quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1036: A propósito do aspirante Barros e do 'crime' da descolonização, na evocação do João Tunes (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, datada de 28 de Julho de 2006:

Caro Luís Graça:

Li o Post do João Tunes (1) e recordei essa história do aspirante que ainda se contava quando estive na Guiné.

Tinham-me contado no entanto que o Caco tinha, embora chateado, gostado da resposta do Aspirante.

Pelos vistos não foi assim.

O João Tunes fala no fim do seu post daqueles que clamam contra o crime da descolonização, e penso eu que se refere obviamente aos políticos que hoje em dia se querem aproveitar de algo que nem sequer conheceram ou se baldaram a conhecer.

Porque eu sou muito contra o crime da descolonização, não a dita cuja, mas a forma como foi feita, pois segundo relatos que me foram feitos, e aliás alguns confirmados em postes aqui colocados, muitos daqueles, Guineenses, Angolanos, Moçambicanos, que comdateram connosco, alguns até que nos salvaram algumas vezes de morrermos ou ficarmos feridos, acabaram mortos, fuzilados, etc e segundo sei quando ainda não tinham acontecido as Independências.

Devo dizer aliás, que esse é o assunto que mais me incomoda e dói em toda a história da Guerra do Ultramar e que como Português me envergonho do modo como o meu País tratou aqueles que o serviram e aqui estou a pensar também naqueles que aqui no Continente ainda precisam de ajuda, sobretudo talvez psicológica, e não a têm.

Repito, caro Luis Graça, que este é um assunto que ainda me traz lágrimas aos olhos, lembrar-me dos meus camaradas do Pel Caç Nat 52 e da CCaç 15.

Perdoa, porque o assunto não é o melhor para começares as férias, mas senti necessidade de desabafar.

Boas férias, bem merecidas e se passares por estes lados telefona.

Abraço
Joaquim Mexia Alves

2. Comentário de L.G.:

Mexias Alves: Comigo não há tabus, podes sempre falar de tudo... A liberdade de pensamento, de expressão e de opinião é como o oxigénio: sem isso morreríamos asfixiados na nossa caserna.... Bom fim de semana.
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1003: Eu, cacimbado, me confesso (João Tunes)(II): tirem-me daqui!


(...) "Uma vez, o General Spínola visitou um quartel onde estava o Aspirante Barros e quis conhecê-lo. O Barros apareceu mal amanhado e com olhar ausente. Spínola disparou a censura:- Você não tem vergonha de ser o único Aspirante na Guiné?

"O Barros concentrou-se, olhou Spínola de frente e disse mansamente:- Estamos em igualdade, o senhor, que eu saiba, é o único General na Guiné.

"Puseram o Barros numa prisão em Bissau por ter insultado o General" (...).

(...) "Não voltei a ver o Barros. Mas, volta e meio, o Barros entra-me pela memória dentro. E então, a raiva, ai a raiva, a raiva aos que alimentam guerras, faz-me um nó na boca do estômago. Não sei sequer se está vivo, onde está e o que faz o meu antigo camarada e companheiro de quarto. Espero bem que não ande a passear, sem olhar, sem falar, sem ler e a gritar TIREM-ME DAQUI!, ouvindo os palermas saudosistas do Império a clamarem contra o crime da descolonização e caçarem votos aos ex-combatentes. Porque esses merdosos não valem um caracol ao pé do Barros. Desejo sinceramente que o Barros esteja recuperado e a discutir Sócrates e Platão. Algures. Em paz".

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