quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1148: Cabo 14, da CCAÇ 616 / BCAÇ 619 (Empada, 1964/66): um blogue de homenagem de uma filha a seu pai (Ana Paula Ferreira)


Lisboa > 1966 > O Fernando Ferreira, de regresso à terra natal, Lisboa, em dia de inverno, a 3 de Fevereiro de 1966. "Pergunto-me se alguma vez regressou, de facto", escreveu a filha Ana Ferreira. E cita os versos da canção do Zeca Afonso, Menina dos Olhos Tristes: "Menina dos olhos tristes / O que tanto a faz chorar / O soldadinho não volta / Do outro lado do mar"... E explica a sua tristeza, a sua saudade, o seu espanto e a sua revolta: "E era assim que eu costumava adormecer, embalada por histórias de Meninas e Soldadinhos. O meu, o nosso Soldadinho voltou. Não veio numa caixa de pinho, mas a sua alma deve ter ficado junto daqueles que viu despedaçados à sua volta, enrodilhados em panos sangrentos que não cessavam de perguntar : porquê?"... O Ferreira, seu pai, morreria precocemente, 24 anos depois do regresso.

Fonte: Blogue Cabo14 Guiné, de Ana Ferreira (com a devida vénia...).


Louvor por feitos de guerra, na noite de 16/17 de Julho de 1964.

Fonte: Blogue Cabo14 Guiné, de Ana Ferreira (com a devida vénia...).

Fotos: Ana Ferreira (2006)

1. Mensagem de Ana Paula Ferreira, a filha do Cabo 14 (ex-1º Cabo Ferreira, CCAÇ 616, BCAÇ 619, 1964/66)

Olá Luís e todos os caros Tertulianos,

Embora tertuliana silenciosa, tenho lido e tenho tentado manter-me atenta a tudo oque tem sido colocado no site.

Entretanto nas minhas diligências, e através do esforço impagável do Sr. Ilídio Costa, sei agora com todos os detalhes qual a companhia de meu pai, Fernando das Neves Ferreira (1): Companhia de Caçadores nº 616, 3º Pelotão, 1ª secção, atirador, soldado nº 2514/63.

Os castigos disciplinares foram alguns e as despromoções também, tendo posteriormente sido transferido para a CART 676 / RAP 2, em Setembro de 1965.

No documento que me foi tão gentilmente fornecido dizia ainda que "esta Companhia, após o desembarque do Batalhão nesta Província em 15.1.64, ficou em Bissau às ordens do Quartel General. Passou novamente a pertencer ao Batalhão em 8.4.64 quando rendeu em Empada a CCAÇ 417.

Nesta altura veio comandada pelo Sr. Capitão Mil António Francisco do Vale. Em 2.5.64 este Capitão foi rendido no Comando da Companhia pelo Sr. Capitão José Pedro Mendes Franco do Carmo. Presentemente está sendo comandada desde 17.7.65 pelo Alferes Mil Joaquim da Silva Jorge, em virtude do Sr. Capitão Franco do Carmo ter sido evacuado para a metrópole por doença" (2).

Posso enviar-lhe algumas fotos , embora tenha que o fazer através doutro endereço de mail já que este não comporta espaço suficiente para o envio de fotos. Entretanto fica o blogue Cabo14 Guiné, já um pouco mais actualizado (3).

Saudações,

Ana Paula Ferreira,
filha de Fernando Ferreira, Cabo 14 (4)

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Notas de L.G.:

(1) Vd posts de:
8 de Abril de 2006 > Guiné 63/4 - DCLXXXV: Aerograma de Ana Paula Ferreira: o meu pai, o 1º cabo Ferreira (CCAÇ 617, BCAÇ 616, 1964/66)

(...) "Eu sei que deve parecer estranho falar assim, não embarquei para a Guiné, não peguei em armas, não matei ou vi morrer, mas as palavras são poderosas, principalmente quando proferidas por quem viu a sua vida mudada para sempre.

"A minha mãe guarda centenas de aerogramas, fotografias e memórias de um cais de onde viu partir um jovem, que voltou homem amargurado" (...).

9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVI: Cabo 14: pergunto-me se ele algum vez regressou, de facto (Ana Ferreira)

(...) O meu pai esteve na Guiné de 64 a 66, mais exactamante de oito de Janeiro de 1964 a três de Fevereiro de 1966, partindo de Lisboa, onde vivia. Julgo que o quartel onde se encontrava era o da Amadora. Não tinha nenhuma especialidade, era apenas atirador (...).

"Pelos remetentes que encontrei nos aerogramas vejo que percorreu um pouco toda a Guiné: Bissau, Empada, Pirada, Bigene, Ilha do Como (que pelas suas descrições, terá sido um dos piores sítios), Ponderosa, embora, não seja este o verdadeiro nome, ignoro qual seja, Bafatá e mais alguns de certeza, pois sei que já não me lembro com exactidão de tudo o que me contou.

"Bolanhas, G3 carregadas em braços no ar, queimada de aldeias, tabancas destruídas, estadias surrealistas e fugas do hospital de Bissau .... Castigos, louvores, viagens prometidas e desprometidas à metrópole, a guia de marcha, o embarque e o regresso. Mas pergunto-me se alguma vez regressou, de facto (...)".

(2) Mais uma unidade que, durante a sua comissão, teve pelo menos três comandantes. Já aqui nos interrogámos sobre as estranhas doenças que atingiam os capitães, milicianos ou do Q.P....

(3) Belíssima e sentida homenagem de uma filha a seu pai, combatente na Guiné: (...) "Esta não é uma história fácil de se contar. Muitas vezes ouvi-o dizer que tinha que escrever o livro da sua vida. Sei que a parte que mais crucial reportava-se a estes anos passados na Guiné. As emboscadas, os amigos vitimas das minas, as tabancas incendiadas, a fome, a sede e uma vontade súbita de tudo enfrentar; uma vontade indómita de penetrar na mata e matar ou morrer.

"À minha mãe, inundada de aerogramas com palavras de esperança e desespero, diziam-lhe os colegas de guerra que voltavam à metrópole, feridos para não mais voltar: 'A menina desista dele, porque ele não vai voltar'. Cabo 14 , menino quase imberbe que fazias tu, que vias tu, lá nessas terras distantes?" (...).

(4) O nosso camarada Fernando Ferreira morreu em 1991. A filha criou, com grande ternura, um pequeno blogue em sua homenagem. Foi um gesto que nos sensibilizou a todos, os seus amigos da tertúlia a que ela pertence, com todo o mérito.

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