terça-feira, 22 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1778: Álbum das Glórias (13): O que custava mais eram os primeiros 21 meses (Humberto Reis / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Messe dos Sargentos > Pessoal da CCAÇ 12 (1969/71) e da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) no almoço de Natal: na foto, consigo distinguir, no lado esquerdo, os furriéis milicianos da CCAÇ 12 Marques, Branquinho, Martins (o Pastilhas), o Pina e o Fernandes... No lado direito, assinalados com um rectângulo a amarelo, reconheço o nosso vagomestre, Jaime Santos, e o José F. G. Almeida, de transmissões (1).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


O Álbum das Glórias (2)

1. O nosso amigo e camarada Humberto Reis estava, há dias, desapontadíssimo porque, pela primeira vez, desde que a malta de Bambadinca, da época de 1968/71, se reune periodicamente para conviver - prática inaugurada em 1994 - vai ter que faltar à chamada (3)... Ou seja, no dia 26 de Maio, sábado próximo, ele estará na Suécia, numa viagem de negócios (o nosso engenheiro está ligado à concepção, instalação, gestão e manutenção de sistemas de ar condicionado), enquanto os camaradas do seu tempo de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Rec Daimler 2206, Pel Caç Nat 52, Pel Caç Nat 63, etc.) se irão juntar, em Lisboa, na Casa do Alentejo, sob a batuta dos ex-Alf Mil da CCS do BCAÇ 2852 Fernado Calado e Ismael Augusto...

O Humberto fazia questão de dizer-me que ele era um dos quatro 'totalistas' da CCAÇ 12: ele, o Marques, o Fernandes e o Sousa, ex-1º cabo Aux Enfermeiro até à data não tinham falhado um convívio... Vai acontecer desta vez, mas mesmo assim ele faz questão de estar representado pela esposa Teresa (que esteve em todos os encontros, excepto no 1º, em Fão, Esposende, no já longínquo ano de 1994)...

Em jeito de pequena homenagem ao nosso 'cartógrafo-mor' - como eu na brincadeira gosto de lhe chamar -, e desejando-lhe bons ventos e bons augúrios lá por terra dos vikings, vou aqui citar uma das frases que a sua memória de elefante reteve, e que é reveladora do nosso proverbial humor de caserna.

Em conversa, a propósito do Gilberto Madail, conhecido dirigente da Federação Portuguesa de Futebol e da UEFA, lembrou-me o Humberto que foi a CART 1746 (a que pertencia o Madail) (4) quem, estando no Xime, na altura da nossa chegada à Guiné, fez as honras da recepção aos periquitos (nós, os da CCAÇ 12, mas também os da CART 2520, que vieram render os da CART 1746): ao chegarmos ao Xime, em LDG, e ao tomarmos as viaturas que nos iriam conduzir a Contuboel, "eram eles que lá estavam com um grande lençol branco onde estava escrito O Que Custa Mais São Os Primeiros 21 Meses"...




Guiné > Região do Oio > Bissorã > Pessoal da CART 1525 (1966/67) e e da CART 1746 (1967/69) > Na messe de oficiais: O Rogério Freire, alf mil da CART 1525, é o de "de óculos ao lado do Madaíl" (Gilberto Madaíl, em primeiro plano, no lado esquerdo). "Ao fundo está o (na altura) Capitão Mourão da CART 1525 e, ao seu lado, à direita da foto de óculos, o Capitão Vaz" (RF)... Este último comandava a companhia a que pertencia o alf mil Madaíl, a CART 1746 (que irá acabar a sua comissão no Xime, Zona Leste, Sector L1).

Em Bissorã, sempre houve uma tradição ligada à actividade desportiva e, nomeadamente, ao futebol... Não sabemos se o jovem Madaíl tinha jeito para a bola ou, na altura, já tinha revelado a sua vocação para dirigente desportivo... Diz o Rogério Freire (RF) sobre o Gilberto Madaíl, que é hoje uma figura pública: "A imagem que retenho do Madaíl daquele tempo é o de uma pessoa muito alegre e bem disposta e de muito fácil conversa e diálogo".

Foto: CART 1525 - Os Falcões (Bissorã,Guiné-Bissau, 1966-67) (com a devida vénia...).



Infelizmente, esse momento [ da troca de galhardetes entre periquitos e velhinhos no Xime] não foi fotografado por nenhum de nós, pelo menos até ao momento não me chegou às mãos nenhuma 'chapa' desse dia e hora... Eu tenho, apesar de tudo, um apontamento desse dia 2 de Junho de 1969 (5)...

Em boa verdade, esse terá sido o primeiro dia dos duros 21 meses que nos esperavam em terras da Guiné... (LG).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1773: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras C / Z) (Humberto Reis)

(2) Vd. post de 3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1726: Álbum das Glórias (12): Bissau: Clube Militar, mais conhecido por Biafra (Mário Bravo)

(3) Vd. post de 9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1742: Convívios (2): Lisboa, Casa do Alentejo, 26 de Maio de 2007: Bambadinca 68/71, BCAÇ 2852, CCAÇ 12, etc. (Fernando Calado)


(4) Vd. posts de:


21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)




(5) Vd. post de 12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)


(...) "Como um cão apanhado na rede – repetia eu, nessa manhã de 2 de Junho de 1969, no fundo da LDG Bombarda (6), entre fardos de colchões de espuma, cunhetes de munições, Unimogs novinhos em folha e velhas malas de viagem atadas com cordões, enquanto os fuzileiros, hercúleos, heróicos, em tronco nu, de garrafa de cerveja na mão, assustavam bichos e homens com tiros de morteirete próximo da temível Ponta Varela, exorcizando os diabos negros que infestavam o tarrafe e os cerrados palmeirais que circundavam as margens do Geba, ao mesmo tempo que um solitário T-6, protector como um anjo da guarda, sobrevoava a foz do Corubal, ronceiro, sob um céu de chumbo (ou de bronze incandescente ?), em círculos concêntricos como o voo do sinistro jagudi - que fareja a morte, dizem os guinéus, a quilómetros de distância -, acabando por alijar a sua carga mortífera lá para longe, talvez a norte, em Madina/Belel, talvez a sul, no Fiofioli – após a nossa chegada a bom porto…

"Na circunstância, um porto fluvial, um sítio chamado Xime, sem qualquer tabuleta que o identificasse – um pontão acostável, uma guarnição militar a nível de companhia (com um destacamento no Enxalé, do outro lado do rio e da bolanha), três obuses Krupp, silenciosos mas ameaçadores, meia dúzia de casas de estilo colonial, de adobe e chapa de zinco, e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo, ruínas dum antigo posto administrativo, restos de uma comunidade mandinga, vestígios de um decadente entreposto comercial, cercados de holofotes, arame farpado, espaldões, valas, abrigos, a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento, dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…

"Todo o tráfego para a Zona Leste passava inevitavelmente pelo Xime, sendo o rio Geba (ou Xaianga) navegável até Bafatá, mas apenas por embarcações de pequeno calado, e mesmo era assim uma aventura devido ao risco de emboscadas especialmente no Mato Cão, no troço entre o Xime e Bambadinca quando o rio estreitava e se espraiava pela terra dentro, enroscando-se como uma cobra entre a bolanha e a floresta…

"E como os cães (vadios) que se levam na carroça camarária, lá seguimos a caminho do matadouro ou de um outro qualquer destino cruel, para um sítio no mínimo desconhecido, que sabíamos apenas chamar-se Contuboel, algures no leste da Guiné, a meio caminho entre Bafatá e a fronteira norte, para aí formarmos companhia, transportados em estranhos camiões que habitualmente serviam para reboque de peças de artilharia – por ironia, chamados Matadores! - , entre alas de soldados, tugas, que faziam segurança nos flancos, bronzeados pelos trópicos, de lenços de pescoço garridos – tão garridos como o traje da minhota em dia de arraial, tão desconcertantemente garridos em contraste com o camuflado já comido do sol e da chuva - , alardeando a sua velhice, por gestos que revelavam um misto de paternalismo, sobranceiria, fanfarronice e inconsciência -, esforçando-se por asssinalar, a nós, pobres e assustados periquitos, o buracão da última mina, os vestígios da última emboscada, a curva fatídica onde, por detrás dos morros de baga-baga, a morte podia estar à nossa espreita, sob a forma do lendário Fernandes, antigo futebolista do Sporting de Bissau, de quem se dizia ser capaz de fazer saltar a cabeça dum tuga a 100 metros de distância com um único tiro certeiro de RGP… Pobres periquitos que engoliam todas as patranhas que lhes impingiam desde a chegada a Bissau, propagadas de esplanada em esplanada, do Bento ao Pelicano, como fogo atiçado ao capim…

"Um arrepio de frio percorreu-me o corpo de alto a baixo. Instintivamente tirei os meus óculos, puxei a escassa gola do camuflado para o desguarnecido pescoço, enterrei o quico na cabeça e pus a patilha da G-3 no automático – quebrando assim, pela primeira vez, o juramento que a mim próprio fizera, ainda em Santa Margarida, de nunca mais pôr uma bala na câmara, depois do lamentável incidente com a velha mauser em que, durante um das brincadeiras estúpidas da IAO, no assalto a uma tenda de campanha do inimigo-a-fingir, havia arrancado os fundilhos das calças da farda nº 3 a um cabo miliciano, quase à queima roupa, com uma bala de madeira...

"A meu lado, o pobre do Pastilhas suava por todos os poros, à medida que o gigante da floresta verde abria os seus braços para nos deixar passar… A começar pelo nosso capitão, o afável capitão Brito, veterano da Índia, seguíamos todos tensos e calados, tentando disfarçar o natural nervosismo de quem entrava abruptamente no famoso TO (teatro de operações) da Guiné.

"Pairava ainda na estrada Xime-Bambadinca o fantasma do furriel vagomestre do Xime que em Ponta Coli, antes de Amedalai, tinha por hábito desafiar impunemente o turra, insultando-o de cabrão e filha da puta para cima, turra esse que nós iríamos aprender a respeitar com a reverência temerosoa que é devida a todos os inimigos poderosos, armados ou não de RPG – até que um dia morreu com um tiro na nuca e a bela Helena de Bafatá nos braços" (...).


(6) Não foi a LDG Bombarda mas sim a LDG Alfange que nos levou de Bissau ao Xime: quem o diz é o Manuel Lema Santos, que é o nosso catedrático em matéria de Marinha e Marinheiros:

vd post de 16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1371: Foi a LDG 101 Alfange que transportou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 até ao Xime em 2 de Junho de 1969 (Manuel Lema Santos)

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