terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2471: Glória às nossas enfermeiras pára-quedistas e aos malucos das máquinas voadoras (Henrique Cerqueira, Bissorã e Biambe, 1972/74)

1. Mensagem, de 14 do corrente, do Henrique Cerqueira (1)


Olá, camarada Luís e restantes Tertulianos.

Hoje resolvi escrever alguma coisa para o nosso Blogue e a motivação foi despoletada pelo facto de ver publicado um artigo no blog referente às DO - Dornier 27 (2).

Sim, senhor, é necessário lembrar todos os nossos camaradas pilotos e restantes equipas que tantas vezes nos trouxeram um raio de esperança quando estávamos envolvidos em situações de aflição e daí eu recordar uma situação que se passou comigo.

Pois como já disse anteriormente, eu terminei a comissão na CAÇ 13 em 1974, mas quando fui para a Guiné fui colocado em Biambi que era a 3ª Companhia do BCAÇ 4610/72.E então passados dois meses mais ao menos e no cumprimento da minha obrigação, fiz parte de um dos muitos patrulhamentos em missão no mato. É então que após o atravessamento de uma famosa bolanha (Insentaque) fomos surpreendidos por uma emboscada do inimigo e aí tivemos dois feridos graves nos milícias e um furriel, de seu nome Fonseca, natural do Porto.

Até aqui tudo normal para a situação que se vivia na altura, pese embora o facto de ainda sermos muito Periquitos e ser o nosso primeiro embrulhanço. A consequência de toda a nossa inexperiência foi que em poucos segundos gastámos tudo que eram munições e ficámos todos como baratas tontas, tanto pela falta das ditas munições, como não sabíamos mesmo o que fazer com os feridos. Penso que estarão mesmo a ver a cena.

Bom, lá conseguimos entrar em contacto com o aquartelamento e pedir apoio aéreo, assim como evacuação para os feridos. Após algum tempo lá apareceu o LOBO MAU, ou seja o Héli Canhão, e logo de seguida outro Heli para o transporte de feridos.

É aqui que me lembro de ver em pleno mato a sair do Heli uma enfermeira de camuflado e camisola branca bem justa ao corpo. Foi como saísse um anjo para nos ajudar, teve um efeito tão grande de tranquilidade que nunca mais me esqueci desse dia e por mais estranho que possa parecer é a imagem dos Helis e da enfermeira naquele caos que se tinha instalado que ainda hoje guardo do meu primeiro contacto com a verdadeira guerra.

Mais tarde e por motivos diversos viajei em Helicóptero e em DO, e por incrível essas viagens foram duas tentativas falhadas de me transportarem do Biambi para Bissorã, mas isso será outra estória.

Fui ainda informado mais tarde que uma dessas gloriosas enfermeiras foi morta por ter sido apanhada por uma hélice duma DO. Não sei se foi verdade ou não, mas não duvido que todos esses pilotos como pessoal de enfermagem e especialistas da Força Aérea Portuguesa eram mesmo uns Grandes e Gloriosos Malucos, de quem guardo muita gratidão. Não tenho fotos deles mas tenho grandes imagens no meu coração desses bravos camaradas da Guiné.

Quero ainda recordar aqui o Alferes Barros, nunca mais soube nada dele. Era um homem do norte mas parece que vivia em Cascais. De igual modo o Furriel Fonseca, o tal ferido que é do Porto, mas muito em especial o meu fiel amigo e carregador Guineense INHATNA BIOFA que me acompanhou até ao final da comissão na CCAÇ 13.

Bom, isto foi uma estória com o intuito de lembrar em especial todos os Pilotos e pessoal das Força Aérea Portuguesa.

Aproveito para esclarecer aqui que nenhum oficial superior ou outro nunca conseguiu me incutir o espírito militar, pois, como a maioria de todos nós, fomos obrigados a ir para a guerra. Só que isso não significa que, mesmo contrariados, nós os milicianos e restantes obrigados não tenhamos cumprido com a nossa missão que se quiserem até lhe podem chamar de Patriota. E daí existir hoje este meio maravilhoso que nos permite até de ter saudades, sejam elas de factos ou de pessoas. É que foram tês anos das nossas vidas vividas em comum e que irão estar sempre presentes até ao dia do juízo final.

Malta da tertúlia, desculpem lá mas se não agradar a estória têm sempre o rolete do rato para acelerar para a próxima.

Um abração a todos os camaradas Tertulianos
Henrique Cerqueira

Ex-Fur Mil Bat 4610/72 Biambi
e CCAÇ 13 Bissorã até Julho de 1974

PS - Mais uma vez peço ao camarada Luís Graça que, se por qualquer motivo não achar interesse na publicação desta estória ou necessitar de alguma correcção em termos de formato ou escrita, está completamente à vontade. Lembro ainda que não tenho precisão de datas e até de nomes pois que andei muitos anos sem falar neste assuntos e muitas datas e nomes já foram...
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Notas dos editores:
(1) Vd. posts anteriores:

26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2219: Tabanca Grande (37): Apresenta-se Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil (BCAÇ 4610/72 e CCAÇ 13, 1972/74)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2368: Direito de resposta (1): Do Ex-Capitão Carlos Matos de Oliveira, ao Ex-Fur Henrique Cerqueira, da CCAÇ 13 (Bissorã, 1972/74)
(2) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

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