sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi





Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2405 (1968/70) > Embora pertencente ao BCAÇ 2852 - cujo comando e CCS estavam sedeados em Bambadinca -, a CCAÇ 2405 não teve grandes contactos com o pessoal da CCAÇ 12.
Daí que só no no 1º encontro da nossa tertúlia, na Herdade da Ameira, Ameira.Montemor-o-Novo, realizado em Outubro passado, é que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente o Rui Felício, a par de outro baixinho de Dulombi, o Paulo Raposo.

Foto: © Victor David (2006). Direitos reservados.
Vários perigos, perigos vários (1)
por Rui Felício


É sabido que os emblemas das unidades militares normalmente são compostos por símbolos e frases que apelam a supremos valores, à audácia, à heroicidade, à destreza, ao caracter, honestidade e grandeza dos ideiais dos membros que compõem as respectivas unidades.

E os desenhos escolhidos não se afastam normalmente de símbolos guerreiros, como sabres ou armas de fogo enquadrados por espirais de flora rebuscada, ou animais selvagens subjugados pela força dos corajosos militares.

As cores usadas são normalmente berrantes e carregadas, procurando traduzir a esperança e o sangue derramado em defesa da Pátria.

Toda a amálgama kish que resulta da vontade de tentar transmitir em pequeno espaço uma míriade de ideais, é na maior parte dos casos encimada por umslogan que em poucas palavras demonstre aquilo que a confusão dos símbolos e as cores podem não conseguir espelhar de forma clara.

Por Deus e Pela Grei, Venceremos onde Outros Pereceram, Indómitos e Audazes, Desbravando o Mato e Civilizando as Gentes, são algumas das milhares de divisas que identificavam as unidades militares na Guiné.

Todos os que serviram nas Forças Armadas, sabem que é assim…Torna-se inútil multiplicar os exemplos.

O perfil a enquadrar a divisa e os símbolos, também ele, recorria a formas geométricas rebuscadas, arredondadas, simétricas, floreadas…

No terço final da comissão, com a Companhia finalmente concentrada no Dulombi, pensou-se em encontrar um emblema e uma divisa para a nossa Unidade.

Não deveriamos deixar acabar a comissão sem legar aos vindouros um símbolo que nos identificasse, tal como a maioria das outras unidades já o tinham feito.

Acolhida a ideia, estabeleceu-se um período de tempo para que fossem apresentados projectos para futura escolha daquele que merecesse o consenso geral. E assim surgiram meia dúzia de ideias para a o emblema da Companhia.

Lembro-me que, à excepção daquele que mais tarde viria a ser o escolhido, todos os outros obedeciam às caracteristicas usuais que acima procurei recordar e referir. Tratava-se de um símbolo que fugia a todos os critérios tradicionalmente considerados para a representação emblemática de uma Companhia. Não continha armas, não continha animais ferozes, não caracterizava de forma explicita os seus militares como heróicos, nem audazes, nem indomáveis...

Só continha uma cor o que o tornava de uma simplicidade contraditória com a amálgama de cores típicas dos demais emblemas, que nos feriam o olhar e nos despoletavam os mais bravos sentimentos guerreiros…

E a divisa não apelava aos nossos sentidos nem à nossa bravura... nada!… Nem impunha qualquer afirmação que levasse, quem a lia, a pensar em nós como uma espécie de super-homens, de carácter impoluto, guardiães dos sagrados valores pátrios...

Era uma singela constatação: VÁRIOS PERIGOS.

E o símbolo que o enquadrava em nada alterava o conhecido sinal de trânsito que quer dizer nem mais nem menos que a divisa escolhida. Ou seja, o símbolo gráfico era inteligível para qualquer pessoa, e traduzia fielmente a divisa.

Não foram precisos arabescos nem frases grandiloquentes para dizer a todo o mundo que os Baixinhos do Dulombi eram gente preparada e habituada a vários perigos.

E, ao contrário de tantos outros emblemas, traduzia a realidade e ao fazê-lo atribuia mérito aos militares da Companhia sem necessidade de falsamente e de forma rebuscada os transformar em heróis que não eram, em impolutos que não eram, em audazes que não eram...

Sim, porque os Baixinhos do Dulombi eram pessoas normais, com os medos próprios do Homem, mas o carácter próprio de gente cumpridora dos seus deveres... Deveres que os levaram a correr os tais Vários Perigos…

A originalidade, a simplicidade e a profundidade da mensagem do nosso emblema, escolhido entre vários outros projectos candidatos, são a razão do meu voto e do alargado consenso que reuniu a larga distância dos concorrentes.

Ao Vitor David, autor do símbolo da CCAÇ 2405, os parabéns pela excelente ideia, talvez única nos anais militares

Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

1 comentário:

Helder Ferreira disse...


Foi com muita alegria que revi neste blogger fotos e comentários sobre o local onde também estive durante dois anos, como rádio -telegrafista.
Foram dois anos de incertezas e ao mesmo tempo de união entre camaradas de luta. Viveram-se momentos alegres, mas também momentos de temor e tristeza.
É óptimo reunir testemunhos de todos os nossos camaradas que o possam fazê-lo.
A todos os camaradas sem excepçao e em especial para os da minha cª C. 2405 um grande, grande abraço.
Helder Ferreira - 1º cabo rádio-telegrafista. Guiné 68/70