domingo, 5 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P482: O ataque de foguetões 122 mm a Canjadude, em abril de 1973 (João Carvalho, ex-fur mil enf, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1973/74)

Guiné > Gabu (Nova Lamego) > Canjadude > 1973 > CCAÇ 5 (Gato Preto) > Vista geral do aquartelamento... Em Abril de 1973, as NT são surpreendidas por um ataque certeiro de 6 foguetões 122 mm... Mais uma escalada na guerra... 

© João Carvalho (2005) (1)

Olá Luis

Peço desculpa de só agora te enviar qualquer coisa. ´Tenho falta de tempo, para procurar arquivos. 

Envio- te:

1 - a cópia de um aerograma que enviei de Canjadude em 1973 ao meu irmão. O original, não sei se ainda existe, mas por vezes eu escrevia numa agenda a cópia dos aeros que enviava e, por isso, ainda tenho o texto (com uma péssima redacção, mas...)

2 - Foto tirada no interior do Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude (sou o 2º a contar da direita).

3 - Foto tirada de cima duma das grandes pedras existentes em Canjadude. Vista geral da CCAÇ 5 .

João Carvalho
(ex-furriel milicano enfermeiro da CCAÇ 5, Canjadude, 1973/74)
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Canjadude (CCAÇ 5)

(...) No dia 27 de abril de 1973 às 22h e 50m, estava eu no clube de oficiais e sargentos, a conversar com mais dois furriéis e com o soldado que trabalha lá, quando ouvimos Bum-bum!!! (dois sons graves, logo seguidos). Um dos furriéis virou-se para o outro e disse:

- Não batas com os pés no balcão que é chato.- (Quando se bate no balcão, parece uma saída de morteiro).

Então o outro, com um ar muito espantado, diz:

- Mas eu não toquei no balcão. - Ficámos a olhar uns para os outros, assim meio desconfiados, até que chegámos à conclusão que devia ser um ataque pois, de imediato ouvimos um estrondo enorme e o clube abanou por todos os lados. Logo a seguir outro igual. Ficamos completamente despassarados e resolvemos sair a correr pela porta principal, porque se abrissemos a porta lateral, via-se luz cá de fora e podiam começar a atirar para nós.


Guiné > Gabu (Nova Lamego) > Canjadude > 1973 > CCAÇ 5 (Gato Preto) > Interior do Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude (o furriel miliciano Carvalho é o 2º a contar da direita... No mural, na pintura na parede, pode ler-se: [gato] preto agarra à mão grrr.... Percebe-se que estamos no Rio Corubal com o campo fortitifaco de Cheche do lado de cá (margem direita) e... a mítica Madina do Boé, do lado de lá (margem esquerda)... Em 24 de Setembro de 1973, em Madina do Boé, o PAIGC proclama a independência da nova República da Guiné-Bissau.

© João Carvalho (2005)


Eu vinha em último lugar a correr (semiagachado) a contornar o clube para ir para a vala, quando bati com a cara numa coisa duríssima e caí para trás e em cima do outro furriel que estava ainda no chão e que lhe tinha sucedido o mesmo. Levantámo-nos e ele disse que era uma viatura que estava ali parada (nós não víamos o Unimog porque saímos dum sítio com luz e ainda por cima como não havia lua não havia claridade nenhuma e a viatura não costumava estar estacionada naquele lugar).

Contornámos a viatura e metemo-nos na vala, andando ao longo desta para sairmos debaixo dos mangueiros. Olhei para dentro do quartel e vi um clarão enorme acompanhado de um grande estrondo (parecia que estava numa sala com 10 amplificadores ligados ao mesmo tempo). Entretanto começaram a sair do quartel, morteiradas para o mato e também rajadas de metralhadora, ou seja o fogo era já o nosso.

Um indivíduo que estava na metralhadora Breda, perto de nós, dava uma rajada, parava e depois berrava:

- Filhos disto e daquilo, não querem lá ver ?! Vêm gozar com a velhice ?! ... d

Depois, mais uma rajada e repetia a mesma coisa. Agora, quando me lembro, até dá vontade de rir! O fogo parou e eu e o outro furriel, fomos à enfermaria tratar da cara e dos outros feridos se os houvesse. Fiz um corte no nariz e debaixo de cada vista... o outro furriel tinha cortes um pouco menos profundos...

Um dos furriéis que também estava no clube contou que foi a correr pela parada do quartel e que se meteu dentro de um dos abrigos, tendo entrado pela janela um estilhaço que lhe passou por cima. 

Em conclusão, fomos atacados por 6 foguetões lançados mais ou menos a 12 km daqui. Um deles caiu a uns 300 m do arame farpado, outro mesmo no centro do quartel e os outros mais ou menos em cima do arame farpado. Não faço ideia como é que a 12 Km conseguem enfiar com os 6 foguetões praticamente dentro do quartel (2).

Felizmente não houve nada de grave. Só 3 pessoas é que apanharam com estilhaços, mas já com tão pouca força que só tiveram umas feridas superficiais. Houve muitos joelhos esfolados das valas mas... O foguetão que caiu no meio do quartel, deitou abaixo parte da cozinha, o que não faz mal pois aquilo já estava a cair! 

Este ataque pregou-nos um bom susto mas, com uma sorte incrível, não houve nada de especial. (...)
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Nota de L.G.:

(1) Vd post de 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)

(2) A utilização de foguetões 122 mm (ou mísseis terra-terra Katyusha), a partir de 1970,   e de mísseis terra-ar Strela, ambos de origem soviética, implicou uma escalada da guerra...

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