quarta-feira, 8 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P51: Mesa-redonda: Afinal, a guerra não estava (quase) ganha ?


7 de Junho de 2005

1. Amigos e camaradas:
Quando leio os relatos do A. Marques Lopes que andou meses a fio, com os seus bravos de Geba, para conquistar Sinchã Jobel, em meados de 1967, e venho a descobrir que, dois anos depois, eu andei candidamente por aquelas paragens (Sare Gana, aldeia em autodefesa do subsector de Geba…), chego à conclusão, que tínhamos andado para trás como o caranguejo… Sinchã Jobel e a mata do Óio eram um mito no meu tempo, sendo impensável lá voltarmos, a penantes, como no tempo do Lopes… É engraçado podermos comparar e justapor as situações em épocas diferentes…

No meu tempo, com a CCAÇ 12 tentámos ir, numa grande operação, a nível de batalhão, a Madina/Belel, que ficava mais a oeste, a norte do Cuor... O chefe da orquestra foi um tal alferes miliciano que tinha muito ascendente sobre o comando de Bambadinca, e que chegou a ter a cabeça a prémio por parte do PAIGC… A operação foi uma das mais dramáticas que fizemos no meu tempo… Mas no relatório os gajos gabaram-se, como sempre, de obter muitos roncos… Hei-de contar-vos essa estória…

Luís Graça


8 de Junho de 2005

2. Caro Luís Graça, restantes membros da Tertúlia da Campanha Africana.
Quando li o titulo que deste a este texto e que eu propositadamente deixei ficar, pensei que as guerras perdem-se ou ganham-se em função do objectivo que nós definimos, para aquilo que para nós é ganhar ou perder. Poderia fazer aqui uma série de alocuções, referindo que, para mim, a guerra estava ganha a partir do momento em que durante um certo espaço de tempo fui capaz de me relacionar com extraordinária facilidade, na convivência directa e exclusiva com os Africanos de Fá Mandinga e com todos os comandos negros que lá faziam a sua recruta.

Podia dizer-te que, para este país e para os Senhores da Guerra, ela estava perdida, a partir do momento e de muitos outros momentos como aquele descrito no texto que tinha como título Duas Orelhas Como Troféu [texto de Afonso Sousa, enviado apenas ao grupo, não publicado no blogue]. Para exemplificar doutra maneira vou falar doutras experiências que, não sendo passadas em solo africano, dizem respeito ao tempo de campanha colonial.

Durante muitos anos lutei pela defesa dos direitos dos Veteranos de Guerra. De cidadão anónimo, até primeiro delegado da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), foi um caminho difícil e lento, mas altamente enriquecedor. Experiências de vários tipos, sucediam-se a outras experiências. No entanto e quanto mais me aproximava e interagia com os Órgãos Sociais responsáveis pela Associação, mais me apercebia que erros e hábitos do passado ainda estavam dentro da cabeça destes responsáveis. Isto não seria tão preocupante se estas pessoas não estivessem a defender pessoas que deram o seu melhor pelo país que éramos, por isso tornei-me um contestatário sério do sistema instituído.

Devido ao meu inconformismo, sou convidado a fazer uma lista que outros opositores como eu resolveram organizar, com o fim expresso de melhorar a organização da Associação, com a subsequente ideia que talvez se conseguisse fazer mais por todos aqueles que fazem parte do enorme património histórico da guerra colonial, ou seja: pretendíamos fazer mais por todos os soldados deste país.

Ao fim de uma série de acções e lutas eleitorais, acabamos por assumir os destinos da APVG, ocupando eu, na hierarquia, o lugar de Vice-Presidente, lugar sempre difícil de ocupar porque, embora as instituições se orientem pelo princípio do voto, a verdade é que, como todos sabem, a partir de certa altura interesses, acordos e outras coisas mais desvirtuam este princípio, o que demonstra alguns erros da democracia.

Dizia eu que ser Vice-Presidente é um lugar muito complicado numa lista de executivos, porque das duas uma, ou o Vice baixa a cabeça como aquele animalzinho muito simpático e tudo corre bem, ou acabamos por ser agredidos física e moralmente. Mas esta é outra história que não fica a dever nada às muitas que todos passámos na Guiné e que eu não vou contar, pelo menos por agora.

Passados que foram alguns tempos, assumi o lugar de Director do Jornal “O Veterano de Guerra", ao qual pretendi imprimir uma concepção interventiva diferente. A ideia, sempre a mesma ideia, era que as páginas da revista ou do jornal deveriam conter, ou contar, as histórias de todos os Associados, fossem eles Soldados ou Generais, e não servirem apenas os interesses de meia dúzia.

Naturalmente que o poder tem muita força; naturalmente que os interesses instituídos têm muita força; naturalmente que em democracia também se compram votos (os oficiais também se vendem) e eu acabei por ser exonerado do cargo depois de ter editado três jornais de 42.000 exemplares cada.

Embora o projecto que desenhei e as alterações metodológicas que queria introduzir neste, me exigissem muito mais tempo para a concretização dos meus objectivos, acredito ter melhorado muito a linha orientadora do jornal. Pela primeira vez, todos os Associados, sem discriminação, começaram a ter voz. O preço a pagar foi grande, porque não tive ao meu lado gente suficientemente interessada na mudança; no entanto, sinto-me satisfeito pelo facto de ter acordado alguns companheiros que, por simplicidade, boa fé, ou desconhecimento, continuam a acreditar em tudo e em todos.

Fiz este pequeno relato para que todos aqueles que fazem parte deste grupo [Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Coloniual > Guiné], percebam que a guerra não acabou no dia da independência dos países africanos. Ela continua viva dentro de nós, motivadora de milhares e milhares de questões.

Perder ou ganhar? Uns pensam que eu perdi, porque os opositores eram muito fortes e eu não consegui derrubar a muralha de hábitos e outras coisas muito mais graves instituídas. Eu penso que ganhei, porque fui capaz de abalar a estrutura e fiz perceber a muitas delegações e delegados deste país que as pessoas que gerem as suas justas perspectivas de direitos não são eficazes, isentas e sérias nos propósitos assumidos no passado. A inépcia de cada um e a modorra a que a maior parte de cada um de nós está habituado, já não sou eu que tenho que alterar.

Uns pensam que perdi porque vim embora, eu penso que ganhei, porque esteja onde estiver, serei fiel aos princípios que desde 1997 defendo. Por isso, meu caro Luís, na minha modesta opinião, a guerra estava perdida ou ganha, conforme a barricada esteja colocada a norte ou a sul. Para terminar apenas quero dizer-vos que o Luís Graça e este grupo são um dos múltiplos exemplos de como a guerra, vista doutro ângulo, está ganha.

Um abraço a todos, mas deixem-me dar um abraço especial ao meu amigo Castro e ao A. Marques Lopes (Banjara) que nunca mais vi depois do dia das eleições em Braga.
Luís Carvalhido


3. É um ponto de vista muito curioso - parabéns pelo que pensa e faz e sobretudo pela convicção com que o executa.

Creio que estamos a fazer não uma análise de guerra, mas a contar uma guerra pelos seus actores principais, nós todos, os soldados de então. E vivemos de recordações, umas boas, poucas, e outras muitas más, como é evidente. Outra coisa nos une e isso tenho a certeza: a solidariedade de quem perdeu a juventude e se tornou adulto de repente. Hoje, independentemente daquilo que somos ou fazemos, algo afinal nos une - será o amor fraternal - deixe passar o termo, acaba por ser isso mesmo

Um abraço,
David Guimarães.


4. Meu Caro David J. Guimarães:
São palavras destas que fazem que os mais pequenos do pelotão aguentem a agonia da picada.Um abraço
Luís Carvalhido

5. Amigo Luís Carvalhido:
Eu vi logo que devia ter havido qualquer coisa... pois deixaste de "aparecer" (nos nossos contactos). No início, depois das eleições, ainda trocámos aquelas mensagens de quebra-gelos. Mas, depois, palpitou-me que algo correria menos bem.
Mas, meu amigo, como dizes, a guerra não acabou. E a luta continua!!!
Abraços.
A. Marques Lopes


6. Uma simples e primeira nota: nas entrelinhas deste texto muito se vislumbra. A abrangência é de um lato mas muito nítido horizonte.

Que lucidez de raciocínio e fluência de expressão !... Parabéns "grande" Luis Carvalhido.
Afonso Sousa

7. Muito obrigado, Luís, pelo facto de me incluir no seu Blogue. Penso que finalmente estamos a dar início a um processo que, do meu ponto de vista, vai transformar ideias e conceitos que, ao longo das ultimas três décadas, foram incutidos nos Portugueses. Os livros, o cinema e visões de alguns que não estavam cá (lá) na altura, porque tinham fugido e ainda por culpa de outros que viviam da matança, fizeram o comum dos mortais pensar que fomos os causadores do conflito, por inerência, culpados. Finalmente ao sermos confrontados com a ideia que a Pátria e o Hino não são servidos, a não ser pelo dinheiro que os profissionais da guerra exigem, eu tenho a certeza que as páginas desta história ainda vão ter outra cor.

Um abraço.
Luís Carvalhido

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