sábado, 30 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira)

A LFG [ Lancha de Fiscalização Grande] Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967 (1).

Foto: © Lema Santos (2006)


1. Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72). Hoje é médico e, segundo julgo saber, vive no Pombal (2).

Caro Luís,

A expressão Siga a Marinha, que utilizo com frequência na abordagem de questões tertulianas, não é da minha autoria.

Embora não me pareça que haja nada desprestigiante quanto à paternidade de tal expressão, ela terá surgido do modo que passo a explicar:

No meu tempo ou pouco antes, terá passado pela zona do Olossato um capitão, comandante de Companhia que possuía uma queda especial para a ironia. Nas comunicações com o QG usava esse seu dom, o que o tornou muito conhecido ao nível mais elevado da hierarquia de então. Parece até que gostavam de o picar e depois... esperar pelo coice!

Um dia, este nosso capitão chegou a ameaçar encerrar a guerra porque estava a ficar sem batatas. Responderam-lhe de Bissau que o Serpa Pinto (3) também fez a guerra sem batatas.
-Então mandem o Serpa Pinto. - retorquiu o bravo capitão.

Noutra ocasião, ter-se-à queixado que era tanta a água acumulada nas poças e charcos em redor do aquartelamento, assim como a chuva que entrava através dos buracos nos telhados, que tornava impraticáveis quaisquer acções militares. Responderam-lhe que também a Marinha operava no meio aquático e não protestava.
-Pois então que siga a marinha. - alvitrou o desempoeirado oficial.

E foi assim que a frase Siga a Marinha entrou na gíria militar do meu tempo com o significado de: embora, vamos a isto, nada de lamentações.

Vitor Junqueira

2. Comentário do editor do blogue (L.G.):

Obrigado, Vitor, por este teu douto, pedagógico e sobretudo oportuníssimo esclarecimento. Há dias, num em-mail que circulou internamente pela nossa tertúlia, a propósito de uma infeliz expressão (rangerices) que ficou consagrada no título de um post (e que eu proponho que se retire, para bem da sanidade mental de todos nós e sobretudo como garantia da nossa leal e sã convivialidade), dizia eu:

"Vamos civilizada e amigavelmente ler e ouvir o que temos a dizer uns aos outros... Vamos esclarecer o que há para esclarecer... E siga a marinha, para usar uma curiosa expressão da autoria do Vitor Junqueira... Sobrevivemos todos à dura guerra da Guiné, não vamos agora massacrar-nos uns aos outros, quarenta anos depois, por questões que de lana caprina"…
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

(...) "A fila está formada quando aparece o alferes, qual ouriço caixeiro carregado de bugalhos: Uzi (3) a tiracolo, rádio ao pescoço, bolsos atafulhados com bússola, mapas e cartas diversas, códigos e frequências de comunicações e, pelo sim pelo não, dois ou três carregadores suplementares para a sua metralheta. No canto de um bolso, coabitando pacificamente com ao lanche, um par de GMD, não vá o diabo tecê-las! Dedicou os últimos minutos a olhar para os papéis sob uma lâmpada que parecia sofrer de sezões palúdicas, tantas eram as tremuras, tentando adivinhar de que lado é que viria a bordoada:- Olhos e ouvidos bem abertos, armas em posição e distâncias mantidas. E muito cuidado com o sítio onde põem as patas. A partir de agora, tudo caladinho! - São as suas últimas recomendações enquanto se dirige para a cabeça da coluna. E manda seguir a marinha ". (...).

(3) Serpa Pinto (1846-1900): conhecido explorador e administrador colonial português que percorreu África central e meridional para fazer o reconhecimento do território e efectuar o mapeamento do interior do continente.

(4) Pistola-metralhadora, de origem israelita, cujo desenho e fabrico remonta ao princípio os anos cinquenta. Não era muito vulgar o seu uso na Guiné, pelo menos no meu tempo e na zona leste.

1 comentário:

Bernardo Carneiro disse...

Serpa Pinto atão fez a guerra???!!!!!!!!!