segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2465: Aires Tinoco, um dos primeiros alentejanos a ver terras da Guiné (Virgínio Briote)


Aires Tinoco, natural de Olivença, ao embarcar na caravela de Nuno Tristão, foi seguramente um dos primeiros alentejanos a ver as terras da Guiné.

O Comandante e quase toda a tripulação acabaram dizimados com setas envenenadas pelas populações nativas. Tinoco, que tinha partido como escrivão de bordo, fez-se ao mar e conseguiu atingir a costa portuguesa quase ao fim de dois meses sem avistar terra, pela rota que ficou a ser conhecida pela “Volta da Guiné”, a volta pelo largo ou, posteriormente, navegação pelo largo.

Era a quarta viagem que Nuno Tristão fazia, a mando do Infante D. Henrique, aventurando-se pela faixa costeira entre o Cabo Branco, que ele próprio descobrira em 1441, e o rio Geba.
À frente de uma caravela com cerca de trinta homens a bordo, Tristão passou ao largo de Cabo Verde, que Dinis Dias tinha descoberto em 1444 e, navegando para sul, achou a embocadura de um rio que se julga ter sido o Gâmbia.

Fundearam a caravela e, em dois batéis, subiram o rio. O batel de Nuno Tristão foi logo atacado pela população ribeirinha, que matou toda a tripulação com setas envenenadas.

Os outros tentaram refugiar-se na caravela, acabando por salvarem-se apenas cinco homens, “um grumete, assaz pouco avisado na arte de marear e um moço da câmara do infante, que se chamava Aires Tinoco, que ia por escrivão, e um moço guinéu que fora filhado com primeiros que filharam em aquela terra, e outros dous moços assaz pequenos que viviam com alguns daqueles escudeiros que ali faleceram” (Gomes Eanes de Azurara, cronista).

Aires Tinoco, com os escassos conhecimentos de navegação que possuía, conseguiu fazer-se ao mar, tentando atingir a costa portuguesa, o que conseguiu ao fim de quase dois meses, sem nunca avistar terra.

Diz Eanes de Azurara, na “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”:

“Ó grande e supremo socorro de todos os desamparados (…), onde bem mostraste que ouvias suas preces quando em tão breve lhe enviaste tua celestial ajuda, dando esforço e engenho a um tão pequeno moço, nado e criado em Olivença, que é uma vila do sertão mui afastada do mar, o qual, avisado por graça divinal, encaminhou o navio, mandando ao grumete que directamente seguisse para o norte (…), por que ali entendia ele jazia o Reino de Portugal (…).
(…) Este moço que disse era aquele Aires Tinoco (…), no qual Deus pôs tanta graça que por dois meses continuados encaminhou a viagem daquele navio (…); ao fim dos quais cobraram vista de uma fusta *(…), sobreveio em eles uma nova ledice, e muito mais quando lhes foi dito que estavam na costa de Portugal, a través de um lugar do Mestrado de Santiago, que se chama Sines. E assim chegaram a Lagos, donde se foram ao contar-lhe o forte acontecimento da sua viagem, apresentando-lhe a multidão de flechas com que seus parceiros morreram (…).


Os alíseos e a corrente das Canárias não permitiam, no retorno a Portugal, a navegação junto à costa.
"A volta da Guiné ou da Mina, afastando-se da costa, entrando bem pelo mar Atlântico, passou a ser comum, levando os marinheiros de então a escalar os Açores".

"Pelo feito, Aires Tinoco foi agraciado com terras em Elvas, na sua Olivença natal, onde lhe foi atribuído o Monte do Barroco (Velho), junto à aldeia de S. Jorge de Alôr, e ainda em Estremoz, onde, além do almoxarifado, recebeu casas e terras.
Aires Tinoco foi ainda escrivão do Infante D. Henrique. Em 1475 ainda vivia, ao que se julga em Extremoz".
(Maria Antónia Goes).

Segundo Francisco Contente Domingues, Professor de História na Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa,
“ (…) os navegadores portugueses viram-se obrigados a fazer a chamada ‘volta pelo largo’, ou seja, a internarem-se no mar alto para contornar os ventos que sopravam constantemente no sentido aproximado Norte-Sul, junto à costa africana. Essa manobra só podia ser feita recorrendo ao cálculo de, pelo menos, uma coordenada, a latitude, para o que se impunha a observação comparada das alturas dos astros. A novidade não consistiu nesta observação, conhecida e praticada havia muito, mas no facto de ter sido feita a bordo e dela se obter a posição do navio no alto mar, deixando o cálculo da longitude à perícia dos pilotos, já que só a puderam determinar com rigor quando o quarto protótipo do cronómetro de John Harrison provou a sua suficiência, no decurso do terceiro quartel do século XVIII”.
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*embarcação comprida de fundo chato, de vela e remo.

Recolha e selecção de texto: vb

Com a vénia e os agradecimentos devidos a Maria Antónia Goes, à revista Alentejo, Terra Mãe e ao Professor Doutor Francisco Contente Rodrigues (Univ. Lisboa).

“A Nossa História”, Maria Antónia Goes. Publicado na revista Alentejo, Terra Mãe. Revista gratuita > Nº 10 > 1º Trimestre de 2008 > http://www.alentejo-terramae.pt/

Imagens extraídas da revista.

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