sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1509: Marinha: As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo (Manuel Lema Santos)

Guiné > 1966 > A LFG Cassiopeia entrando a barra do Rio Cacheu .

Foto: Lema Santos (2007) / Museu da Marinha

O Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972) serviu como Imediato no NRP Orio (Guiné, 1966/68) .

Fotos: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.



Mensagem do nosso querido amigo e camarada Manuel Lema Santos (1), o primeiro ex-oficial da Marinha a contactar-nos e a pedir-nos licença para entrar na nossa caserna (que era, até então, só de infantes). Nós recebêmo-lo de braços abertos e sempre concordámos com ele quando diz que história da guerra da Guiné (e do Ultramar, em geral) só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas. Pessoalmente tenho aprendido muito, com ele, sobre a Marinha, a nossa Marinha, e o seu papel durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram). Aprecio nele o rigor do engenheiro, a determinação do investigador, a sua grande paixão pela Marinha e a sua sensibilidade humana e cultural, como pessoa, em relação aos outros. Consulte-se, por exemplo, a sua página pessoal na Net > Reserva Naval. É um privilégio tê-lo entre nós. (LG)


Caro Luis Graça,

Submeter-me-ei sempre aos teus ensinamentos como Sociólogo, área em que sou um leigo confesso e, complementarmente, seria impensável alhear-me do apreço e reconhecimento devidos à enormidade do tamanho dos teus ombros.

O simples facto de te lembrares permanentemente da Marinha é um sinal de algo e, de forma mais abrangente, um bom sinal de muita coisa possível, a esboçar mesmo um início de qualquer coisa inovadora que rasgue novos horizontes para a construção de uma mais articulada História da Guiné.

Pela parte do apelo que me toca, fico sensibilizado mas, considerando apenas a Marinha, a dimensão do trabalho de pesquisa e recolha que envolve a tua gigantesca tarefa, tem de passar muito para lá de colaborações fortuitas, ainda que grasse entre todos os tertulianos marinheiros, e estes são tão poucos, a maior boa vontade em conhecer, participar e relatar de formas interessantes, diferentemente personalizadas e com alguma exactidão factos em que directa ou indirectamente participaram.

Como repetidamente tenho afirmado e, fá-lo-ei sempre com a mesma convicção, não acredito ser possível interpretar e compreender política, económica e socialmente aquela dúzia alargada de massacrantes anos - e será alguma vez possível? - enquanto não se iniciar a articulação sistemática da participação dos três ramos das Forças Armadas nos principais acontecimentos ajudando a lembrar e reconstruir a memória de cada um deles de forma individualizada e como parte de um todo.

E digo de um todo que vai levar muitos anos a construir, muito para lá da nossa efémera opinião e até existência.

Se assim não for, será superficial e passaremos a dispor de um interessante conjunto de relatos de jogos diferentes, com equipas diferentes e em que até o resultado final também será diferente.

Enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.

Nunca de forma definitiva porque o própio conceito de História o não permite mas, cometendo erros da mesma forma, terei efectuado um percurso mais correcto no sentido de os evitar ou minimizar a sua importância.

Dificuldades em situar, com precisão, os acontecimentos no tempo


Não consigo uma ajuda imediata na questão que me colocaste por vários motivos (2):

– Antes de me abalançar a efectuar considerações sobre os acontecimentos relatados tive o cuidado de ler todos os posts anteriores do camarada Mendes Gomes que, com alguma fluidez de escrita, procede a relatos diversos e interessantes de acontecimentos havidos com a CCAÇ 728 que, só no final do tempo de comissão, tem alguma coincidência com o meu tempo de permanêmcia na Guiné.

– Senti claras dificuldades em situar os relatos no período de tempo referido - 1964 a 1966 - sobretudo no que diz respeito à referenciação no tempo. Notei alguma ausência de datas, dias e meses que permitam a localização de alguns dados importantes. Sabemos todos da dificuldade de retenção deste tipo de dados na memória mas algum elemento perdido com algum esforço adicional ajudaria ao esclarecimento de um percurso.

– Nestas situações há que voltar voltar criticamente ao desernrolar dos relatos e que me seja desculpada a minha ausência de coragem para, nesta altura do campeonato, estar a passar o corrector sobre passagens de artigos de alguns camaradas que com maior ou menor dificuldade aqui vêm expor relatos, opiniões e muitas vezes, afectividade e sentimentos.

– Confesso que me foi impossível nas tentativas efectuadas qualquer relacionamento directo entre os factos relatados e o meu tempo de permanência na Guiné de Maio de 1966 a Abril de 1968 como imediato da LGF Orion. Mesmo relativamente a um trabalho de investigação e pesquisa que mantenho em curso sobre todas as LFG e de 1963 a 1975, o tempo de vida ao activo daquelas unidades navais, nada consegui apurar.

– Na época referida e reporto-me a 1966, encontravam-se na Guiné as LFG (Lanchas de Fiscalização Grandes) Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário e das LFP (Lanchas de Fiscalização Pequenas], a Bellatrix, a Canopus e a Deneb. Ainda a considerar as LDG (Lanchas de Desembraque Grandes) Alfange Montante e, de maior porte, a FF Nuno Tristão (que anteriormente tinha participado na célebre Operação Tridente) e o NH Pedro Nunes (navio em Missão Hidrográfica) (3).

– As bacias hidrográficas dos Rios Cacine e Cumbijã tinham permanentemente uma LFG em cruzeiro e por períodos de 10 a 15 dias, tempo de autonomia aceitável para o conjunto de condições a satisfazer. Durante esse cruzeiro era quase certa uma ou duas deslocações ao rio Cumbijã, a Norte do rio Cacine, para apoio aos comboios de LDM e batelões das casas comerciais que efectuavam o abastecimento e transporte de pessoas e bens para Catió, Bedanda, Cabedú e Cacine. No percurso inverso efectuavam, do mesmo modo, o escoamento de produtos agrícolas, essencialmente o arroz e mancarra.

As especificidades e limitações dos nossos meios navais

- A protrecção e escolta no percurso do Rio Cumbijã fazia-se em condições de notável dificuldade e de elevado risco. As flagelações hostis por parte do IN à época eram quase sistemáticas e com diverso tipo de armamento. Faziam-no da Mata do Cantanhez no percurso entre a marca Almirante, início da formação do combóio, na foz do rio Cumbijã e a foz do rio Macobum depois de deixar para trás a foz do Cobade. As LFG's em conjunto com a LFP e as LDM ripostavam com o armamento disponível e já largamente referenciado em posts anteriores. Esta situação, manteve-se até ao 2º semestre de 1968, altura a partir da qual alguns aspectos estratégicos sofreram profunda alterações.

– As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo; apenas pontualmente foram efectuadas experiências com Morteiro e com ALG. Esse facto sempre constituiu um problema porque sendo as Boffors de 40 mm, peças de fogo anti-aéreo, apenas efectuavam tiro tenso, em linha recta que auto-deflagravam por gravidade quando iniciavam a trajectória descendente, mas nunca em tiro próximo. Chegou a estar prevista a montagem de MP [Metralhadoras Pesadas] na ponte mas não chegou a ser efectuada.

– Não tenho conhecimento de qualquer acção como a referida mas, com elementos mais precisos, é possível uma pesquisa mais pormenorizada em que colaborarei depois de me serem facultadas algumas informações suplementares, sobretudo datas.

– Admito ainda ser possível, com alguma facilidade e a alguém menos conhecedor de navios de guerra, confundir perfis de unidades navais a alguma distância.

– Nesta altura já procedi à leitura do articulado enviado pelo Pedro Lauret (2) que reputo de inteiramente correcto.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
Ex 1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion 66/68

_________________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

Vd. também o seu último post: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

(2) Vd. posts de

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha


(3) Vd. posts:

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

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