sexta-feira, 26 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P801: O colaboracionismo sempre teve uma paga (5) (Carlos Vinhal)

Texto do Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da CART 2732 (Mansabá, 1970/72):

Ainda sobre o tema O colaboracionismo sempre teve uma paga (1)

Tenho acompanhado atentamente a troca de impressões entre os camaradas que mais de perto conviveram ou comandaram tropas nativas da Guiné e que por isso mais sentiram os fuzilamentos perpetrados. Admiro os sentimentos expressos.

Queria dar a minha opinião, talvez coincidente com outros camaradas de blogue, sobre os acontecimentos pós-independência. Assim sou a expor:

(i) Foi mais fácil perdoar a Alpoim Calvão e outras personalidades portuguesas congéneres do que aos próprios guineenses. Porquê? Em causa esteve a cor da pele e a rivalidade existente entre etnias. Uma coisa foi ter-se combatido contra um inimigo branco considerado estrangeiro, ocupante e opressor. O abandono da luta e regresso ao país de origem, como foi o nosso caso, foi considerado para os guineenses uma vitória e isso bastou. Outra coisa foi combater contra um irmão da mesma cor, natural do mesmo chão e falando a mesma língua - pondo de parte o português que só oficialmente é língua da Guiné - que no pós guerra continuou a ocupar o mesmo espaço – no caso a Guiné-Bissau. O desejo de vingança foi naturalmente mais forte e o inimigo continuava ali mesmo à mão. Não esqueçamos também as rivalidades ancestrais entre as diversas etnias. Olhai, a propósito, para o triste exemplo de Timor, hoje [24 de Maio de 2006] mesmo notícia nos telejornais.

(ii) Os Comandos africanos seriam os principais alvos, porque eles foram os mais sanguinários. Mataram a torto e a direito os seus verdadeiros compatriotas, indistintamente mulheres e crianças, civis ou militares. Não se pode desmentir ou branquear esta verdade. Lembro-me de uma operação helitransportada feita a partir de Mansabá, era Comandante o então Major Almeida Bruno. Aquilo demorou dois ou três dias e, na volta, um dos militares, que trazia pendurada a tiracolo uma lata, dizia cheio de orgulho e apontando para ela: Manga de orelhas, manga de orelhas. Nunca percebi se aquilo eram troféus de caça ou se se destinava a fazer algum petisco.

(iii) Pergunto: Aqueles que combateram pelo nosso lado, fizeram-no por convicção política e/ou patriótica ou, pelo dinheiro e condições de vida que a luta lhes proporcionava a eles e às respectivas famílias? Estariam eles convencidos que a guerra era interminável e por isso nunca se preocuparam com o seu futuro?

(iv) Foi notória a dificuldade que o país teve para receber e integrar todos os retornados e refugiados -filhos de colonos lá nascidos - vindos das ex-colónias. Como se integrariam cá os ex-combatentes que só sabiam de guerra, porque nunca tinham feito outra coisa na vida?

(v) Finalmente, com a devida vénia, faço minhas as palavras do nosso camarada João Tunes no Post 777 (2) do nosso Blogue.

Carlos Vinhal
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 25 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

(2) Vd. pots de 24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

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