terça-feira, 20 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2284: Antologia (66): A tropa do bacalhau, na Terra Nova e na Gronelândia: uma estória de vida (Joaquim Sampaio de Azevedo)

Ílhavo > Museu Marítimo de Ílhavo > DVD: A Campanha do Argus, um filme de Alan Villiers.

Veleiro da frota portuguesa da pesca do bacalhau nos Bancos da Terra Nova, construído em 1938, o lugre Argus tornou-se mundialmente conhecido através do livro do escritor Alan Villiers, The Quest of the Schooner Argus,  bem como do seu artigo, publicado no National Geograhic Magazine, em Maio de 1952, "I Sailed With The Portuguese Brave Captains".

Houve uma edição original, em português, sob o título A Campanha do Argus: Uma viagem aos Bancos da Terra Nova e à Groenlândia, com a chacela da Livraria Clássica Editora. Em 2005 , o livro foi reeditad, com o título A Campanha do Argus - Uma Viagem na Pesca do Bacalhau, em iniciativa conjunta da Editora Cavalo de Pau e o Museu Marítimo de Ílhavo .

A campanha do lugre decorreu entre Abril e Outubro de 1950. As filmagens feitas durante essa viagem deram origem ao filme The Bankers - The Quest of the Schooner Argus - do qual existe uma edição em DVD do Museu Marítimo de Ílhavo.


Figueira da Foz > Centro de Artes da Figueira da Foz > Julho de 2006 > Foto de um trabalhador da pesca do bacalhau. Presume-se que a foto original seja de Alan Villiers.

Imagem capturada por Luís Graça (2006).



Capa da revista Ardentia, 2, 2005. Propriedade da Federación Galega Pola Cultura Marítima e Fluvial

"Ardentía é unha Revista Galega de Cultura Marítima e Fluvial como consta na súa portada desde o seu primeiro número.

"O obxectivo da revista é publicar traballos dentro do seu ámbito temático que teñán unha contrastada calidade e interese, e tentando que parte de cada número esté relacionado coa actualidade do tempo no que se pública".


1. Amigos e camaradas: Hoje falamos do pesadelo da guerra que marcou toda uma geração, a nossa geração (Índia, Angola, Guiné, Moçambique, Timor)... 

Mas há outro inferno que tem sido ignorado ou escamoteado: a pesca do bacalhau... Sabiam que um mancebo, oriundo de comunidades piscatórias como por exemplo Ílhavo ou Viana do Castelo, podia escapar à Guiné, oferecendo-se como voluntário para a longínqua pesca do bacalhau na Terra Nova ou na Gronelândia ? 

Tratava-se de trocar um inferno por outro: As condições de vida a bordo eram duríssimas e o capitão de navio era um senhor todo-poderoso... Como se pode avaliar por esta estória de vida... Confesso que sempre tive um enorme fascínio e admiração por esta gente da pesca longínqua. (LG)


Extractos do artigo A pesca do bacalhau. (autores: Ivone Magalhães e João Baptista. Ardentia. 2 (2005): 41-46.


Esta entrevista, inserida no trabalho de campo sob o tema: 'A pesca do Bacalhau, recolha oral de histórias de vida de antigos pescadores', por parte da Associação Barcos do Norte junto da comunidade de antigos pescadores do Bacalhau de Castelo do Neiva foi realizada em 7 de Fevereiro de 2005 por João Baptista e tratada por Ivone Magalhães (comentários, notas de rodapé e arranjo ideográfico a partir de um guião tipo elaborado para a entrevista).


[ Excertos da entrevista a Joaquim Sampaio de Azevedo, de alcunha O Bucha, nascido em 1939, na freguesia de Vila Nova de Anha, Viana do Castelo. Aconselhamos a leitura do artigo na íntegra.]

(...)

Com que idade começou a andar ao mar?

-Comecei a andar ao mar aqui no nosso "mar do castelo" com 14 anos. Aqui pela nossa costa.

E na pesca do bacalhau?

-No bacalhau foi com 20 anos, em 1959.

Porque é que escolheu andar na pesca do bacalhau?

-Para me livrar à tropa, naquele tempo era preciso para livrar à tropa andar 6 anos seguidos ao bacalhau. Chamava-se a Tropa do Bacalhau. Eu fugi mais à tropa por isto: Eu casei com 19 anos e aos 20 estava viúvo, vi-me assim e disse: bom! Vou pró bacalhau pra livrar à tropa. Fiz lá seis anos seguidos pra livrar a tropa. Num passei esses anos e acabou, fui enganado.

Quando acabei a tropa do bacalhau tive de fazer mais 3 anos, fui obrigado pelo Tenreiro senão ia refractário para a tropa e isso não me convinha, pois os refractários eram os que eram apanhados a fugir à tropa e davam-lhe os piores sítios de combate, era para morrerem, eram carne para canhão... por isso no fim continuei, fiz nove anos só para a tropa... Ganhava dinheiro, mais do que se estivesse na tropa mas no fim, não sei se foi boa escolha. Fiz nove campanhas e depois para ganhar mais dinheiro fiz uma viagem ao Alasca a fazer um carregamento de bacalhau.

Em que navios andou embarcado?

- Andei no navio São Gabriel seis anos, no navio Ilhavense dois anos, e no navio Sotto Maior fiz duas campanhas, dez campanhas ao todo.

(...)
Que categoria desempenhava a bordo?

- A bordo era salgador. A minha categoria era salgador, os pescadores é que iam pescar e no fim de cada faina à linha no barquinho "Dóri" ainda vinham para bordo tratar do peixe, escalar, salgar, partir cabeças, tinham que fazer de tudo. 

Mas à parte dos pescadores havia pessoal da companha que tinha uma única categoria a bordo, como os maquinistas, os electricistas, os redeiros... cada um tinha o seu emprego, havia outros, normalmente os moços de primeira viagem a que chamávamos "verdes", porque não sabiam ao que iam, que tinham como função ajudar em tudo e aproveitar nas tripas do peixe o fígado para fazer o óleo, e nas cabeças aproveitar as caras e as línguas. Num navio daqueles cada um tinha a sua função, cada um tinha o seu emprego.

(...)

Como era a vida a bordo?

- A vida a bordo era trabalhar, passar fome e ser maltratados.

E a nível de camaradagem entre os pescadores?

- Os pescadores davam-se todos bem uns com os outros.

E com o Capitão como era o relacionamento?

- Nós tínhamos de nos dar bem senão o capitão mandava-nos prender. Só nos ameaçava com prisão, com cadeia.

Tem conhecimento de alguns que tenham ficado presos a bordo?

- Atão! Só num navio que eu andei e numa só viagem de uma vez foram 7 presos a bordo. Só por reclamar do comer.

(...)

Cuidados de Higiene e Saúde?

- Banho, nunca soubemos o que era tomar banho nesses seis meses que durava cada viagem.

(...)

E alguma história que o tenha marcado?

- Outras historiais que me lembre?... Bem... Muitas. Morrer homens no nosso navio só
morreram dois, afogados, perderam-se e desapareceram com o mau tempo, dizemos que se afogaram, mas nunca mais ninguém os viu... e o mais era quando os navios iam ao fundo, ardiam, estavam velhos.

(...)

Em jeito de conclusão o que nos diria?

- Dizia que ainda bem que hoje as coisas são diferentes. A pesca ainda é dura mas os riscos são menos e as pessoas já são tratadas de outra maneira. São tratadas
como pessoas. Naqueles tempos éramos tratados como animais.


Fonte: Ardentia, 2, 2005, pp. 41-46. (com a devida vénia...)

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