quarta-feira, 20 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné > Zona Leste > Pirada > "O meu grande Amigo Gramunha Marques", nas palavras do António Pinto... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...


Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).


Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tertuliano, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).


1. Mensagem de Adelaide Gramunha Marques:

Exmo. Senhor Dr. Luis Graça

Estou a escrever-lhe porque através de um dos meus sobrinhos (1) veio parar-me às mãos um blogue que fala da Guiné, daqueles que por força do destino ou da cegueira de um homem, se viram envolvidos em lutas que não provocaram e cujo desfecho final nem sempre foi o mais agradável.

Deixe que me apresente primeiro: o meu nome é Maria Adelaide Gramunha Marques Sales Crestejo, irmã do falecido Martinho Gramunha Marques (2).

Quero que saiba que a minha primeira reacção quando vi o blogue, foi de expectativa pois fiquei entusiasmada com a ideia de que aqui podia finalmente encontrar alguém, que durante aquele período de tempo em que ele esteve na Guiné (3), conviveu com ele, quem sabe assistiu aos seus últimos momentos, o confortou, lhe deu apoio enfim, não o deixou morrer sozinho (2).

Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele.

Há no entanto tanta coisa que eu gostaria de saber, por essa razão lhe escrevo este email, pois gostaria se isso fosse possível, entrar em contacto directo com o Sr. António Pinto (4), seja através de telefone ou email.

Dr. Luis Graça, não quero terminar este email sem antes mandar para si e para todos os que de uma maneira ou doutra tornaram este cantinho uma realidade, um BEM HAJAM e as maiores felicidades.

Adelaide Gramunha Marques


2. Comentário de editor do blogue:

Querida senhora, cara amiga: Deixemos as deferências. Deixe-me ser solidário na sua dor e na sua revolta. Deixe-me que lhe fale do meu próprio espanto. O seu irmão morreu há mais de 42 anos, no dia 30 de Janeiro de 1965, em Madina do Boé (de má memória para muitas famílias portuguesas) e, tanto quanto sei, está sepultado no cemitério de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, distrito de Portalegre.

Mas a família nunca soube as circunstâncias da morte do Martinho. Vem a sabê-lo, há dias, casualmente, impessoalmente, através da blogosfera, através do do relato de um camarada e grande amigo do seu tempo de Guiné, o ex-Alf Mil António Pinto...

É triste que as coisas tenham acontecido assim. É revoltante que o Exército, na época, não tenha conseguido sequer humanizar a notícia da morte dos seus homens. Percebo hoje a sua revolta, que é também a nossa. Resta-nos a consolação de termos contribuído um pouco - todos nós, a começar pelo António Pinto - para que você, irmã do nosso camarada Martinho Gramunha Marques, e os seus familiares mais próximos, consigam finalmente fazer o luto e preservar o melhor da sua memória... Através do nosso blogue, através do pungente relato do seu amigo e camarada António Pinto, o Gramunha Marques não será esquecido... Vou pedir ao António que entre rapidamente em contacto consigo: ele vive hoje em Monção (email> antoniopinto67@sapo.pt ).

_______

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(...) Comentário do Bernardo: "Boas, sou sobrinho do Martinho Gramunha Marques (que nunca conheci) e qual não foi o meu espanto quando encontrei estas breves histórias em que ele participou e não conhecia. Foi uma surpresa agradável.Cumprimentos,Bernardo Gramunha Marques" (...).

(2) Sobre a morte do Alf Mil Gramunha Marques, vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido


(...) "(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

"Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.

"Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

"Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

"Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim" (...).


(3) Segundo pesquisas feitas pelo nosso camarada José Martins, o Martinho Gramunha Marques, Alferes Miliciano Comando, natural de Cabeço de Vide / Fronteira, inumado no cemitério de Cabeço de Vide, tombou em Madina do Boé em 30 de Janeiro de 1965. Pertencia à 3ª Companhia de Caçadores Indígenas.

Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

Sobre a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, o José Martins coligiu mais os seguintes elementos informativos:

"Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG, formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, iniciando a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I.

"Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego. Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Sector Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé. Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade.

"Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5".

Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

(4) Sobre o António Pinto e as unidades a que pertenceu, vd. posts:

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

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