quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P401: Pensando... A Guiné que em (re)(vi)vi (2005) (José Teixeira)


Guiné > Mampatá Foreá > Rescaldo de ataque do IN à hora do almoço (3 de Novembro de 1968)

© José Teixeira (2005)

Texto, em duas partes, do José Teixeira, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 que esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Borbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 1970).

Em Março de 2005, o Teixeira volta à Guiné-Bissau... por terra (Lisboa-Bissau). O que viu e sentiu, um quarto de século depois, é relatado nesta II parte... A Guiné que eu re(vi)vi (2005) (*):

Durante estes anos passados era esta a imagem que eu retinha da Guiné. Devorava todas as notícias que foram marcando aquela terra vermelha. Mas o sonho mantinha-se.

Precisava de voltar e apreciar as mudanças. Família e amigos apelidavam-me de "doido". Rompi barreiras, aceitei o desafio de um amigo e voltei.

Atravessei Espanha, Marrocos, Mauritânia e Senegal para entrar na Guiné por Pirada (1) e ser recebido como um amigo que volta a sua casa. De facto, senti-me em Portugal.

É verdade que hoje continuo a sonhar acordado e a dormir, com a Guiné, mas uma visão muito mais sadia. Pensava que uma ida aos locais onde vivi, me curaria da sodade ... a Guiné sair-me-ia do pensamento.

Se antes, sentia necessidade de ir buscar "paz" para o meu espírito, agora sinto uma vontade ainda maior de voltar, voltar sempre. Hoje, continuo a sonhar, mas com a outra Guiné. A de 2005 com o mesmo povo, franco, aberto, comunicativo e sobretudo alegre e acolhedor.

Os tempos da guerra passaram e, se deixaram marcas negativas, estas foram abafadas pelo que de bom lhe levamos. Formas de estar, de pensar e agir diferentes. Apesar de levarmos a guerra e o sofrimento, também levámos uma nobreza de alma.

Guiné-Bissau > Buba > 2005 > Chefe da Tabanca Lisboa, a 5 Km de Buba, um antigo centro de treino do IN...

O chefe da tabanca, onde vivem vários antigos combatentes do PAIGC, é por sua vez um antigo paraquedista, formado em Tancos, e que lutou ao lado dos portugueses...

© José Teixeira (2005)

A maior parte dos portugueses que foram chamados à Guiné, eram oriundos do interior de Portugal. Gente humilde e honrada. Gente que soube separar as águas e não ver nos Guineenses um inimigo a abater, mas pessoas que apenas tinham outra cor, outras culturas e hábitos, outra forma de vestir.

A simbiose fez-se naturalmente, sem dificuldades e a imagem que ficou, mantem-se. Somos queridos e bem vindos:
Tu Português de Portugal, eu Português de Guiné - ouvi dizer algures na nova Guiné que visitei em 2005. Ou:
- Branco ê na volta ! Branco ê na volta mesmo – como me dizia a velhinha mulher do falecido Sambel, Homem Grande de Contabane (1) quando comovida me abraçava.

A visão panorâmica das aldeias locais (tabancas) mudou completamente e também mudou, felizmente, na minha mente.

Vi pistas de aviação foram transformadas em locais de habitação e de produção de Caju, vi casernas transformadas em escolas, por todas as tabancas por onde passei. Os espaços que mantínhamos capinados à voltas das tabancas por questões de segurança, são zonas de habitação e produção de cajueiros (2). As tabancas cresceram, romperam as barreiras de arame farpado, aproximaram-se umas das outras. Não há medos nem silêncios, há vida.

A estrada de Quebo a Mampatá Forea, outrora deserta e minada, quantas vezes, onde havia duas tabancas, Afia e Bacardado, esta última abandonada no meu tempo depois de incendiada pelo IN, é hoje uma passerelle contínua de pessoas em movimento, que se alonga por Uane, Sare Donhã e Samba Sábali. A estrada de Saltinho, Contabane a Quebo, fechada, após a destruição de Contabane(2), é outro corredor de interligação de pessoas.

Guiné-Bissau > 2005

... "Em Abril de 2005 tal como em 1968"...

© José Teixeira (2005)

Buba voltou a ter a vida que nos anais da história retratam como cidade comercial (transformada no tempo da guerra numa pequena povoação com um forte contingente militar – duas Companhias da tropa macaca, uma de Comandos ou Páras e uma de Fuzileiros). Banhada pelo Rio Grande Buba, braço de mar. Porto de ligação com a zona de Tombali. Centro comercial pela sua posição estratégica, cresceu imenso, gerando uma grande avenida que ultrapassa o fim da pista de aviação, actualmente transformada em zona habitacional e de comércio.

A picada para Fulacunda foi activada, dando acesso à tabanca de Sare Tuto, a cerca de 5 Km de Buba, conhecida por Tabanca Lisboa. Outrora base e centro de treino IN. Daí partiam para nos "incomodar" na estrada em construção, nas colunas para Quebo e nas tabancas onde estacionávamos (Buba, Nhala, Samba Sábali, etc.).

Insólito é que o Chefe de Tabanca actual é um antigo paraquedista das FAP [Força Aérea Portuguesa], talvez mais português que qualquer um de nós, até no português que fala sem sotaque local.

Os seus habitantes são ainda, na sua maioria antigos IN. O nosso amigo que se orgulha de ter servido Portugal tirou o Curso em Tancos e seguiu para a sua terra onde durante anos serviu Portugal nos Paras. No fim da guerra viveu clandestinamente durante dois anos e depois voltou... para a mulher que tinha do outro lado da barreira e vivia nesta linda tabanca de Sare Tuto (ou Lisboa), onde ainda hoje, quase só se fala Crioulo ou francês. As suas bases culturais depressa o guindaram ao lugar de Chefe de Tabanca. Tem em funcionamento uma escola de Português e está a criar outra no outro extremo da Tabanca. Conhecedor da mata como ninguém, é um excelente pisteiro, procurado pelos caçadores brancos que vão à Guiné e se instalam no Saltinho.

Aqui neste cantinho escondido da Guiné, tive o meu reencontro oficial com o IN. Quatro homens e mulheres, manga delas, observavam-nos à distância de 2 a 3 metros. Perguntei quem eram e tive como resposta:
- Turras!- Dirigi-me a eles:
- A bó bandido qui taka Buba, tempo di guera ? - Começaram se a rir e um deles retorquiu:
- A bó turra branco qui firma na Buba ? djobe. Manga di tempo qui guera na kaba. Parte mantanhas.

Demos um abraço e eu senti-me um homem feliz!
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Notas do autor:

(1) História que também merece ser contada, mais tarde.

(2) Contabane é uma tabanca que fica entre Quebo e Saltinho (Sinchã Shambel).

O Régulo Shambel teve a visita do IN na noite de São João de 1968. A tabanca foi incendiada e destruída, o Pelotão da CCAÇ 2382 teve de retirar com a roupa que trazia no corpo e a população refugiou-se em Quebo.

Actualmente a sua mulher vive em Sinchã Sambel do outro lado da ponte do Saltinho, cujo chefe é seu filho. Este era milícia em Mampatá Forea e casou com a Nana, filha do Alferes de milícia Aliu Baldé, régulo de Mampatá no meu tempo.

Tive o prazer de conviver de novo com esta mulher que era uma das mais belas bajudas que conheci, e continua a sê-lo, a par da sua amiga e futura cunhada Famara Baldé (minha lavandera).
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Nota de L.G.

(*) Vd a I parte > post de 4 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVIII: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

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