terça-feira, 4 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P934: Da Casa da Mariquinhas do Gabu à Senhora Malária que me atacou seis vezes (A. Santos, Pel Mort 4574)


À esquerda: A. Santos (ex-soldados de transmissões, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), 1972/74).

À direita: O António Santos, hoje, fundador da empresa Noprodigital - Comércio Equipamentos Escritório Lda, com sede em Caneças.

Texto e fotos: António Santos (2006)


Guiné> Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > Os maus caminhos da vida de caserna...


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego >O posto de rádio da CCS do BCAV 3854 (1971/73). Na foto, o António Santos, de serviço.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAV 3854 (1971/74 > O edifício do comando.


Camarada Luís:

Antes de mais, quero dizer-te que tive um enorme prazer em conhecer a tua pessoa, ao vivo e... a cores.

Junto um pequeno texto, mas com muitos adereços... Conforme a nossa conversa aqui vão 2 fotos da minha tábua das rezas, em árabe, vê se está perceptível para o Mr. Argelino [um médico, de origem argelina, conhecido de L.G.] traduzir, senão tiro fotos com outra máquina que tem mais definição.

Junto tambem as fotos antes e depois para a fotogaleria: demorou um pouco, mas a culpa é do fotógrafo, pois tirei a foto actual no baptismo da neta mais nova no dia 13 de Maio de 2006 e só hoje ma entregou.

As outras fotos são do edificio do comando e dentro do posto rádio.

Um abração

A. Santos

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Camarada, Luis Graça:

No dia seguinte (1), começou a sobreposição, que durou uns quinze dias já não recordo bem, os trms [transmissões] e condutores foram emprestados à CCS [do BCAV 3854, Nova Lamego, 1971/73] para entrar na escala de serviço da mesma, assim como já era feito pelo pelotão [de morteiros] que fomos render.

Nós, os trms, fomos apresentados ao Alf Mil Trms, Pinto Ferreira, que se veio a revelar um excelente chefe: confiava nos seus homens e não precisava de puxar pelos galões.

Eu fui para o posto de rádio mexer em aparelhos que na especialidade nunca tinha visto, o AN/PRC-10 para fonia e o AN/GRC-9... Este era utilizado quase sempre em grafia, mas também era muito bom para fonia, principalmente para ouvir notícias e relatos da bola.

Dois ou três dias depois ao chegar ao posto de rádio para mais umas lições, fui enviado para o centro de mensagens, em substituição doo camarada Vasco, que estivera lá mas não se adaptou às cifras e códigos... Fui e acabei por ficar até receber o meu pira.

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > A ida à bolanha, ver as as bajudas lavar a roupa e o corpinho, era um dos poucos passatempos a que se podia dar ao luxo o Zé Tuga , nas horas vagas... Foto: © José Teixeira (2006)



A velhice lá partiu de regresso às suas vidas, e nós ficamos a contar os dias e a entrar na rotina do dia a dia, serviço 8 horas seguidas, algum descanço, futebol, ida quase diária à bolanha, ver as bajudas a lavar a roupa e o corpo, a visita quase obrigatória à casa da mulher grande, que ficava aí a uns 200 metros da igreja (foto enviada há dias), muita das vezes era só para inspeccionar o material e divertirmo-nos um pouco...

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > A casa da mariquinhas do Gabu ficava a 200 metros da capela...

Quando havia patacão (2) bebia-se a bica e/ou a cervejinha, ou meio wiskey, o que era um luxo: não é que fosse caro, o problema eram mesmo os pesos, eram sempre muito poucos.

Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação antes da independência. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros" (sic), no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Foto: © Jorge Santos (2005)


Cópia de nota de 50 escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúlia pelo Sousa de Castro. Com uma verdinha destas, um cabo dava um queca, nos áureos tempos de 1972/74... (Na minha zona, dizia-se "mudar o óleo em Bafatá")...


Foto: © Sousa de Castro (2005)
Finais de Agosto de 1972, o primeiro e o mais terrível paludismo dos seis que me tocaram, mais terrível porque a ignorância de pira achou que fosse uma gripe, e por isso andei até ao limite das forças. Os camaradas - não me lembro quem - tiveram que pegar-me ao colo e levar-me para a enfermaria, ainda no quartel velho.

Ministraram-me tudo e mais alguma coisa, ainda assim, às 3 horas da madrugada, o enfermeiro de serviço chamou o médico e espetaram mais umas agulhas. Ao fim de quatro dias já estava a dar conta do recado, e fui transferido com outro soldado africano, únicos hóspedes, para a enfermaria do quartel novo, que era um luxo em relacção a anterior. Permaneci mais dois ou três dias e fiquei fino até a próxima.

Com esta aprendi que não se podia brincar com a malária, qundo aparecia ou atacávamos logo ou ela dava cabo de nós. As outras cinco vezes não foi nada parecido, inclusivé cheguei a fazer stock no meu armário dos quininos utilizados para esta maleita.

O centro de transmissões ficava no primeira divisão na ponta direita do edificio do comando, (junto foto, captada da porta de armas): ao centro do mesmo, os gabinetes do Comando e ao lado das trms a acção psicológica.


A. Santos

Ex-Soldado Transmissões
Pel Mort 4574, 1972/74

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Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores do António Santos, relativos às suas memórias de Nova Lamego:
8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)
29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P900: O 25 de Abril em Nova Lamego (A. Santos, Pel Mort 4574/72)

(2) É caso para perguntar ao A. Santos, puto reguila, alfacinha, transmissões, qual era a cotação, em 1972/74, das meninas da Casa da Mariquinhas do Gabu... Essa é uma informação preciosa para os futuros historiadores da guerra da Guiné, 1963/74... e que infelizmente não vem em nenhum documento oficial das NT... Sobre o custo de vida do mulitar da tropa, nesses tempos já longínquos, vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1)

(...) "Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpeg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

"Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

"Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (6oo pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque" (...) (L.G.)

Opinião (douta) de outro transmissões, do Alto Minho, o nosso querido camarada Sousa de Castro:

(...) "Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974" (...).

Comentário de L.G.:

Ó Sousa, isso foi mesmo uma queca imperial, para a despedida, não da Guiné mas do Império!
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