aos poucos a tirar os panos que lhe cobriam o corpo. O militar - macho faminto esperando pela fêmea - já se encontrava estirado sobre a cama. Após retirar o último pano, completamente inerte qual estatueta de pau-ferro. Assim ficou desnudada frente ao militar. Os pêlos curtos, negros e encaracolados da sua púbis, ficaram à vista. Pami inconscientemente olhou para o sexo do furriel, e ficou pasmada. Completamente erecto, seria metade do de Malan.

Impaciente, o furriel puxou a prisioneiram para a cama, pegando-lhe no braço sem mão. Sentiu um pouco de resistência, e forçou mais. Pami verificou que já não tinha hipótese nenhuma, e deixou-se cair na cama. O furriel virou-se, e ficou com o corpo sobre o dela. A mulher fechou os olhos, e tentou num último esforço muscular da vulva, tentar dificultar a penetração do membro, que embora de tamanho inferior ao de Malan como confirmara, apresentava muito mais rigidez.

Mas o furriel não forçou, começou por afagar os seus pequenos seios. Sentiu a mão do homem deslizar suavemente pelo seu corpo e começar a afagar a sua púbis, e depois os lábios da vulva, até começar a titilar o clitóris. Quase inconsciente, o esforço mental que fazia, aos poucos foi-se esvanecendo. O furriel começou a sentir um relaxamento muscular da prisioneira, e um leve humedecimento vaginal. Pôs-se de joelhos, abriu suavemente as pernas da prisioneira, afastou-lhe os grandes lábios, e lentamente começou a introduzir-lhe o pénis na vagina. A resistência de Pami esvaiu-se, e começou a sentir o vaivém dentro do seu corpo em suave deslize.

Passados poucos segundos, ouviu um ronco cavo sair da garganta do furriel, e sentiu o alagar das suas entranhas, por quente líquido. O macho tinha efectuado o orgasmo. Os dois corpos ficaram imóveis por momentos. O furriel levantou-se, vestiu-se rapidamente e saiu do abrigo. Míriam entrou, Pami vestia-se e pela sua cara rolavam lágrimas indefinidas, resultantes deste estádio deplorável de situações a que leva a guerra.


(vi) Gonçalo é morto em combate

As duas mulheres caminharam junto, em silêncio, rumo à improvisada prisão, morança de Pami. Amadu, impedido dos furriéis, procurava a lavadeira, e em tom mandante ordenou:
-Gosse! Gosse! Furiel quer roupa camurfada, ele vai na mato.

Míriam correu para casa, e pegou na roupa para o furriel. Passado que foi um pedaço, regressou e foi estar com a prisioneira. Sorridente, passando a mão pela barriga, exclamou:
-Um dia filho, fica aqui mesmo! Furriel não queria só roupa, ele queria fazer conversa giro.

Pami ouviu e a sua mente - confusa- começou a raciocinar, do porquê desta necessidade sexual se revelar tão activa, nestes homens, antes de fazerem a guerra. Havia qualquer coisa estranha... psíquica mesmo, ultrapassando a necessidade física do macho. Seria que atenuaria a excitação, e poderiam utilizar a mente mais racionalmente? Caso estranho este! Mas verídico. Até Malan, um dia lhe confessara sentir uma necessidade intensa de sexo, quando sabia antecipadamente que iria entrar em contacto com o inimigo. Míriam, apressada, saiu novamente, sem dizer mais nada, - reflexo do almejado filho - apenas o sorriso e o brilho nos olhos continuavam.

A seguir ao jantar, como habitualmente, nas noites de saídas, o aquartelamento tomou um movimento esquisito, mas silencioso. Os militares preparavam-se para a guerra. Para Pami confirmar, bastou esperar um pouco e verificar aos poucos os militares concentrarem-se em frente do comando. Uns passos pesados, e o bater de um capacete na coronha de uma espingarda, deram-lhe um arrepio. Era ele, de certeza! Olhou na direcção da audição efectuada, e viu a silhueta pesada do furriel Gonçalo. Sentiu o incómodo do pano ainda húmido, - que tinha colocado entre as pernas-, do esperma do militar. Sentiu dor, revolta, mas... já tinha dúvidas de quem seria a culpa de toda esta situação. Concentrou-se na movimentação dos soldados e esqueceu por momentos a violação.

Os militares como habitualmente em silêncio, saíram pela porta de armas. Para onde iriam? A professora prisioneira foi escorregando até ficar deitada sobre a esteira, na sua cela sem grades. O pensamento voou e percorreu terras do Sul da Guiné. Adormeceu.

Ainda o sol não rompia, foi acordada por correrias e falas em voz alta dos militares, que tinham ficado no Aquartelamento e que se dirigiam rapidamente na direcção do posto de transmissões. Noite escura ainda, ouviam-se lá longe, - para os lados de Cabolol - o som de rebentamentos e de forte tiroteio. Manteve-se acordada, mas não conseguia saber o que se estava a passar. Só quando o sol começou a romper, ouviu comentar as mulheres dos milícias fulas, que a Companhia tinha sido emboscada. Já dia claro se apercebeu que o problema continuava, pois para os lados de Cabolol, continuavam a ouvir-se os rebentamentos, e o matraquear das espingardas e metralhadoras. Em Cufar já tinham aterrado dois helicópteros. Os bombardeiros sobrevoavam Cabolol, e picavam sobre a mata. Pami perdeu o medo, e procurou Míriam para saber o que se passava.
-Não sabe muito, não! Bandido emboscou Companhia, e tem morto e ferido, quanto não sabe!

A enfermaria foi posta em estado de alerta, amanhecia e os helicópteros, começaram a levantar. Os rebentamentos e tiroteio continuavam. Os helicópteros voltaram, e os primeiros feridos chegaram. Foram observados pelo médico, e de imediato foram evacuados para Bissau por duas avionetas que entretanto tinham aterrado. Os helicópteros voltaram a voar, e quatro vezes, fizeram o mesmo percurso. No último regresso, a notícia deslizou por todo o quartel, como napalm sobre o capim. Vinham dois mortos, um deles era o furriel Gonçalo.

Ao ouvir esta notícia, Pami sentiu o corpo todo enregelar-se e, no ventre , sentiu de novo a ejaculação quente do furriel. Confusa, procurava mentalmente justificação para o indecifrável. Tentou aproximar-se, da capela - edifício em construção, promessa, constava-se feita a um padre pelo Leão de Cufar- onde tinham sido colocados os corpos dos dois militares mortos. Não conseguiu, os seus pés colaram-se ao chão, como árvore fortemente enraizada no solo. Mas também não o poderia fazer, só graduados, e pessoal de enfermagem, tinha acesso à inaugurada capela em construção.

Pami teve a oportunidade de ver, com os próprios olhos, alguns homens grandes da Guerra. O comandante de Sector, o Comandante de Batalhão, oficiais de operações, etc... etc... etc.... Pessoal que mandava e planeava a guerra, mas não a fazia. De certeza alguns nem uma bolanha conheciam, quanto mais a mata de Cufar ou Cabolol.

Pami ia nestas experiências, verificando que povos irmãos se matavam sem razão, e tomava consciência também que tudo isto só levava à destruição de tudo e do homem. A solução não seria esta.

Ao fim da manhã, junto ao tarrafe do rio Manterunga, começou a aparecer uma serpente humana. Desta vez os Lassas faziam a entrada pela estrada do cais de Cufar. À medida que iam chegando, dirigiam-se para os seus abrigos, apenas o olhar transmitia a dor do momento. O silêncio imperava em Cufar, apenas na enfermaria e no Comando o movimento era grande.

Pami sentiu alegria por esta lição dada aos Lassas. Mas pouco tempo o seu coração esteve alvoroçado. Aos poucos a mente foi-lhe chamando a realidade. E do outro lado? Como teria sido? Aos ouvidos, chegou-lhe o gemido dos feridos que vira de manhã, e o pensamento voou até aquele dia em Flaque Injã. Uma dúvida assaltou-a repentinamente, e pensou como seria, se a própria família daqueles soldados ali estivesse?

Ficou confusa, e mais uma vez procurou olhando para o céu, o Deus do padre Francelino. Mas a resposta foi a mesma:
-Os homens Pami, os homens! Por amor a eles me pregaram na Cruz!

Retirou-se para o seu refúgio prisão, e deitou-se na velha esteira. A meio da tarde, chorando, apareceu-lhe Míriam. Olharam-se sem dizer palavra. Míriam sentou-se num canto da palhota, e soluçando depois contou:
-Furiel Rafael mandou mim embora! Chamou escarrumba de merrda! E disse qui inda não era pa chorrar carralha! Mim tem medo, Sanhá! Furiel, grande amigo de Gonçalo! Mim tem muito medo! Ele não vai mais olhar direito pa mim! Nem pa preto.


(vii) Retalição dos Lassas, com bombardeamentos de artilharia sobre o Cantanhez



Pami entrou em pânico. Que seria dela agora, se fosse novamente interrogada? Incógnita! Nunca se sabe a reacção dos homens em determinados momentos. A medo ainda perguntou o que tinha acontecido. Soluçando, a lavadeira abriu o livro todo do seu conhecimento e contou:

Iam abrir a estrada de Cobumba. Uma companhia de Catió vinha com as viaturas, para ir abrindo o caminho. E a companhia de Cufar ia com outros, fazer a segurança, na mata de Cabolol, só que o bandido tinha informações sobre a operação. Alguém tinha passado todas as informações ao PAIGC. Que estavam emboscados à espera dos militares, precisamente nas posições que estes iam tomar. A companhia foi emboscada, com metralhadoras pesadas, lança granadas foguetes, morteiro oitenta e dois e armas ligeiras. A companhia tinha sofrido dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos, alguns em estado grave. O capitão novo que vinha comandar a companhia, também tinha sido ferido e tinha sido evacuado para o hospital em Bissau.

Sim! Agora a prisioneira, sabia que o instinto do Leão mandaria Telmo e Rafael apertarem com ela. De certeza que chegara o momento, que a iriam espremer, até verter sangue. Sentia a dualidade do ódio, entre campos opostos. Alguém teria de pagar a morte e os feridos dos Lassas. Aqui no Sul desta linda terra, o homem tinha transformado tudo num braseiro, agora seria mais afirmativamente, "olho por olho, dente por dente". Era elevado a cinco o número de mortos que os militares de Cufar tinham sofrido, e isso tinha de ser pago, com juros muito altos. Esgotariam forças, esgotariam munições, transformar-se-iam em monstros, mas os amigos teriam de ser vingados. Sentiu que a hora mais difícil tinha chegado.

Naquele dia, não se atreveu a sair mais da sua palhota prisão. O sol a pique queimava, o silêncio era de facto de morte. A prisioneira, apenas conseguia ver gente, que passava pela inaugurada capela.

Ao fim da tarde, viu e ouviu, o alferes de artilharia pedir a um soldado, para chamar o furriel artilheiro, o qual não demorou a entrar no Comando. Passados poucos momentos, saíram os dois, o furriel dirigiu-se para a messe, da qual saiu pouco depois com o furriel das viaturas. O alferes com uns mapas na mão, dirigiu-se para as duas peças de artilharia que estavam colocadas, na parte que dividia o novo do velho aquartelamento. Pouco tempo depois, um Unimog chegou junto das peças. Os soldados que vinham na viatura - todos de origem negra- onde se encontrava um de alcunha Dakota, desceram e começaram a descarregar caixas de madeira, onde vinham acondicionadas as munições. As peças começaram a ser preparadas. Pensou tratar-se de homenagem aos mortos, mas logo verificou estar errada.

Aquela era a primeira confirmação que os Lassas faziam, a dizer à guerrilha que estavam ali, e que em breve haveria novo encontro. Pelas frestas da sua prisão, foi verificando as manobras das peças, e contando o número de disparos. Pela orientação, verificou: Boxe Bissã, Cabolol Lente, Cabolol Balanta, Cobumba, Caboxanque e Cadique, cada povoação tinha sido contemplada com cinco obuses. Algum acertaria de certeza, a experiência já o tinha demostrado, alguém morreria ou ficaria estropiado.

Em silêncio, os Lassas homenageavam os seus mortos. Míriam nem se aproximava da messe de sargentos, e Meta não procurava o soldado Mamadu Baldé. Havia como que um ritual silencioso, interior, dentro de cada militar.

Dois dias passados, sol mal despontando, o aquartelamento, começou a movimentar-se. As viaturas, em coluna, esperavam por alguém. Os alferes Palmeiro e Telmo desceram completamente equipados, as escadas que davam acesso à varanda do Comando. Saindo da messe os furriéis Taveira, Tambinha, Rafael, de boina preta, e o sargento Miguel, dirigindo-se para os alferes. Os soldados foram chegando. E Pami viu as urnas que tinham vindo numa avioneta, serem carregadas nas viaturas. Iam a caminho de Catió. A prisioneira, dormindo, não tinha dado pela saída ainda manhã escura, pelo grupo de combate do alferes Soeiro, que tinha saído para segurança da estrada para Catió.

Pami viu partir os soldados, e no seu pensamento ficou a imagem, peluda e nua, do furriel Gonçalo. Como seria o resto da viagem até à sua terra Natal? E a chegada? A família! Mais uma vez a prisioneira pensava no problema da guerra. Todo o desenvolvimento desta situação deve trazer grandes questões à humanidade, é impossível que não haja problemas psíquicos, na forma como estes homens vivem e actuam.

(viii) Os Lassas estão cansados da guerra e exibem comportamentos estranhos


No seu âmago sentiu! Tinha a noção perfeita! A sua mente transmitiu aos ouvidos, as palavras trocadas entre Rafael e o seu guarda-costas, cabo Cigarra, junto ao abrigo numa deslocação ao poço. O cabo, braços cruzados, cabeça baixa, voz trémula dissera:
-Porra , meu furriel, tem de falar com o alferes ou com o capitão, nós não podemos mais!

Rafael ripostara:
- Estamos aqui , para quê? Cumprir! Não importa como, mas teremos todos de ser firmes!

Pateticamente, de forma dura e expontânea o cabo ripostou:
-Furriel, eu não aguento mais, passo os dias e as noites a ver correr, pelo meu braço abaixo, os miolos do furriel Gonçalo!
- Que isso seja para ti um motivo de força, e de vontade para venceres tudo isto. Alguém teria de tirar o nosso camarada do inferno em que nos meteram. Isso só te passará quando algum camarada te fizer o mesmo que fizeste ao Gonçalo. Ou... na melhor das hipóteses, quando regressado à tua Paxis Julia [Beja], te atirarem umas pás de terra para o teu sobretudo de madeira. Meu bom amigo, quem pensas que eu sou? Deus!?... Não!

Sorrindo o furriel continuou:
-Sou a mesma merda que tu! Espero aquilo que tu esperas! E também como tu, não quero morrer aqui, mas na nossa Planície. Por isso! Tens de ser mais forte que o teu pensamento, e varreêlo de toda a lama que nos envolve! Força, rapaz, chegaremos lá!

Nem todo o sentido das palavras trocadas entre os militares, Pami compreendeu, mas tinha sido uma conversa dura, e complicada. Isso de certeza.

Continuaram os soldados a sair, voltando uns, outros não. Era sempre certa a saída, incerta seria sempre a chegada. Idêntica era sempre a partida, indefinida forma seria sempre a do regresso.

Pami assistiu à transformação dos homens. Não há causa que não provoque efeito. A saída do Leão marcou aqueles homens. Apesar dos alferes e sargentos, se manterem unidos e firmes, as coisas começam a degradar-se, e a prestação em termos de antiguerrilha, não era a mesma. Que bom seria transmitir, se possível, aquela mensagem aos seus companheiros! Mas impossível mesmo, a sua prisão sem grades, tornara-se cada vez mais expugnável. Perante as situações e a incerteza, era preferível esta situação momentaneamente.

Começou a verificar que os militares bebiam e consumiam cada vez mais álcool. Tomavam-se mais agressivos, por vezes entre eles próprios. Assistiu àquela luta em que dois soldados se socaram, pontapearam e morderam, como os cães raivosos, espumando pela boca e, depois de completamente esgotados, abraçarem-se chorando.

Viu, em dia de imensa chuva, o próprio Bolinhas, completamente molhado, correndo atrás do soldado Lopes, com uma grande faca na mão, e o Lopes com fobia de tudo o que era lâmina, fugindo por todo o aquartelamento, e os soldados todos a aplaudir. Viu o corneteiro rufar tambor, e o furriel Rafael a fazer Circo com uma cabra, sobre o muro da varanda, levantando a pata para fazer continência ao povo. Viu o soldado Nazaré, tronco nu peludo como macaco cão, envergando apenas uns calções, cinturão de lona preso a uma corrente, a fazer momices, ser passeado por outro soldado como se de chimpanzé se tratasse. O sargento Tavares a fazer o pino, para o Punch - cão pastor alemão - saltar por entre as pernas. Parecia este aquartelamento uma casa de pessoas enlouquecidas.

Ao certo, a prisioneira confirmava que as coisas não funcionavam como deviam. A partida do Leão veio agravar a situação de todos aqueles militares, colocando-os como que órfãos, numa casa onde começaram a derrocar as paredes.

A continuação da saída dos soldados era rotina, o regresso indefinido. Alguns iam directamente de helicóptero para o hospital em Bissau. Outros, já sem concerto, esperavam na capela o encaixotamento. Soldados novos apareciam agora com uma farda esverdeada, para fazer as substituições. E assim continuava a guerra, enquanto Pami permanecia na sua casa prisão, agora sem mais inquilinos, pois deixou de haver prisioneiros na generalidade. Segundo o auscultado aos soldados e milícias, os prisioneiros agora, antes de chegar ao aquartelamento, resolviam fugir e pelas matas, bolanhas ou pântanos, se desprendiam os seus espíritos vagueando, procurando o etéreo.


(Continua: Final no próximo episódio)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série >


21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)


23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)



28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)



10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)



18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)



30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)



16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)


5 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2506: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (9): Parte VIII: Os demónios étnicos (Mário Fitas)


(2) Resumos dos postes anteriores:

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como. Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.

(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?

Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.

Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.

Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.

(viii) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã, quando esta, já esquecida dos interrogatórios, é levada de novo, em princípios de Setembro de 1965, à presença do temível triunvirato: Queba, o intérprete, o alferes Telmo (com o seu caderno), e o furriel Rafael (com a sua pistola).

Embora aterrorizado com as ameaças do Furriel Rafael (que parece fazer bluff...). Pami teme sobretudo que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando o seu marido, Malan, como guia...

Voltando de novo à sua morança-prisão, Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade... Os seus piores receios, entretanto, materializam-se, ao reconhecer o seu Malan na silhueta do negro, de corda atada ao pescoço de um negro, conduzido por um Lassa, a caminho da porta de armas, possivelmente para srevir como guia numa operação... Pelo burburinho que perpassa pelo aquartelamento, Pami toma conhecimento de que os Lassas estão em operações lá para os lados de Caboxanque... Um avião T-6 é atingido, mas o seu o piloto consegue fazer uma aterragem de emergência em Cufar...

No regresso dos Lassas ao quartel, Pami sabe, pelas conversas que ouve junto dos milícias, eles ter-se-iam esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC. Mas sobre Malan não consegue saber mais nada de concerto.

Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?


(viii) Caminhamos para os finais de 1965. Pami têm agora duas novas amigas, com quem conversa mais amiuadamente, as lavadeiras Miriam e Meta, esta última mulher de um velho milícia. Os Lassas já se habituaram à presença de Pami que continua a observar e registar mentalmente tudo o que se passa à sua volta. Dá conta da existência de um furriel de nome Gonçalo, que passa a vida a falar com o seu cão cufar. No final do ano, aparecem aviões a lançar toneladas de bombas sobre o Cantanhez. Os Lassas saem para uma operação em Darsalame. O Furriel Rafael é ferido e evacuado para o Hospital de Bissau. Miriam está chorosa e apreensiva. Leva Pami ao quarto do Furriel a quem lava a roupa e a quem faz favores sexuais. Pami fica intrigada com as fotografias que vasculha. As duas mulheres falam sobre as bajudas brancas do Furriel.

Agora já ninguém liga à prisioneira nem a importuna. Mas Pami fica triste certo dia, quando ouviu um soldado a ler, a outro, uma carta dos pais... A professora interroga-se sobre a condição humana e a estupidez da guerra. Com mais liberdade de movimentos e beneficiando da amizade de Miriam, Pami vai conhecendo melhor o quotidiano dos Lassas, as suas misérias e grandezas. Mas o que mais espicaçou a sua curiosidade intelectual foi uma longa conversa sobre os povos da Guiné, travada num círculo à volta do Leão de Cufar e dos seus colaboradores mais próximos. No final, fica a saber que Rafael tinha voltado do hospital…

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