quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1126: Ranger Eusébio ou recordações do Xitole e do Saltinho (David Guimarães)

Foto: © David J. Guimarães (2005)

Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sedeado em Bambadinca.

Ora vamos lá a uma conversinha na nossa caserna e não nos podemos incomodar muito com este avivar de memórias, este ouvir estórias mais ou menos inflamadas, romances de guerra, etc. , etc....

Contei um dia por aí que um dos meus soldados - coitado, auxiliar de cozinheiro e nem para isso servia, enfim, gente boa e ainda vivo - escreveu para a namorada um carta em que descrevia uma grande batalha entre a Ponte dos Fulas e o Xitole. Dizia ele a certa altura no texto que eles atacaram de metralhadoras e tudo e os aviões vieram apoiar a acção... Ele tomou parte preponderante e a batalha foi ganha... Como Camões, com o episódio de Veloso em Os Lusíadas na terra dos Cafres... Bom, isso é literatura e não vamos nessa aqui... mas lembrei-me desse tão belo episódio: "Veloso amigo, essa encosta é mais fácil descer do que subir"... e a resposta que é mais curiosa.

Meus amigos, temos que aceitar estas situações de inflamadas das estórias e ter a humildade de aceitar quando elas são corrigidas por um companheiro da época... Isso é importante e marcará a nossa diferença...

E não adianta falar o que são as operações especiais, comandos e resto da tropa toda - todos sabemos ou então dormimos todos....

Penso... Calma, e agora vamos a correcções que me parecem oportunas... Tenho para demonstrar uma caderneta militar; o resto está em memória, gasta de 59 anos (...).

Queria dizer uma coisa ao Mexias Alves que por certo se recorda: a protecção às nossas colunas com aviões T6 e FIAT, nada mais era do que aquelas flagelações que eles faziam, entre Fulacunda, o rio Corubal e o Xitole, em zona de intervenção de Com-Chefe... Nada tinha a ver com as nossas colunas Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho... Daí deverá vir uma mistruara ou confusão...

Um pormenor importante... Em Maio de 1970, foi quando o BART 2917 ocupou Bambadinca e um mês tinha o outro Batalhão ido para Galomaro... A minha CART 2717 chegou ao Xitole enquadrada numa coluna. E aí já estavam os camaradas do Saltinho a chamar-me pira... e aí estava o Belarmino, querido amigo, que nunca mais vi e sei que existe (Um abraço se ele me ler!)....

Durante este espaço de trempo da comissão, O Saltinho não teve qualquer contacto com o inimigo a não ser um dia e só - um cagaço que apanharam numa tabanca que guardavam quando o IN resolveu vir lá... Mas quase nem tiros houve, ninguém se magoou, creio eu...

Em Março de 1972 é que os dois Batalhões, o de Galomaro e o de Bambadinca (Bart 2917)embarcaram para a Metrópole, não no Niassa mas sim em aviões Boeings 707 dos TAM, num total de 3... Os dois Batalhões defilaram juntos em Brá, diante do Comandante-Chefe, General Spínola... Os primeiros a embarcarem foram os de Galomaro e depois os de Bambadinca.... Numa semana foi colocada aqui a tropa toda...

Quanto ao grupo especial, também desconheço. nunca ouvi falar dele na época de 70 a 72... Entre o Xitole e o Saltinho os perigos eram bastante menores que entre o Xitole e Bambadinca.... Tangali - creio que era assim que se chamava a última tabanca à guarda do Xitole sendo que daí para a frente já pertencia ao Saltinho, e isto na estrada Xitole-Saltinho....

Em resumo: Mexia Alves, em 1971, o Niassa não trouxe esses Batalhões.... Outros sim, possivelmente, mas esses não... Aliás, eu vi quando o Nissa aportou a Bissau com tropa, estava eu a chegar de férias da Metrópole e pude ver amigos meus - que conhecia da vida civil - uns a chegar e outros a partir... Por curiosidade, um deles tinha combatido numa das Companhias de um Batalhão que esteve em S. Domingos [, na região do Cacheu].

Quanto a essas operações contadas, terás muita razão, meu amigo: foram ficção, pela certa. Mas não nos arreliemos com isso, as pessoas vivem o que dizem, são felizes, pronto...

Gostava de agora dizer uma coisa: a formação de uma Companhia - um Pelotão de Formação e Comando, e 4 grupos de Combate a três secções... Cada grupo de Combate tinha um Furriel de Minhas e Armadilhas e na Companhia havia o Pelotão Ranger em que o Alferes e o Furriel eram Rangers...

Aos Rangers era pedido que andassem como os outros; aos de Minas era que andassem como os outros e resolvessem o problema de armadilhamento do quartel, da periferias e de tomar conta das minas que de vez enquanto estavam plantadas na estrada... e não foram tão poucas quanto isso... Depois era o Furriel de Armas Pesadas que costumava ocupar-se das armas fixas - o Luís teve azar [, foi logo parar à CCAÇ 12, que era uma unidade de intervenção, não de quadrícula], outros safaram-se e nunca sairam do quratel...

Depois era a Formação e Comando com o 1º Sargento com mais um ou dois na secretaria, os Furriéis, o Enfermeiro, o Vagomestre, o Mecânico Auto e o Transmissões... (Se disse asneira emendem-me, mas era mais ou menos isto) .

Creio que o Humberto já falou aí no blogue e eu também: um dia, um grande rebentamento na ponte do Jacarajá, debaixo de uma Mercedes daquelas enormes do exército... Por lá ficou...

As provas maiores estão nos testemunhos oculares de quem viveu na altura, pronto é isso. O
romance, temos que o entender... naturalmente.

Quando eu meter água, digam. Eu não tenho por onde fugir e darei logo a mão à palmatória...´É água da bolanha...

Sei que no fim da minha comissão - já eu estava em Bafatá e dois Pelotões ficaram no Xitole com a outra CART recém chegada e com convivi um ês mais ou menos - houve, sim, aquela grande primeira porrada no Saltinho. Já pedi para me contarem, foi quando apanharam os nossos militares e creio que à mão...

Há quem me saiba esclarecer isto ? Eu aí gostaria de saber... Sei de boato e não queria contar o que não vi e da maneira que me contaram, foi mau demais... Mas houve problema, sei que houve...

David Guimarães
Ex-Furr Mil
Cart 2716
Xitole (Maio de 1970 / Março de 1972)

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