segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1251: Notas de leitura (2): O Caixa d' Óculos do Alexandre O' Neill nunca esteve em Missirá (Beja Santos)

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Capa de A Ampola Miraculosa, de Alexandre O'Neill (poema gráfico com que fez a sua estreia literária no Grupo Surrealista de Lisboa, em 1948; edição facsimilada, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002)




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Páginas 2 e 3 de A Ampola Milagrosa (2): "Adormeci certamente por intervenção da misteriosa ampola que descia do teto..."

Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)



1. Excerto de um texto do Beja Santos, a propósito dos suas leituras no reino do Cuor, em Missirá e Finete, até Março de 1969, quando a sua preciosa biblioteca e a sua não menos valiosa discoteca de melómano ficaram reduzidas a cinzas (1).

Felizmente que alguns de nós tínhamos, para os tempos de ócio, de espera, de lassidão, entre duas operações, duas flagelações, duas colunas ou duas emboscadas, alguns livros e até alguma música para nos entretermos, para alimentarmos a esperança de voltarmos ao reino dos vivos, para nos sentirmos gente...

Recorde-se que no seu saco, a caminho de Finete, ele levava, entre outros, um livrinho do Alexandre O'Neill:

"Falei do Alexandre O'Neill de que me empolgavam os seus textos no Diário de Lisboa à semelhança da Guidinha, do Sttau Monteiro. O'Neill, insisto, irá influenciar-me na formação do gosto, na renovação audaz da língua, na combinação do castiço com a claridade cosmopolita. Lembro-me de ter metido no saco A Ampola Miraculosa que pertencia à colecção dos cadernos surrealistas editados pelo António Pedro. A Ampola é uma colagem de ilustrações antigas, uma brincadeira imaginativa sem direcção, mas que me ajudava a compreender a mistura da poesia, da pintura e do panfleto político.

"O'Neill foi pintor e criou poemas ditos ortográficos, uma originalidade que infelizmente ficou sem continuadores. Para não ser repetitivo, A Ampola ficará reduzida a cinzas dentro em breve. Podem, pois, os meus gentis leitores tertulianos imaginar a satisfação que tive quando há dias, antes de passar a limpo este fio de memória, ter descoberto que a Assíro & Alvim deu à estampa a edição fac-similada da Ampola, mostrando o O'Neill como vate coroado. Confio na vossa bondade em interessarem-se pelo O'Neill ( se não o fizeram antes), e para os mais timoratos a minha sugestão é que se atirem à Ampola que começa assim: "Pais que fazeis? Os vossos filhos não são tostões, gastais-os depressa" (Ó Luís, sê amigo dos surrealistas e mostra coisas da Ampola)" (...)

Eu, pela minha parte, tinha-me publicamente comprometido a tratar bem o nosso O'Neill (com dois ll), já que é um dos nossos poetas favoritos, do Mário e meu... Não conhecia a Ampola. Em meados de setembro recebi um exemplar, emprestado, que ele teve a gentileza de me mandar pelo correio, com a indicação que tinha autorização da editora para divulhar e digitalizar alguns dos poemas ortográficos do O'Neill.

Nascido em 1924, que eu saiba, o poeta nunca foi tropa. Ainda quis ser marujo, coitado, mas em vão: "Frequentou o Curso de Pilotagem da Escola Náutica em Lisboa, tendo-lhe sido recusada, devido à sua miopia, a cédula marítima" (lê-se na sua biografia). Morreu de acidente cardíaco em 1986, à beira da Europa. As suas obras completas estão publicadas na Assírio & Alvim...

Parafraseando um dos seus geniais poemas, o O'Neill foi um homem do seu tempo, e a contratempo subia e descia a Avenida (da Liberdade), enquanto esperava por uma outra (ou pela outra) vida... O autor do "Poema pouco original do medo", e um dos grandes poetas do amor, também escreveu letras de fado como a Gaivota, uma das maiores criações da Amália... Lembram-se ? "Se um português marinheiro, /dos sete mares andarilho, / fosse quem sabe o primeiro /a contar-me o que inventasse, /se um olhar de novo brilho /no meu olhar se enlaçasse"...

Eu, que também andei pelo Cuor, a norte do Rio Geba, testemunho que nunca vi por lá o Caixa d'Óculos do O'Neill... Mas eramos todos primos dele, da cidade ou da província... Tínhamos fama de malucos, o que na Guiné se dizia por outras palavras: cacimbados, apanhados do clima... E, eu que fiz tropa, posso hoje contar um segredo que em tempos foi de Estado: "Na tropa / nunca soube onde era o norte / Nem a mão esquerda"...
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Páginas 10 e 11 de A Ampola Milagrosa: "Os meus primos tinham fama de malucos e, às vezes, reuníamo-nos convenientemente disfarçados"...

Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete

(2) Referência bibliográfica:

Título: A Ampola Miraculosa
Autor: Alexandre O'Neill
Colecção: Alexandre O'Neill
Prefácio de: Pedro Proença
Editora: Assírio & Alvim
Data de edição: 11 / 2002
Formato: Edição brochada: 32 páginas
Preço: 12 € c/IVA

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