sábado, 16 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Alouette III, a descolar do heliporto local. Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).


Texto de Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, durante o período de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, pertenceu a: (i) ; CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) ; e (iii) CCAÇ 15 (Mansoa) .


Caro Luís Graça:

Mais uma história, verdadeira, claro está (1).


A Visita Aérea às Companhias que não aconteceu.

Quando estava na Ponte de Udunduma com o Pel Caç Nat 52, fui chamado a Bambadinca, para reforçar a CCAÇ 12, numa qualquer operação de que não me lembro, mas na qual nada deve ter acontecido, pois senão até a minha fraca memória se lembraria.

A verdade é que ao fim da manhã (a operação começaria ao fim da tarde), quando já estava em Bambadinca a fim de combinar a coisa com o meu grande amigo Capitão Bordalo, comandante da CCAÇ 12, e os seus Alferes, aterra uma DO 27 na pista do quartel.

É sabido, pelo menos no meu tempo assim era, que os Comandantes de Batalhão (passo a crítica jocosa), se pelavam por uma voltinha de avião ou helicóptero, com a desculpa da visita às Companhias mais afastadas.

É curioso que as colunas de abastecimento, pelos vistos, não serviam tal propósito, vá-se lá saber porquê, o que pelo menos no caso do meu batalhão era uma realidade.

Mas, voltando aos factos, logo o Comandante do Batalhão [ BART 3873, Bambadinca, 1972/74] se deslocou à pista para tomar assento no avião e dar a sua volta aérea (1).

Foi então que o piloto, grande amigo meu de Monte Real, e que penso não se importa que aqui deixe o seu nome, Jaime Brandão, perguntou por mim, e convidou-me para ir com ele até Nova Lamego, pois iria acontecer uma noite da fados, e era muito importante a presença da minha voz. (Já perceberam que na altura eu cantava o fado e, segundo dizem, bastante bem).

Acrescentou ele que não havia problema, pois no outro dia voltava a Bissau e no caminho deixava-me em Bambadinca. (Era fácil, declaravam uma porta aberta e assim tinham de aterrar).

A cara do Comandante era indescritivel e eu disse ao Jaime que era impossível porque tinha aquela operação.

Voltamos para a messe e passadas uma hora ou duas ouve-se um helicóptero aterrar e aí o Comandante disse:
- Agora é que é!!!

Claro que fui também até à pista.

Do helicóptero sai o Pedro Melo Ribeiro, outro amigo de Lisboa, que não era piloto mas vinha a acompanhar, e me diz:
- É pá, vimos-te buscar porque esta noite há fados em Nova Lamego e o pessoal disse logo que tu eras imprescindivel!!!

A vossa imaginação está agora com certeza a ver a cara do Tenente-Coronel, com o espanto e sei lá mais o quê bem retratado na fisionomia.

Claro que dei a mesma resposta e retirei-me para a messe, sob os olhares gozões de uns e o olhar reprovador de outro, que não sabia bem o que fazer e até talvez meditando na importância da minha pessoa.

Por volta das 3 ou 4 horas da tarde, depois de uns uísques bebidos para animar as tropas, aterra outra DO 27, e o Comandante entre, incrédulo e ansioso, lá se dirigiu para a pista, comigo e já um número de camaradas a acompanhar.

Era novamente o Jaime Brandão, que com um sorriso dispara:
- Então vens ou não?

Escusado será dizer que a resposta foi a mesma e que o Comandante neste momento já não tinha cara, mas uma máscara de incredulidade, espanto, irritação, etc. etc.

Nos dias que se seguiram o gozo foi enorme, umas vezes mais descarado, outras mais disfarçado.

À noite lá fomos para a operação que, como digo acima, não teve nada de especial a reportar.

E assim aconteceu a visita aérea que... não aconteceu!!!!

Durante uns tempos foi lenitivo para as agruras e desconforto da guerra e só por isso já foi muito bom!!!

Abraço do
Joaquim Mexia Alves
____________

Nota de L.G. ;

(1) Vd. post de 7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

(2) Tenente-coronel António Tiago, já falecido: vd. post de 17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

Sem comentários: