quinta-feira, 15 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

1. Mensagem do Humberto Reis:

Luís:

Ficas desde já autorizado a publicitar, como entenderes, a minha opinião sobre este complicado tema dos desertores, objectores de consciência ou o que lhe queiram chamar (1).

Quando em 1968 cursei no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, o curso de Rangers, constava que os melhores classificados seriam os últimos a ser mobilizados, e no caso de o serem, iriam para melhores locais. Fiz bem o meu papel e no meio de umas dezenas de militares, fiquei classificado em 3º lugar com uma média de 15,23 valores.


Santa ignorância a minha! Então o Estado gastava um pipa de massa a formar militares de elite e depois ia colocar esta gente nos QG e EM ? Só se fosse estúpido ou a minha cunha fosse do tamanho da de um Fur Mil Op Esp. que conheci em 1970 e que estava colocado no SPM no QG em Bissau. Até usava aquele boné redondo (não era a boina) que, julgo, só se usava em ocasiões especiais.


Claro que os 5 primeiros classificados foram os primeiros a ser mobilizados. Infelizmente, sei que o primeiro ficou sem uma perna e o quarto, meu amigo de infância, morreu com uns estilhaços de rocket, ambos lá na Guiné.

Em Fevereiro de 1969 estava a dar no RI 5, Caldas da Raínha, uma recruta ao CSM, quando saiu à ordem o meu nome como mobilizado para o CTIG. Teria de me apresentar no CIM (Campo Militar de Santa Margarida) no dia tal. Perguntei a alguns camaradas o que queria dizer CTIG pois eu não conhecia o termo. Para mim eram Angola, Guiné, Moçambique. Como devem calcular fiquei bastante preocupado.

Reparem que estamos na década de sessenta. Eu, em termos políticos, era - e ainda quase que o sou - um zero à esquerda, como se costuma dizer. Haverá muito boa gente que naquela altura já era desenvolvida politicamente? Eu não era.

Costumo dizer no meu círculo de amigos que fui colaborador do antigo regime. Perguntam-me logo se fui da Pide, ou da Legião. Respondo calmamente que não, mas que não foi preciso a Polícia Militar ir lá a casa procurar-me para me apresentar no dia 24 de Maio de 1969, no cais de Alcântara, para embarcar no Niassa com destino à Guiné. Chamo a isto COLABORAR com o antigo regime, mesmo que mais passivamente.

Não ataco, nem defendo, o que vulgarmente se denomina de desertores. Mas tenho uma opinião muito própria sobre este assunto. Essa é que ninguém me pode tirar por mais direitistas ou esquedistas que sejam. Uma GRANDE PARTE FUGIU POR MEDO E NÃO POR CONVICÇÕES POLÍTICAS.

Medo, eu também tive, pois não sou mais nem menos que os outros. Heróis ptré-fabricados não existem, a não ser nos filmes. Só os que tiveram o azar de estar debaixo de fogo, mas ao mesmo tempo a felicidade de estarem vivos para o contar, podem saber o que é a reacção de um ser humano naquelas circunstâncias. Pode dar-lhe para correr direito às balas e escapar, poderá vir a ser um herói, ou ter o azar de se cruzar com uma e vir a ser enfiado numa caixa de madeira (quando as havia, pois nem sempre assim aconteceu).

Cada um fez a sua opção mas ninguém pode obrigar a outra parte a ter a mesma opinião. Para isso já chegou o que tivemos.

Resumando e concluando, não estou de acordo com regimes especiais para NINGUÉM.

Aquele abraço a TODOS os bloguistas e continuemos a contar as nossa estórias para que a história enriqueça.

Humberto Reis

Ex-Fur Mil Op Espec

CCAÇ 2590/CCAÇ 12


(1969/71)

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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:

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