quarta-feira, 21 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P890: Memórias de Mansabá (2): Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)



Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) (1)

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Texto do Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA CART2732, Mansabá (1970/72)


Mina no Bironque ou um voluntário que apanhou um grande susto

O Furriel B era um camarada com quem eu gostava especialmente de conversar. Éramos os campeões a receber cartas das respectivas miúdas. Tanto a minha como a dele nos escreviam diariamente e assim quando vinha o Correio era ver qual de nós contava mais cartas e aerogramas.

O camarada B levava uma vida sedentária no quartel, porque pertencia ao Pelotão de Artilharia 21, sediado em Mansabá (2). Só actuava durante os ataques do IN ao aquartelamento ou quando por outro motivo qualquer era necessário fazer fogo de obus. Tinha por isso inveja da nossa actividade. Os nossos dias eram todos preenchidos em saídas para o mato, serviço de guarda ao aquartelamento, colunas auto, etc. De quatro em quatro dias havia o chamado dia de descanso que era aproveitado, por exemplo, para reforçar algum pelotão nalguma operação mais complicada no mato, reforçar colunas auto, fazer reparações no aquartelamento, etc.

Ao fim da tarde do dia 16 de Julho de 1971 o meu pelotão, que estava de piquete, ia fazer uma coluna auto ao K3 para levar correio à CCAÇ 2753. Aparentemente tratava-se de mais uma normalíssima coluna, que por se tratar de uma distância tão curta, se faria numa hora, ir e vir. O camarada B que estava cheio de tédio, ao ouvir dizer que se ia fazer aquela coluna, veio ter comigo, sabendo que eu não ia, para me pedir emprestada a minha G3 que era coisa que ele não tinha. Fiquei um pouco surpreso porque não fazia parte das suas funções participar em colunas auto. Ele sossegou-me dizendo que ia como voluntário, ao que eu retorqui que voluntário só para comer e é preciso que se goste da ementa. Muito a custo emprestei-lhe a minha companheira e desejei-lhe boa viagem. Por coincidência ele foi na nossa GMC que era uma viatura muito antiga com cabina fechada, pouco recomendável para a saúde como vamos ver mais à frente e da qual nenhum condutor gostava.

A coluna saiu e no quartel a vida continuou dentro do normal até que, passados alguns minutos, surgiu um pedido de socorro, via rádio, porque uma das viaturas tinha accionado uma mina anticarro no Bironque, provocando um ferido grave e alguns ligeiros. Palavra de honra que me lembrei logo do meu amigo B, mas afastei imediatamente os maus pensamentos para longe.

Saíram logo as equipas de socorro, tanto para acudir aos feridos como para rebocar a viatura acidentada. Ficámos na expectativa até à chegada dos feridos e, para surpresa minha, o mais grave era o Bicho, condutor da referida GMC. A sua viatura que fez explodir a mina com a roda da frente do lado dele e, porque tinha cabina fechada fez com que os seus ferimentos fossem muito graves. Teve uma compressão na coluna por ser impulsionado contra o tejadilho. Ficou também com as pernas muito maltratadas pelos pedaços de metal da viatura projectados pela explosão. Os restantes feridos, magoaram-se ao caírem ao chão na confusão gerada.

Perante o que via, perguntei pelo Furriel B, que apareceu pouco depois, muito pálido e a tremer. Mal me viu deu-me um abraço, lamentando não ter seguido os meus conselhos. Disse-me que não tinha sofrido qualquer ferimento por imensa sorte, embora fosse sentado ao lado do condutor. Não estava lá muito bem dos ouvidos, mas foi uma questão de tempo para a audição voltar ao normal. A minha arma, que ele levava ao colo, apanhou com um estilhaço que danificou o carregador. Eu nem queria acreditar no que via e quando mais tarde vi a GMC, mais incrível me pareceu a sorte do B.

Dei a pensar em mim que andei centenas de quilómetros nesta viatura, sempre sentado no guarda-lamas da frente, agarrado ao farol com as costas no sentido do andamento, para poder conversar com os meus camaradas enquanto nos deslocávamos. Se um dia, por azar, ela actuasse alguma mina comigo sentado eu naquele sítio, não sei onde e como estaria agora.

O B não sofreu nada, mas deve ter tido muitas insónias nos dias que se seguiram e deve ter recebido a maior lição da vida. A minha arma teve direito a um carregador novinho em folha...

Eu, nunca mais pude andar sentado no guarda-lamas da nossa velhinha GMC.

Carlos E. Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732,
CTIG, 1970/72
___________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(2) Bironque ficava na estrada de Mansabá-Farim.

Sem comentários: