quinta-feira, 31 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1804: Bibliografia (8): Rumo a Fulacunda, de Rui Ferreira: Em defesa do bom nome dos velhos comandos (João Parreira)



Emblemas do Grupos de Comandos Fantasmas (1965/66) e Apaches ( 1966) .

Fotos: Tantas Vidas, blogue de Virgínio Briote (com a devida vénia).


1. Texto do João Parreira, ex-furriel miliciano comando dos Grupos de Comandos Os Fantasmas e Os Apaches (1965/66) (1).


Caro Camarada de Tertúlia, Coronel Rui Alexandrino Ferreira,

Sobre o seu livro Rumo a Fulacunda (2), extremamente interessante e elucidativo - e como tal faço votos para que sejam vendidos muitos exemplares - gostaria, se me permite, e por me parecer pertinente, fazer apenas algumas considerações, caso contrário não ficaria bem com a minha consciência (3). Para isso vou transcrevo algumas, breves, partes do livro.


Estive nos Comandos em Brá, oficialmente desde 11 de Fevereiro de 1965 (excepto entre 21 de Fevereiro e 14 de Março de 1965) no Grupo Fantasmas (1º. Curso) e, depois da sua extinção, no Apaches (2º. Curso).

Fiquei neste grupo também até à sua extinção uma vez que em 30 de Junho de 1966 chegou a Brá a 3ª Companhia de Comandos que recebeu instrução em Lamego, no CIOE, e foi mobilizada no RAL 1.

Ainda foi ministrado na Guiné um 3º Curso que terminou a 28 de Abril de 1966, ou seja 2 meses antes de chegar a 3ª CCmds, e no qual participaram 14 soldados, quatro 1ºs. Cabos, o Fur Jorge Ázera e o 2º Sgto Galileu Cordeiro.

Fiquei em Brá até 11 de Agosto de 1996, tendo regressado à Metrópole em 13 do mesmo mês.

Antes de ingressar no primeiro deles, de livre vontade, fui operacional da CART 730, onde fui colocado em 1964 após ter terminado com aproveitamento o treino físico do Curso de Operações Especiais (no CMEF) em Mafra e depois no CIOE em Penude (Lamego), e que na altura era referido como rangers.


1) Voltando ao livro, diz Rui Alexandrino Ferreira, na página 107: “Num à parte, para melhor compreensão da situação, refiro ter a dita Companhia de Comandos uma péssima fama entre a tropa macaca (era assim que estes se referiam às Companhias normais)".

1a) No que concerne à frade "para melhor compreensão da situação..... péssima fama", perdou-me o meu pensamento, mas não posso deixar de levar em conta que este nome depreciativo péssima foi muito provavelmente inventado para denegrir o bom nome dos Comandos e satisfazer eventuais ódios ocultos de meia dúzia de iluminados no contexto da Guiné.

Digo isto, salvo melhor opinião, porque tendo percorrido praticamente toda aquela Província, como é óbvio, e estado em contacto directo com imensas Companhias com as quais fizemos várias operações, nunca nenhum elemento dos meus Grupos sentiu qualquer inimizade, muito bem pelo contrário, pois não raras vezes foram enviados para reforçar Companhias que eram mais atingidas pelo IN.

1b) Tropa macaca: desconheço quem criou ou pôs a correr aquele nome, se é que de facto existiu; no entanto posso assegurar-lhe, se é que isso vale alguma coisa, que durante o período atrás referido, e como é natural, confraternizei em Bissau não só com camaradas doGrupos, desde alferes a soldados, como também de outras Unidades não só do Exército como da Marinha e da Força Aérea.

Nesses contactos nunca ouvi ninguém dos Grupos referir-se ou mencionar a tropa, que afinal éramos todos nós, como tropa macaca.

No que concerne aos outros dois ramos [, a Marinha e a Força Aérea,], nunca ouvi, igualmente, referirem-se ao Exército com aquele nome. Também em contacto directo nos aquartelamentos ou no mato com as imensas Companhias que nos fizeram ao longo do tempo a cobertura de ida e regresso, nunca ouvi no meu tempo, repito, qualquer elemento dos Grupos referirem-se a qualquer camarada do Exército como Vocês são tropa macaca;


2) Logo a seguir o autor do livro mencion: “Corria à boca cheia que num daqueles bambúrrios da sorte que acontecem uma vez na vida teve a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras com uma mal protegida mas muito bem aprovisionada arrecadação turra, cheia de material de guerra” (página 107).

2a) Na realidade, quando às 19H00 se partiu para essa operação, a mesma estava devidamente referenciada e não a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras...

2b) e, na mesma linha, com uma "mal protegida"... A informação emanada das Chefias Militares era que a referida base era composta por 80 homens bem armados ("mal protegida" ?).

De tal maneira estava a base mal protegida, como é mencionado, que o IN infligiu ao grupo, composto de 22 elementos, um morto, dois feridos graves que foram evacuados de heli para o Hospital de Bissau e mais 6 feridos ligeiros.

Tal como o Senhor Coronel, também fui ferido em combate não duas mas três vezes, tendo numa delas sido evacuado.

3) Seguidamente refere: “Guardadas, em recato, umas dezenas de armas que ali existiam, teriam entregue só uma parte e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão, a afirmar alto e bom som, na messe de Oficiais, em Bissau que iria sair para o mato e só de lá regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (página 107).


3a) “Guardadas em recato, umas dezenas de armas .....entregue só uma parte”... Acho muito difícil e pouco provável que o tenha feito sem o conhecimento dos elementos do Grupo, por outro lado como as transportaria escondidas, e onde as guardaria em recato e, por conseguinte sózinho, umas dezenas de armas: no armário do quarto, debaixo da cama, no QG, numa palhota secreta, em que lugar ?


3b)... “e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão” (...) (página 107).

Para esse efeito o referido oficial deslocou-se a Portugal no dia 10 de Junho de 1965 (e foi também condecorado) tendo depois regressado à Guiné.

3c) “Afirmar alto e bom som, na messe Oficiais, em Bissau, que iria sair para o mato e só de lá
regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (págima 107).

Parece-me injusto que na messe dos Oficiais lhe tenham posto na boca estas afirmações uma vez que nunca poderia satisfazer a promessa que religiosamente cumpria uma vez que o Grupo não efectuou mais operações em virtude de, pouco tempo depois, ter sido extinto.

Infelizmente, desde há 5 anos que o referido Oficial não se encontra no mundo dos vivos.

Respeitosos cumprimentos do tertuliano João Parreira

2. Comentário do editor do blogue:

João e Rui:

Estas questões do bom nome e da honra (do indivíduo ou do seu grupo de pertença), são deveras delicadas... Mas eu concordo que se venha a terreiro defender a memória dos camaradas com quem se conviveu e com quem se lutou... Acho bonito que o João venha defender a memória do seu camarada Saraiva, tanto mais que ele já não está cá, neste vale de lágrimas, para se defender...

Escusado será dizer que eu acho bem que que se cultive, no nosso blogue, o espírito crítico, a defesa da verdade ou valores como a liberdade de pensamento e de expressão... A regra é: podemos discordar, saudavelmente, uns dos outros, sem que isso descambe num conflito patogénico, disruptivo, disfuncional...

Em matéria de opiniões, cada um tem as suas e deve defendê-las, com elegância, inteligência, bom gosto, bom senso, etc. Já a verdade dos factos é um princípio fundamental do nosso blogue... A menos que se trate de textos ficcionados, devemos ser intransigentes neste ponto. É claro que hoje a memória pode atraiçoar-nos... E memso no passado, é bom não esquever que tínhamos uma visão parcelar das coisas... Quantas vezes não emprenhámos pelos ouvidos!

É claro que o livro do Rui, muito interessante e de leitura apaixonante em muitas das suas partes, foi concebido e elaborado num contexto que nada tem a ver com o nosso blogue ou a nossa tertúlia. É um livro, de memórias, está no mercado livreiro, está nas bibliotecas, pertence agora aos leitores e ao público...

É, de resto, nessa qualidade de leitor que o João aqui vem, a terreiro, pôr os pontos nos ii em relação dois ou três parágrafos referentes a um Grupo de Comandos. Se ele tiver razão, o Rui poderá ainda ir corrigir os parágrafos em causa (página 107), na 3ª edição, que eu espero esteja para breve... Mas o autor é sempre soberano...

Fiquem, os dois, com o meu apreço e a minha amizade. L.G.

PS - O João esqueceu-se que, entre camaradas, nesta caserna virtual, tratamo-nos todos por tu...

___________

Notas de L.G.:


(1) Vd. post anteriores do (ou referentes ao) João Parreira:

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)

20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)

13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1389: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (5): Comandos A. Mendes & João S. Parreira

6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1405: Antologia (56): Marcelino da Mata, o último guerreiro do Império (João Parreira)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

12 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1584: Um choro no mato e as (des)venturas de um futuro comando em Bissorã (João Parreira)

29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)


(2) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)


(3) Vd. também a apreciação crítica do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando :

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

(...) "Do resto, emites algumas opiniões generalizadas sobre os cmds, opiniões a que tens evidentemente todo o direito. "Que corria à boca cheia que num bambúrrio de sorte....", que entraram numa arrecadação, coisa e tal, e que aquilo durou até ao fim da comissão...E perguntas-te a ti próprio se terá sido verdade. "Actuações terrivelmente confrangedoras..." "E se operacionalmente não era aquela CCmds um valor efectivo nem o podia ser nunca, pois ...., mal preparados..." Opiniões.

"A CCmds actuou de Jun 64 a Jun 66. Os efectivos rondaram os 200 homens. Tiveram 12 mortos e 19 feridos. Cerca de 70 armas capturadas, para falar só de armas. Foram estes os resultados. Não são opiniões.

"Àparte esta questão, repito, caro Rui, tive muito gosto em ler o livro. Rever aquelas terras, página a página, os nomes dos intervenientes quase todos meus conhecidos, foi uma leitura muito interessante.Caro Rui Ferreira, um grande abraço e até um dia destes" (...).

1 comentário:

Unknown disse...

Rui Alexandrino Ferreira, eis que tendo sido oficial na minha companhia, a 1420, eu não tenha a mais vaga ideia dele.Cheguei a jantar em grupo com ele com o Rui e alguns outros camaradas na cervejaria trindade e NADA me veio à memória sobre o personagem.