quinta-feira, 7 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1822: Estórias do Gabu (5): Nunca chames indígena a ninguém (Tino Neves)

Região Autónoma da Madeira > Ribeira Brava > Sítio da Encumeada (a 1000 m de altitude > Maio de 2007... Está por conhecer a pesada factura humana e social da guerra colonial que a Madeira e os madeirenses também pagaram...

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados


1. Texto do Tino Neves , ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71.

Vou contar uma pequena estória, que me veio à memória recentemente (1).

A estória passou-se comigo e um soldado da Ilha da Madeira. Digo já que não tenho nada contra os Madeirenses, apesar de ainda nunca ter ido à Madeira. Tenho, de resto tenções de lá ir um destes dias, pois tenho lá camaradas da minha companhia.

Um determinado dia no ano de 1971, já no Aquartelamento novo de Nova Lamego (Gabu), chegou uma coluna de víveres, de um aquartelamento da zona, já não me recordo de onde). Estando eu na Sala do Soldado (cantina), a comer uma sandes de chouriço e a beber um cerveja, chega um soldado dessa coluna, muito falador. Se não fosse a pronúncia, diria que seria do Algarve (já que os algarvios têm fama de faladores).

Como sou descendente de algarvios, e apesar de ter nascido na Cova da Piedade (Almada), fui baptizado no Algarve (Luz de Tavira). Fiquei por isso curioso em saber de onde ele seria, pois nesse tempo não sabia distinguir um madeirense de um açoriano. Na minha companhia tinha dois camaradas da Madeira, e não falavam assim, daí eu resolver interpelá-lo com a seguinte pergunta:
- Donde é que tu és indígena?

E tive como resposta rápida:
- Vou-te matar! - e nisto sacou de um grande punhal (daqueles à Rambo, com serrilha) e deitou-me uns olhos, que eu fiquei sem pinga de sangue, a olhar para o facalhão.

Se não fossem os camaradas presentes a segurarem-no, ele, julgo eu, que o fazia, mas depois de ser desarmado, eu caí em mim e percebi a razão da sua reacção. Ele deve ter pensado que eu estava a insultá-lo, a chamar-lhe… indígena. Ele deve ter percebido a pergunta deste modo:
- Donde é que tu és, indígena ? – Procurei, por isso, pôr água na fervura, reformulando a pergunta:
- Eu sou indígena de Lisboa, Almada… E tu?

Aí ele acalmou e compreendeu o que queria dizer:
-Ahhhh, eu sou da Madeira!

Depois pediu-me desculpa pela sua reacção, porque não compreendera bem o que eu queria dizer. Eu respondi-lhe que quem tinha de pedir desculpa era eu, porque eu tinha o mau hábito de usar o termo Indígena em vez de Natural. E logo a seguir pedi ao barman mais duas cervejas, que pagava eu.

Moral da estória: nunca deves perguntar a ninguém donde é que é… indígena, principalmente, a quem estiver armado até aos dentes, com facalhão à Rambo e G3 a tiracolo.

Um abraço

Tino Neves

Almada

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Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior > 20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)

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