domingo, 14 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > "Quo vadis, Guiné ? Para onde vais, minha pátria ?", parece perguntar este jovem, de bicicleta, parado na ponte sobre o Rio Corubal, no Saltinho...

Guiné-Bissau > Abril de 2006 > Canjambari > Restos de antigo aquartelamento das NT > "Em África a vida não se fez / Para os que nada fazem".

Guíné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Anúncio publicitário: Guinetel Rede Móvel: Aproximamos os guineenses"

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Peças do Museu Nacional de Etnologia

Guiné-Bissau > Mansoa > Abril de 2006 > As velhas profissões que subsistem, 33 anos depois da independência

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > O direito à esperança

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Bissau, a capital de um Estado que é um caso perdido ? Fazemos votos para que os/as guineenses não desistam de lutar pelo seu direito ao futuro...

Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados.


O nosso amigo António Rosinha, que foi Furriel Miliciano em Angola (1961) e, como civil, topógrafo da TECNIL (Guiné-Bissau, 1979/84) (1):

1. Mensagem do António Rosinha, a propósito de mais um aniversário da independência da Guiné-Bissau, no passado dia 24 de Setembro, e que no essencial nos vem dizer que a Guiné-Bissau, de hoje, já nada tem a ver com a Guiné do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial / guerra de libertação (uma taxinomia que a RTP agora também usa, mas que paga direitos de autor: de facto, teremos sido nós, aqui, no blogue, a usar o trinómio, porque a guerra quando nasce é para todos, os que luta pela independência, os que são contra a guerra e a política colonial e, por fim, os que acreditam estar a defender a Pátria, que vai do Minho a Timor...):

Passou o aniversário da cerimónia da independência da Guiné na Madina do Boé (2), e a tertúlia não teve oportunidade de ter conhecimento das comemorações e dos respectivos discursos referentes à efeméride.

Será que não seria possível, com o relacionamento que já existe com os tertulianos guineenses, obter relatos da imprensa e da comunicação social local, como decorreu o dia e os respectivos discursos?

Esta seria uma maneira, tambem, de pressenstir uma realidade da terra e das pessoas que por mais anos que passem, nunca sairão do consciente e subconsciente durante a nossa existência.

Tenhamos em conta que a maioria de nós sabe que existiu uma terra, e umas gentes, mas que já pouco têm a ver com a Guiné actual.

Exceptuando, a paisagem, que pouco mudou.

Um abraço
António Rosinha

2. Reprodução, com a devida vénia, da crónica semanal do nosso querido amigo, o historiador Leopoldo Amado, na sua página Leopoldo: Diário (6 de Outubro de 2007)... É,. para todos nós, amigos e camaradas da Guiné mais uma prov(oc)ação... Será que a Guiné-Bissau está à beira de tornar-se um narco-Estado e, pior ainda, de ser um caso absolutamente perdido ? Evitamos, ao máximo, na nossa Tabanca Grande, imiscuirmo-nos nos assuntos internos dos nossos irmãos guineenses mas não podemos ficar indeferentes ao que se lá passa, desde a independência... Fazmeos figas, por outro lado, para que as nuvens negras que pairam sobre a Guiné-Bissau se dissipem... Que os nossos maigos guineenses têm direito à esperança e a ver cumprido o sonho de Amílcar Cabral

O FANTASMA DOS "LOST CASES"
por Leopoldo Amado

A actual noção de "Estados falhados”, na qual se inclui a Guiné-Bissau, não é nova. Porém, no contexto colonial e da guerra-fria, tanto as análises dos grandes centros de decisão mundial como a dos grandes centros de difusão massiva se limitavam a interpretar os problemas dos países periféricos como sendo “por procuração”.

Bem entendido, o conceito de “Estados falhados” era nessa altura inexistente, pois à escala mundial, afinava-se o diapasão dos problemas vários do planeta na perspectiva da dualidade que então comportava a partilha de influência geoestratégica entre os Estados Unidos de América e a ex-União Soviética, as duas únicas superpotências da altura em torno das quais gravitava tudo e o resto, mesmo as legítimas lutas de libertação como a nossa, ocorridas aqui e acolá, um pouco por todo o mundo.

Ora, de lá para cá é quase unânime a constatação de que os “Estados falhados”, a par do terrorismo e da proliferação de armamento de destruição maciça, são uma ameaça à paz mundial, se bem que, à semelhança do que acontece nas chamadas regiões periféricas do mundo, a situação geral da Guiné-Bissau não mudou muito, não obstante nas análises dos centros de decisão mundial e dos correspondentes centros de difusão massiva ser notório o facto de que a designação “por procuração” apenas ceder lugar ao epíteto “Estados falhado”.

Ora, esta mudança conceptual não correspondeu a uma hipotética melhoria do nível de vida nos países pobres, antes pelo contrário, é em si demonstrativo de que, para lá do mal que grassa nos países periféricos, com o seu cortejo de défices de gestão pública e de auto-capacidade de governação, existe igualmente, à escala planetária, algo de pernicioso no sistema mundial vigente, designadamente, nos termos de trocas comerciais e na redistribuição da riqueza, tudo isto, convenhamo-nos, apesar das ténues oportunidades que, no contexto capitalista, a globalização ainda assim oferece aos mais fracos.

Com efeito, e porque em termos de opções políticas e de política económica de nada valerá combater o capitalismo na presente conjuntura mundial, injustíssima que seja, é neste contexto que a Guiné-Bissau deverá apostar fortemente para tirar proveito das suas vantagens competitivas, que as possui, magras que sejam, à semelhança do que vem sendo feito com relativo êxito nalguns países com trajectórias históricas e políticas semelhantes.

Do mesmo modo, de nada serve também a opção política por panaceias como a que na Guiné-Bissau estabeleceu o primado do “puro fidjo di tchon [*]” sobre todas as premências, de resto, postura essa eivada de uma atroz visão retrógrada, aliás, a qual subjaz um pretenso discurso apologético de regresso às raízes genuinamente guineenses, mas que a todos os títulos se afigura também pernicioso, redutor, ilusório, para além de populista e altamente lesivo aos esforços de estabilização política, do estabelecimento de um Estado de Direito e do desenvolvimento.

Nesse sentido, parece ter alguma razão José Pacheco Pereira quando diz que “ (...) na Guiné-Bissau, nem vale a pena pensar, porque se tornou inabitável. É talvez a única parte do império que pensamos que perdeu as cores verde-rubras e voltou a dissolver-se no negro de África, na África não recomendável em que não entramos. Nunca pensamos Angola e Moçambique só como África, mas a Guiné é África de vez, ou seja, é-nos indiferente (…) [**]”.

Assim, parece pois poder concluir-se que não somos apenas um “Estado falhado” por força da transmudação que o conceito sofreu nas esferas de decisão mundiais ou porque nos rankings mundiais nos posicionamos na cauda de tudo ou quase tudo, mas certamente porque o quisemos deliberadamente, pois continuamos ingénuos a acreditar que podemos facilmente continuar a enganar os bailleurs de fonds a nos financiarem isto e aqueloutro, sem ao menos nos darmos ao trabalho de traçar as directrizes da internacionalização e do desenvolvimento no actual contexto, como se a corrupção e o narcotráfico possuíssem todas as virtualidades mágicas para resolver a panóplia de problemas próprios de uma sociedade desmembrada e em que vivemos paredes-meias com a intolerância e com o egotismo, em suma, um ambiente de autêntico salve-se quem puder.

Efectivamente, num momento em que as ténues possibilidades da globalização apresentam oportunidades únicas, sobretudo através da aposta em novas tecnologia de comunicação e informação, não se entende como é que o Estado da Guiné-Bissau logrou vender a sua ciber-identidade a uma empresa multinacional, ou seja, o seu domínio GW, podendo o mesmo dizer-se relativamente a um ou dois assentos importantes junto da CEDEAO alienados pelo Estado guineense em favor do Senegal (a troco de dinheiro, é evidente!), como se ao país faltassem cabeças pensantes para se compreender que muito do que se possa potenciar-se positivamente passa, neste era da globalização, por acertados posicionamentos político-diplomático no âmbito das relações internacionais, ou seja, pela maior ou menor capacidade de persuasão e de dissuasão no plano externo.


Sintomaticamente, há uns dois anos, a Revista Foreign Affairs e o Fund for Peace estabeleceram uma lista dos 60 países que, pelas suas características, se podiam considerar preencherem os critérios de “Estados falhados”. Curiosamente, nesta lista onde Moçambique e Angola se posicionam em 42º e 43º, respectivamente, a Guiné-Bissau simplesmente não consta. E não consta não por mérito próprio e nem por lapso, mas porque no conjunto da comunidade internacional desenha-se no horizonte uma forte tendência, senão para uma nova transmudação do conceito de “Estados falhados”, pelo menos para a criação de uma nova subcategoria denominada lost cases (casos perdidos), de resto, fantasma esse que, de algum tempo a esta parte, quer queiramos quer não, paira tristemente sobre a Guiné-Bissau e os guineenses.

Leopoldo Amado
(Crónica de Sábado)

Notas de L.A.:

[*] – Puro filho da terra, tradução não literal.

[**] – Cf. http://catacrese.blogspot.com/2006_06_01_archive.html

___________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) 1973 - Ainda sob administração portuguesa, a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, eleita em 1972, reúne-se em Madina do Boé, território libertado, proclamando a independência do país, a 24 de Septembro e elegendo Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar Cabral, Presidente do Conselho de Estado.

1 comentário:

septuagenário disse...

Infelizmente as observações de Leopoldo Amado, sobre a Guiné actual, mas podem ser extensivas a muitos outros paises africanos, são pontos de vista que eram mencionados nos anos antes de 1960, pelos cepticos quanto às independências africanas, quando nós os tertulianos, ainda não sabiamos o que nos esperava.

E era nessa prespectiva, que muitas figuras públicas angolanas, mocambicanas, caboverdeanas, Saotomenses e guineenses, desses tempos, não aderiram aos movimentos de libertação.

Mas, porventura, seriam tão independentistas como os que integraram os movimentos.

Essas figuras públicas, foram tantas, que não cabe aqui menciona-las. No entanto não resisto a mencionar duas figuras que nunca emitiram opinião: O Saotomense, Almada Negreiros, e o escritor angolano, Óscar Ribas.

Só menciono estas figuras, porque conheci pessoalmente, quer profissionalmente, quer socialmente, imensa gente em Angola, angolanos de pai e mãe, outros apenas de mãe, que futuravam exactamente tudo o que estamos a assistir. (Em 1957, a 1961).

um abraço,
antº rosinha