segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P166: No "reino do Nino": Catió, Cacine, Gadamael, Guileje (1970) (João Tunes)


Brazão actual de Catió, vila da Guiné-Bissau
Fonte: International Civic Heraldry (por sugetsão do nosso tertuliano Jorge Santos)

Texto de João Tunes (que, em 1970, era alferes miliciano de transmissões na CCS do Batalhão sedeado em Catió):

O Afonso Sousa, a quem agradeço a saudação de amizade (com o exagero do tamanho da efusão de um abraço camarada) pergunta-me sobre a localização de Ganjola (onde terá estado o José António, soldado da Lourinhã e justamente evocado) e enumera uma data de nomes de tabancas da zona Sul.

Ora, em 1970, quando estive em Catió (e esse Batalhão comandava todas as unidades no Sul até à fronteira da Guiné-Conacry) todos os pontos assinalados (que evoco por mera ressonância de memória) estavam no mapa das NT assinalados como pontos a bombardear (por aviação e artilharia) ou para sofrerem golpes de mão de forças especiais.

Porque tudo isso estava sob absoluto controlo militar e populacional do "Reino do Nino" (Frente Sul do PAIGC, comandada por Nino Vieira). As nossas únicas posições, e com dispositivos meramente defensivos e de apoio a operações especiais, já só eram: Catió (comando do Batalhão), Cacine, Gadamael e Guileje.

Por natureza das minhas funções militares eu, pelo menos uma vez por mês, tinha de dar a volta a todos os Quartéis do Sul e o único meio de comunicação entre qualquer combinação de dois quartéis era apenas por via aérea. Ou seja, os quartéis enumerados eram ilhas NT (únicas) no meio de território libertado pelo PAIGC. E todas as unidades resistiam numa postura defensiva e de sobrevivência (todos os quartéis eram sistematicamente flagelados pela artilharia do PAIGC) e a capacidade operacional (mais evidente em Gadamael em que se dispunha de uma unidade de blindados ligeiros que permitiam um certo raio de acção) era garantir a sobrevivência da presença militar e as populações sob controle, funcionando ainda como ponto de apoio e retaguarda de operações de golpes de mão e emboscada a realizar por paras, fuzas e comandos.

Os dramas em 1973 de Guileje e Gadamael foram como que a prova do "algodão" (não enganaram - faltando o apoio aéreo, toda a zona passou a ser de defesa e sobrevivência impossíveis, sobrando a opção racional da debandada ou a irracional do martírio). Assim, o quartel (destacamento) a que se refere o José António na sua carta ao "Alvorada" de 1965 (Ganjolá, confirmando-se que era cerca de Catió) (1), a que se seguiu a sua morte, terá sido depois ocupado pelo PAIGC (desculpem lá, NT ainda consigo usar mas essa do IN é que não me passa pelo estreito) e portanto constava já no meu tempo (1970) não de território com bandeira portuguesa hasteada mas sim do "Reino do Nino".

Abraços do
João Tunes
___________

Nota de L.G.:

(1) O nosso post de 8 de Setembro de 2005 (Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá ) foi gentilmente reproduzido no sítio do João Tunes - Água Lisa (3) -, em post de 9 de Setembro de 2005, com o seguinte comentário que ajuda a contextualizar e a compreender o conteúdo da carta, escrita pelo soldado Nogueira, destacado (e provavelmente morto) em Ganjolá (1965):

"Esta carta tem quarenta anos. Foi uma das últimas enviadas pelo Soldado nº 2955/63 antes de se encontrar com a morte na terra da Guiné-Bissau. Foi publicada no quinzenário regionalista Alvorada da Lourinhã. Reveladora da forma muito própria como os soldados do exército colonial português, de uma forma geral, sentiam a atmosfera da guerra e procuravam conservar o optimismo e a auto-estima. Embora se notem os cuidados sublimados na sua redacção por ser uma carta dirigida a um jornal da época, portanto sabendo que existiam os crivos da polícia e da censura, e referindo-se a um teatro de guerra que só se agravou dramaticamente mais tarde, a candura épica do povo fardado está ali entranhada e que é um dos muitos factores que ajudam a explicar como foi possível que, no fascismo-colonialismo português e durante treze anos, centenas de milhares de cidadãos portugueses aceitassem lutar e morrer, procurando matar e sobreviver, para prolongar o pesadelo da quimera de uma demência imperial.

"Texto e imagem obtidos no blogue do Luís Graça".

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