quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2019: Memória dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte I) (João Parreira)

co-editor vb:

Mensagem endereçada ao Luís Graça, do João Parreira, que a propósito do Encontro da CART 730, efectuado este ano no Algarve, aproveita para recordar o percurso nas casernas militares, em Elvas e Mafra, com passagem por Lamego até dar com os costados em Bissorã.



Missão da CART 730, ou o programa das festas

Antes de começar a minha prosa de hoje aproveito para dizer, embora o devesse ter já feito, de que desde que entrei para o teu excelente blogue, que em boa hora decidiste criar e editar em prol de todos nós que andámos pela Guiné naqueles anos difíceis, que a blogoterapia, como por vezes lhe chamamos, tem ajudado imenso já que, relatando através da escrita algumas das situações vividas aos vinte e poucos anos e nas quais nunca mais pensei, me sinta como que liberto dum certo peso, muito embora, e contra a minha vontade, não possa evitar alguma excitação ao procurar recordar em pormenor muitos daqueles momentos.

Bissorã

Tendo a CART 730 chegado a Bissorã há relativamente pouco tempo, aproveitei um dos dias de repouso e mais uma vez afastei-me do aquartelamento com um camarada, numa espécie de passeio e deparou-se-nos este macabro achado.

João Parreira, de pistola em punho para um esqueleto, algures na zona de Bissorã

Metrópole–Bissorã-(Biambe)
Iª Parte

Ao mesmo tempo que analisava o esqueleto puxei da pistola, e descontraído, pedi para ser fotografado. Depois pensei em dar uns tiros até cortar a corda, mas achei que não seria prudente pois iria alertar o IN ou alarmar as NT.
Parti do princípio que poderia ser de um africano que ajudava as NT e que, como exemplo, foi enforcado, razão pela qual ainda não o tinham tirado dali.

Antes de narrar os pormenores da operação a Biambe e uma vez que dentro de pouco tempo ia sair da Companhia e, como tal acabava-se todo um capítulo recheado de peripécias, gostaria de recuar uns meses.

No CIOE

Bem conhecido de alguns Camaradas tertulianos, já que alguns o frequentaram. Tomei a decisão a seguir descrita na operação, porque naquela altura ainda me sentia muito auto-confiante, talvez devido à aprendizagem de várias semanas que tinha recebido meses antes em Portugal nas duas fases do Curso, Mafra e Penude, que decidi frequentar, pois sabia de antemão que mais cedo ou mais tarde iria parar ao Ultramar.

Encontrava-me em Caçadores 8, em Elvas, donde seria enviado para uma Unidade Mobilizadora, pelo que antes que tal acontecesse ofereci-me para o Curso pensando que assim poderia ir melhor preparado para a guerra de guerrilha e, deste modo, salvar a pele.

Elvas, cidade militar, traz-me boas e más recordações, estando entre as primeiras as valentes farras que durante as folgas, na companhia do nosso novo tertuliano, Mário Fitas, fazíamos nas povoações vizinhas.

E entre as más, já agora porque não uma de caixão à cova? Bom. Estava de sargento de ronda, e como tal o condutor ia-me deixando à porta de cafés, bares, tascas, etc.,onde não deixava de beber aqui e ali um tinto ou uma cerveja até que a última que me lembro foi quando de regresso me encontrava a escassos metros do Quartel.

Na manhã seguinte quando acordei completamente nú no quarto que tinha alugado
num primeiro andar não me lembrava absolutamente de nada a não ser que tinha uma forte dor de cabeça devido à ressaca tendo pouco depois ficado apavorado ao reparar que não tinha a pistola, as botas, o bivaque e a farda. Enfim...

Nunca tendo tido a oportunidade de me encontrar com pessoal que frequentou o CIOE nos anos seguintes, e com o propósito de trocar recordações, aproveitei a presença no encontro do passado dia 28 de Abril em Pombal de um dos nossos camaradas da tertúlia, o Fernando Chapouto, que, para surpresa minha, me deu conhecimento que no final do ano de 1964, ou seja passados poucos meses, o curso foi alterado para uma só fase - e a razão da qual gostaria de saber- que foi ministrada em Lamego, ficando os instruendos instalados no Quartel daquela cidade.

O General Ranger Rodolfo Bacelar Begonha foi o 1º. Oficial português a frequentar o Curso de Ranger nos EUA em 1962.

Em Abril de 1960, com a extinção do Regimento de Infantaria 9, foi criado o Centro de Instrução de Operações Especiais, conhecido como Rangers e cujos cursos se iniciaram em 1963.

Como curiosidade, faço uma descrição muito sumária dum Curso iniciado em 4 de Maio 1964. Já se passaram mais que quatro décadas e nunca vi nada escrito sobre o assunto.

Naquele tempo, como se sabe, ainda não existiam Comandos formados em Portugal.
Depois de exames médicos efectuados no Hospital da Marinha e da respectiva selecção em Mafra, ficaram aprovados 41 instruendos para frequentar um dos primeiros cursos de Rangers, regressando os outros às suas Unidades.

No C.M.E.F.E.D. (Centro Militar de Educação Física e Desportos) em Mafra, onde decorreu uma das duas fases, foi-nos logo dito que ali era tudo em passo de corrida.
Aplicaram-nos uma disciplina férrea e uma mentalização constante reservando-nos para as manhãs um crosse diário e progressivo, vários exercícios físicos, que sem nos darem descanso, levavam uns ao desespero e outros até aos limites das suas forças.
Ficámos alojados em pequenos quartos no último andar do Convento de Mafra.

Quando era necessário ir mudar de roupa para novos exercícios davam-nos 5 minutos, caso demorássemos mais eramos obrigados a fazer o que nos mandavam e que geralmente eram flexões, cangurus, etc.

O cenário dos exercícios era a Tapada, a piscina, o tanque, o campo de tiro, as estradas, as praias e as escarpas.

Sobre o olhar atento de um instrutor os cabos milicianos aguardavam a sua vez para individualmente receberem instrução.

Da parte da tarde eram ministradas aulas teóricas sobre organização militar, táctica geral, organização do terreno, itinerários, patrulhas, coordenadas topográficas e militares, orientação da carta, sobrevivência, combate na selva, etc..
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De vez em quando ao fim da tarde tínhamos prática de tiro, lançamento de granadas e exercícios de rastejar com a arma nos braços sobre a lama e por baixo de arame farpado, sobre o qual um sargento com uma metralhadora montada num tripé fazia fogo a rasar.

CIOE-Penude

Os 41 instruendos, sob a direcção do Cmdt. Ten-Cor. Flamínio Machado da Silveira, eram orientados por 5 instrutores e 7 monitores.
Ficámos isolados num monte e instalaram-nos em 2 tendas enormes, uma para os 2 Alfs.(Inf. e Cav.) e 19 Asps.of.mil. e a outra para os 20 1ºs. Cabos mil..
Um deste Alf., o de Inf. José Alberto Cardeira Rino, alcançou em 1999 o posto de Ten.General, Ranger, que em 2002 assumiu as funções de Comandante da Inspecção-Geral do Exército.

Em Penude e nas serras limítrofes éramos diariamente postos à prova e fizeram-nos aplicar os ensinamentos obtidos.

Uma patrulha de 4 parelhas, duas de aspirantes a oficial e duas de 1ºs. Cabos mil. devidamente armada!

O João Coroa Coelho (parelha) em cima do L da placa foi parar a Angola.
Para não perdermos o hábito, os castigos continuavam, mas para pior, pois como estávamos organizados por parelhas, quando durante a noite ou madrugada tocavam uma ou mais vezes para alinharmos na parada correctamente fardados e equipados, se um se demorava um pouco mais a chegar ou não se apresentava em condições na revista o outro era igualmente penalizado.

Por azar saiu-me na rifa o Coelho que era um sorna dos diabos.

Treino num acampamento que foi montado para 3 dias

Nos Domingos à tarde davam-nos um bónus, deixavam-nos vestir à civil, enfiavam-nos dentro de uma camioneta com destino a Lamego e no centro da cidade faziam-nos saltar em cambalhota com a viatura em movimento, o que nos enchia de prazer e de orgulho pois as miúdas da terra paravam e ficavam a ver e, como tal, podíamos ter a sorte de começar um namorico.

Em Lamego juntinho a uma garota da terra (à noite houve baile).

No final das cerca de 10 semanas e depois de tanto penarmos só foi concedido aproveitamento aos 2 Alf, 10 Asp Mil e 12 Cabos Mil.



Como recompensa, ofereceram-nos uma visita às Caves da Raposeira e um distintivo para o braço, que cada um passou a usar.
Passados poucos meses todos os que frequentaram o Curso foram mobilizados para Angola, Moçambique e Guiné.

Na Guiné faleceram em combate o Fur Mil Domingos Moreira Leite em 30Jan65 e o Alf Mil Mário Henrique Santos Sasso, em 5 de Dezembro de 1965.

(Continua).

1 comentário:

Elvas Militar disse...

Exmo Sr João Pereira

niciei recentemente um Blogue (http://elvasmilitar.blogspot.pt/) onde tento abordar temas sobre as Unidade Militares e os militares que estiveram nas fileiras em Elvas.

Infelizmente tenho-me deparado com poucas coisas sobre este tema, assim venho solicitar o favor (se assim o entender) que me facilite documentos, fotos e mesmos historias por si vividas que possam fazer parte deste blogue.
Através de pesquisas no sitio (luis graça e camaradas) descobri que o senhor esteve no Batalhão de Caçadores N.º 8 em Elvas, venho assim pedir autorização para publicar a sua historia no meu blogue assim como alguns documentos acima referidos.

Atentamente Fernando